Zelo a que é obrigado o padre

 

Cumpre notar que, num retiro eclesiástico, de todos os discursos a fazer, o mais importante, e de que se pode esperar mais fruto, é o que versa sobre o zelo; porque, se de entre os ouvintes, — como se deve esperar da graça do Senhor, — algum sacerdote vier a tomar a resolução de trabalhar, com ardor na salvação do próximo, ter-se há ganhado, não apenas uma alma, mas cem, mil almas, que se salvarão por meio desse padre.

 

I - Da obrigação que incumbe aos padres de trabalhar na salvação das almas

 

Lê-se na Obra imperfeita: Muitos padres e poucos padres: muitos no nome, poucos nas obras 620. Está o mundo cheio de padres, mas poucos dentre eles trabalham por ser verdadeiros padres, isto é, por satisfazer a grande obrigação que o sacerdócio impõe, à obrigação de salvar almas.

É uma alta dignidade a dos padres, visto que são cooperadores do próprio Deus 621. Que há de mais nobre, diz o Apóstolo, que trabalhar com Jesus Cristo na salvação das almas, que ele resgatou com o seu sangue? É por isso que São Dionísio Areopagita chamava à dignidade sacerdotal a mais divina de todas as dignidades 622. De fato, como diz Santo Agostinho, maior poder se exige para justificar um pecador, que para criar o Céu e a terra 623.

São Jerônimo chamava aos padres os salvadores do mundo 624, e São Próspero dava-lhes o título de intendentes da casa real de Deus 625. E primeiro Jeremias os tinha designado com o nome de pescadores e caçadores do Altíssimo: Hei de enviar muitos pescadores, diz o Senhor, e eles os pescarão; e depois, hei de enviar-lhes caçadores, e eles os procurarão, para os retirarem de todos os montes, e de todas as colinas e das cavernas 626. É precisamente aos padres que Santo Ambrósio 627 aplica esta passagem. Os bons sacerdotes reconduzem a Deus os pecadores mais pervertidos e libertam-nos de todos os seus vícios: Monte, da montanha do orgulho; colle, da colina da pusilanimidade; e cavernis, dos maus hábitos, que trazem consigo as trevas para o espírito e o endurecimento para o coração.

Falando de Deus, diz Pedro de Blois: Na obra da criação, não teve Deus nenhum auxiliar, mas no mistério da redenção quis ter cooperadores 628. Ao rei, diz São João Crisóstomo, foram confiadas as coisas da terra, mas a mim, a mim sacerdote, as coisas do Céu 629. Ainda que a bem-aventurada Virgem é superior aos apóstolos, diz Inocêncio III, nem por isso lhe confiou Deus as chaves do reino dos Céus, mas sim àqueles 630.

O padre é chamado por São Pedro Damião — guia do povo de Deus 631; por São Bernardo guarda da Igreja, que é a Esposa de Jesus Cristo 632; e por São Clemente um Deus terreno 633. É na verdade por meio dos padres que se formam os santos na terra. Afirma São Flaviano que a esperança e a salvação dos homens estão nas mãos dos sacerdotes 634. E São João Crisóstomo diz: Os nossos pais geraram-nos para a vida presente, os padres para a eterna 635. Sem os padres, diz Santo Inácio Mártir, não haveria santos na terra 636. Muito antes tinha dito Judite que dos padres está dependente a salvação dos povos 637. Ensinam os padres aos seculares a prática das virtudes, e é delas que depende a salvação deles. Isto fez dizer a São Clemente: Honrai os padres que vos guiam pelo caminho da santidade 638.

Bem alta pois é a dignidade do padre, mas à mesma altura está também a obrigação que lhe incumbe de trabalhar na salvação das almas. Ouçamos o que diz o Apóstolo: Todo o Pontífice escolhido dentre os homens, é estabelecido a favor dos homens no que respeita ao culto divino, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. Depois ajunta: É necessário que o padre saiba condoer-se dos que estão na ignorância e se acham extraviados 639. O padre pois recebeu de Deus uma dupla missão: a de o honrar pelos sacrifícios, e a de salvar as almas, instruindo os ignorantes e convertendo os pecadores.

Há uma diferença completa entre os seculares e os eclesiásticos: aqueles aplicam-se às coisas terrenas e só cuidam de si próprios; estes formam o povo eleito, encarregado de adquirir tesouros 640, mas que tesouros? O ofício de clérigo, responde Santo Ambrósio, é ganhar, não dinheiro, mas almas 641. O mesmo nome de padre, em latim sacerdos, exprime a natureza das suas funções: segundo Santo Antonino, que faz derivar esta palavra de 642 sacradocens 643, e segundo Santo Tomás que a explica por sacra dans 644. Honório de Autum pensa que presbyter vem de praebens iter, — o que mostra ao povo o caminho por onde se chega do exílio à patria 645. Está isto de acordo com o sentir de Santo Ambrósio, que chama aos padres os guias e dirigentes do rebanho de Jesus Cristo 646. Donde o santo tira esta conclusão: Que a vida corresponda ao nome, que o nome não seja uma palavra vã; o que não poderia dar-se sem um crime enorme 647. Se pois os nomes de Sacerdos e de Presbyter significam que o padre deve servir de sustentáculo às almas, guiá-las no caminho da salvação, e conduzi-las ao Céu, necessário é, segundo a reflexão de Santo Ambrósio, que o nome seja justificado pelas obras, para não ser um título vão; não aconteça que a honra das funções sacerdotais se torne um crime, ou uma ignomínia, como diz São Jerônimo 648.

Se quereis cumprir os deveres do sacerdócio, continua ainda São Jerônimo, procedei de modo a salvardes a vossa alma, salvando os outros 649. Preservar as almas da corrupção do mundo e conduzi-las para Deus, tal é, segundo Santo Anselmo, a função própria do padre 650. E segundo o abade Filipe da Boa Esperança, o Senhor separou os padres do resto dos homens, para que eles trabalhem, não só na sua própria salvação, mas ainda na dos outros 651. Nasce o zelo do amor, como diz Santo Agostinho 652; assim como a caridade nos obriga a amar a Deus e ao próximo, também o zelo nos obriga primeiro a procurar a glória de Deus, e impedir que se ultraje o seu nome; depois a promover o bem do próximo e preservá-lo do mal.

Não digais: Sou um simples padre, sem cura de almas, basta que cuide de mim. Não; todo o padre é obrigado a trabalhar na salvação das almas, segundo as suas forças e a necessidade em que elas se encontrarem. Assim, quando as almas por falta de confessores se encontram em grande necessidade espiritual, até o simples padre está obrigado a confessar, como demonstramos na nossa Teologia moral ( l. 6. n. 625). Se não tem a ciência precisa, para exercer esta função do seu ministério, está obrigado a adquiri-la. É o sentir do Pe. Pavone, da Companhia de Jesus, e que não é destituído de razão. Com efeito, assim como o Padre eterno enviou Jesus Cristo à terra para salvar o mundo, assim também Jesus Cristo destinou os padres, para converterem os pecadores: Assim como meu Pai me enviou, assim eu vos envio 653. Razão esta por que o Concílio de Trento exige, dos que aspiram ao sacerdócio, que sejam julgados idôneos para a administração dos sacramentos 654. Estabeleceu Deus a Ordem sacerdotal neste mundo, diz o Doutor angélico, para que haja cá homens encarregados de santificar os outros, pela administração dos sacramentos 655. E é especialmente para a administração do sacramento da Penitência que os padres estão colocados na terra, porque a seguir às palavras que acabamos de citar, — Eu vos envio como meu Pai me enviou, — São João ajunta imediatamente 656: Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo; aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados. Mas, se o perdoar os pecados é um dos principais deveres do padre, segue-se que é uma das suas principais obrigações aplicar-se a cumpri-lo, ao menos quando a necessidade o exigir; de contrário, merecerá a censura de ter faltado ao aviso que São Paulo dirigia aos seus irmãos no sacerdócio: Nós vos exortamos a não receberdes em vão a graça de Deus 657.

São os padres destinados por Deus a serem o sal da terra, e assim preservarem as almas da corrupção dos pecados, conforme a reflexão do venerável Beda 658. Mas, se o sal já não tem a propriedade do sal, para que serve ele, no dizer do Evangelho, senão para ser lançado fora da casa do Senhor e calcado aos pés de todos os transeuntes?659

O padre, diz São João Crisóstomo, é como que o pai do mundo inteiro; deve pois tomar cuidado de todas as almas, que pelo seu ministério puder ajudar a salvar, correspondendo assim às vistas de Deus, de quem faz as vezes 660. Além disto, os padres são os médicos encarregados por Deus da cura das enfermidades de todas as almas. Assim os chama Orígenes: Médicos animarum; do mesmo modo São Jerônimo: Medicos spirituales. E São Boaventura ajunta: Se o médico abandona os doentes, quem tomará cuidado deles?661.

Demais, são os padres chamados muros da Igreja. Santo Ambrósio diz: Habet et Ecclesia muros suos (In 118, s. 22); e o autor da Obra imperfeita: Muri illius sunt sacerdotes (Hom. 10). Por Jeremias são também chamados as pedras que sustentam a Igreja de Deus 662; e por Santo Euquério as colunas que sustentam o mundo e o impedem de desabar 663. Finalmente São Bernardo os chama casa do próprio Deus. Dizemos pois com o autor da Obra imperfeita que se não cair senão parte do edifício, será fácil repará-lo 664; mas se as paredes da casa, se os alicerces, se as colunas que a sustentam vierem a cair, que reparação será ainda possível?

Também na Obra imperfeita os padres são chamados da vinha do Senhor 665. Mas, ó Céu! exclama em gemidos São Bernardo, os vinhateiros não se poupam nem a suores nem a fadigas, trabalham dia e noite na cultura das suas vinhas; pela sua parte porém que fazem os padres, a quem o Senhor encarregou o cultivo da sua vinha?666 Adormecem ociosos e consomem as suas forças no meio dos prazeres terrenos!

É grande a seara, mas são poucos os obreiros 667. É certo que nem os bispos nem os pastores seriam bastantes para as necessidades dos povos; se Deus não tivesse mandado outros sacerdotes em socorro das almas, não estaria a sua Igreja bem provida.

Diz Santo Tomás (2. 2. q. 184. a. 6) que os doze apóstolos, encarregados por Jesus Cristo da conversão do mundo, figuravam os bispos, e que os setenta e dois discípulos representavam todos os padres. Estes estão estabelecidos para trabalharem na salvação das almas, — fruto que o Redentor espera do ministério deles: Eu vos estabeleci para que vades pelo mundo e façais fruto 668. Tal a razão por que Santo Agostinho chama aos padres administradores dos interesses de Deus 669. Receberam eles a missão de extirpar os vícios e as máximas perniciosas do meio dos povos, fazendo florescer em seu lugar as virtudes e as máximas eternas. No dia em que Deus eleva algum ordinando ao sacerdócio, impõe-lhe a mesma obrigação que outrora a Jeremias: Eis que hoje te estabeleci sobre as nações e os reinos, para que arranques, e destruas, e dissipes, e edifiques e plantes 670.

Não sei como se poderá desculpar um padre que vê as necessidades instantes das almas, onde habita; que pode socorrê-las, quer ensinando-lhes as verdades da fé, quer pregando-lhes a palavra de Deus, ou ainda ouvindo-as de confissão, e que o não faz por preguiça. Não sei, repito, como no dia do juízo um tal padre poderá escapar à reprovação e castigo com que o Senhor, no Evangelho, ameaça o servo negligente, que escondeu o talento. Tinha-lhe o senhor confiado o talento para que negociasse com ele, mas o servo deixou-o estéril, e, quando lhe pediu conta dos lucros a feridos, respondeu: Escondi o vosso talento na terra; ei-lo, entrego-vos o que vos pertence 671. Ora, é precisamente o que seu senhor lhe censura: Como assim, lhe diz, deite um talento para negociares; está aqui o talento, mas onde está o lucro? — Mandou então que lhe tirasse o talento, e deu-o a outro; depois fez lançar nas trevas exteriores esse servo inútil: Tirai-lhe o talento, dai-o ao que tem dez e quanto ao servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores 672. Por trevas exteriores, entende-se o fogo do inferno, que é privado de luz, isto é, que está fora do Céu, como explicam os intérpretes.

Santo Ambrósio 673 e outros, como Calmet, Cornélio e Tirin, aplicam esta passagem do Evangelho aos que podem trabalhar na salvação das almas, e por uma negligência culpável, ou vão temor de pecar, deixam de o fazer. Que prestem atenção a esta passagem, diz Cornélio A-Lápide, os que por moleza ou temor de pecar, nem para a sua salvação nem para a do próximo, fazem uso dos talentos, ciência e outros dons que receberam de Deus; de tudo lhes há de pedir contas Jesus Cristo no dia do juízo 674. E São Gregório: Notem os padres ociosos, quem não quiser empregar o seu talento será privado dele e além disso condenado 675. E Pedro de Blois: O que faz servir à utilidade de outrem o dom que recebera de Deus, merece que lhe seja acrescentado o que já tem; mas o que enterra o talento do Senhor, ver-se-á despojado do que parecia ter 676. São João Crisóstomo afirma não se poder persuadir de que um padre, que nada faz pela salvação do seu próximo, possa salvar-se 677. Pois, aludindo, à parábola do talento, ajunta que a negligência dum tal padre, em usar do talento que lhe foi confiado, será o seu crime e a causa da sua condenação. Pouco lhe aproveitará, diz o santo, não ter perdido o talento que recebêra; o servo foi condenado precisamente por não ter aumentado e duplicado o seu. Em resposta aos que dizem — basta que salve a minha alma — escreveu Santo Agostinho: Que dizeis vós? Esqueceis o que aconteceu ao servo que tinha escondido o seu talento?678

Segundo São Próspero, ao padre não lhe basta para se salvar que viva santamente, porque se perderá com os que se perderem por sua culpa; e de que lhe servirá, ajunta ainda, não ser castigado pelas suas faltas pessoais, se o é pelos pecados dos outros?679 Lemos nos Cânones apostólicos: O padre que não tomar cuidado, nem do clero nem do povo, será separado dos seus irmãos e, se continuar na sua negligência, será deposto 680. Como se atrevem a pretender a honra do sacerdócio, pergunta São Leão, se não querem trabalhar pelas almas?681

Um decreto do Concílio de Colônia estatuiu que quem se introduzir no sacerdócio, sem a intenção de exercer as funções de vigário de Jesus Cristo, isto é, de trabalhar na salvação das almas, é um lobo e um bandido, segundo a expressão do Evangelho, e deve esperar um castigo tão terrível como certo 682.

Santo Isidoro não hesita em declarar culpados de falta grave dos padres, que descuram ensinar os ignorantes ou converter os pecadores 683. E São João Crisóstomo exprime o mesmo pensamento: Estão condenados muitos, não por seus próprios pecados, mas por pecados alheios, que não impediram 684. Falando dos simples padres, diz o Doutor angélico que aquele que, por negligência ou ignorância, não presta às almas os socorros do seu ministério, torna-se responsável diante de Deus pelas que podia salvar, e por sua falta não salvou 685. É ainda o sentir de São João Crisóstomo: Se o padre se contenta com salvar a sua alma, negligenciando as dos outros, será precipitado no inferno com os ímpios 686.

Um sacerdote que tinha passado uma vida piedosa e retirada, encontrando-se em Roma prestes a morrer, interrogado a respeito dos seus terrores, respondeu: “Tremo, porque não tenho trabalhado em salvar almas”. Tinha razão para temer, porque o Senhor estabeleceu os sacerdotes para salvar as almas e libertá-las dos vícios. Se o padre não desempenhar a sua missão, terá de dar contas a Deus de todas as almas que se perderem por sua culpa: Quando digo ao ímpio: Tu morrerás, se pela tua parte o não advertires e não instares para que se converta e viva, morrerá o ímpio por causa da sua iniquidade, mas Eu te pedirei contas do seu sangue 687. Assim, diz São Gregório, ao falar dos padres preguiçosos, que eles serão responsáveis diante de Deus por todas as almas que podiam socorrer, e de cuja perda se tornaram causa por sua negligência 688.

Jesus Cristo resgatou as almas à custa do seu sangue 689. Depois, como Redentor, confiou-as à guarda dos padres. Desgraçado de mim, exclamava São Bernardo, vendo-se padre, se negligenciar a guarda deste depósito, isto é, as almas que o Salvador julgou mais preciosas que o seu sangue!690 Os simples fiéis só hão de prestar contas dos seus próprios pecados, diz o autor da Obra imperfeita, mas o padre há de responder pelos pecados de todos 691. É o que o Apóstolo nos declara nesta passagem: Vigiam eles sobre vós, como quem há de dar contas a Deus das vossas almas 692. Deste modo, ajunta São João Crisóstomo, são imputados ao padre os pecados dos outros, a que ele por negligência não deu remédio 693. Daí a reflexão de Santo Agostinho: Se no dia do juízo cada um há de ter dificuldade em responder por si, — que será dos padres, a quem se pedirá contas das almas de todos os fiéis?694 E São Bernardo, ao considerar os que se fazem padres, não para salvarem almas, mas para terem uma vida mais cômoda, exclama com dor: Ai! Melhor seria para eles cavar a terra ou mendigar, do que serem revestidos do sacerdócio; porque no dia de juízo se levantarão contra eles as lamentações de todas as almas que a sua preguiça fez condenar 695.

 

II - Quanto agrada a Deus o padre que trabalha na salvação das almas

 

Para se conhecer quanto Deus deseja a salvação das almas, basta considerar o que ele fez na obra da redenção dos homens. Esse desejo bem o patenteou Jesus Cristo, quando disse: Tenho de ser batizado com um batismo de sangue, e quanto estou ansioso de que ele se consuma!696 Sentia-se como desfalecer, em razão do desejo que tinha de levar a cabo a obra da redenção, para ver os homens salvos. Donde com razão conclui São João Crisóstomo que nada há mais caro aos olhos de Deus, que a salvação das almas 697. E antes dele tinha dito São Justino: Nada agrada tanto a Deus como os esforços que se fazem para tornar os homens melhores 698. Um dia que o Pe. Bernardo Colnado se dava a grandes trabalhos pela conversão dos pecadores, o próprio Senhor lhe dirigiu estas palavras: Trabalha na salvação dos pecadores, porque nada me é mais agradável 699. Trabalhar na salvação das almas é uma obra tanto do agrado de Deus, acrescenta São Clemente de Alexandria, que parece não ter ele outro pensamento senão o de ver todos os homens salvos 700. Por isso São Lourenço Justiniano dá este aviso ao padre: Se desejas honrar a Deus, o mais seguro meio que para isso tens é trabalhar na salvação dos homens 701.

Aos olhos de Deus, diz São Bernardo, mais vale uma alma que o universo inteiro 702. Também, segundo São João Crisóstomo, quem converte uma só alma torna-se mais agradável ao Senhor, que quem reparte todos os seus bens em esmolas 703. E Tertuliano afirma que o regresso duma só ovelhinha desgarrada é tão caro a Deus como a salvação de todo o rebanho 704. Neste sentido dizia o Apóstolo: Ele me amou e se entregou por mim 705. Queria assim significar que Jesus Cristo teria morrido por uma só alma, como morreu por todos os homens, conforme a interpretação de São João Crisóstomo 706. Foi o que o nosso Redentor nos deu bem a entender na parábola da dracma perdida, sobre a qual diz o Doutor angélico: Tendo encontrado a dracma, reuniu todos os anjos e convidou-os a regozijarem-se, não com o homem, mas com ele próprio, como se o homem fosse o Deus de Deus, como se a salvação do próprio Deus dependesse de tornar a encontrar o homem perdido, e não pudesse ser feliz sem ele 707.

Conforme o testemunho de muitos autores, o bispo São Carpo teve uma visão, em que parecia representar-se-lhe, que um pecador escandaloso tinha arrastado ao crime um inocente. Levado do seu zelo, ia o Santo a precipitá-lo num abismo, à beira do qual esse criminoso se achava, quando apareceu Jesus Cristo e o segurou com a sua mão, dizendo a São Carpo estas palavras: Percute me, quia iterum pro peccatoribus mori paratus sum. Era como se tivesse dito: Parai lá; sou antes eu que quero sofrer, porque já uma vez dei a minha vida por esse pecador, e estou pronto a dá-la de novo para evitar a perda dele.

O espírito eclesiástico, segundo Luís Habert, consiste essencialmente num grande zelo de aumentar a glória de Deus e salvar o maior número de almas 708. A Moisés ( Exod. 28) mandou o Senhor que fizesse trazer aos sacerdotes uma vestimenta toda premiada de figuras circulares, em forma de olhos, para significar, segundo um autor, que o sacerdote deve ser todo olhos para vigiar pela salvação dos povos. Segundo Santo Agostinho, o zelo pela salvação das almas, assim como o desejo de ver Deus amado de todos os homens, nasce do amor; quem pois não ama está perdido 709. Quem cuida da sua alma torna-se agradável a Deus; mas muito mais quem atende também à alma do seu próximo, diz São Bernardo 710.

Nada prova melhor ao Senhor o amor e fidelidade duma alma, diz São João Crisóstomo, que um zelo ardente pelo bem do próximo. Até três vezes perguntou o Salvador a São Pedro se o amava 711, e assegurado do seu amor, não lhe exigiu outra garantia senão o tomar cuidado das almas 712. Eis a reflexão de São João Crisóstomo: Podia dizer-lhe: “Se me amas, deixa o teu dinheiro, entrega-te ao jejum, castiga o teu corpo com trabalhos”; mas não, diz-lhe apenas: Apascenta as minhas ovelhas 713. Sobre a palavra meas, nota Santo Agostinho que o Salvador quis dizer: Apascenta-as como minhas e não como tuas, pondo nisso a minha glória e não a tua, o meu proveito e não o teu 714.  Por isso o santo Doutor nos ensina que quem quer agradar a Deus, trabalhando na salvação das almas, não deve ter em vista nem a sua própria glória, nem as suas vantagens pessoais, mas somente o acréscimo da glória de Deus.

Santa Teresa dizia que, ao ler a vida dos santos mártires e dos santos missionários, tinha mais inveja aos últimos que aos primeiros, por causa da glória imensa que alcançavam para Deus os que trabalhavam na conversão dos pecadores 715. Santa Catarina de Sena beijava a terra tocada pelos pés dos sacerdotes, que consagravam os seus trabalhos ao bem das almas. Estava esta santa abrasada dum zelo tão ardente pela salvação dos pecadores, que desejava ser colocada à porta do inferno, para de futuro impedir que lá caíssem mais almas. E nós que somos padres, que dizemos? Que fazemos? Vemos tantas almas que se perdem, e permaneceremos espectadores ociosos?

Dizia São Paulo que, para obter a salvação de seus irmãos, teria consentido até em ser separado de Jesus Cristo, — por algum tempo — conforme a explicação dos intérpretes 716. São João Crisóstomo desejava ser olhado com execração, contanto que as almas confiadas aos seus cuidados se convertessem 717.

S. Boaventura protesta que aceitaria tantas mortes quantos os pecadores que há no mundo, para salvar a todos 718. Quando São Francisco de Sales se encontrava no meio dos hereges em Chablais, não hesitou, durante o inverno, em atravessar um riacho, agarrando-se e escorregando por uma trave gelada, a servir de pontilhão. Afrontou as maiores fadigas e perigos para ir levar ao povo a palavra do Evangelho. São Caetano encontrava-se em Nápoles, durante a revolução terrível de 1547; ao ver que tantas pobres almas se perdiam, por ocasião destas perturbações, sentiu-se tão profundamente magoado que morreu de dor. Por sua parte, Santo Inácio de Loiola dizia: “Ainda que tivesse a certeza de que, morrendo agora, me salvara, quereria antes ficar na terra, incerto da minha salvação, para continuar a socorrer as almas”.

Eis o zelo de que estão animados pelo bem das almas todos os padres que amam a Deus; e contudo muitos há que, sob o menor pretexto, para não se exporem a um pequeno inc6omodo, descuram tão graves obrigações! Até entre os que têm cargo de almas se encontram alguns réus desta indiferença! Dizia São Carlos Borromeu que um pároco, dado às comodidades, e que toma todas as precauções possíveis a respeito da saúde, nunca poderá cumprir os seus deveres. Acrescentava ainda, que um pastor não se deve meter na cama, senão depois de três acessos de febre.

Se amais a Deus, dizia Santo Agostinho 719, levai o mundo inteiro a amar a Deus. Quem ama verdadeiramente a Deus, faz todos os esforços para levar os outros a amá-lo; insta-os e diz a todos com Davi: Glorificai comigo ao Senhor, e de comum acordo exaltemos o seu nome 720. O sacerdote que ama a Deus vai por toda a parte, exortando a todos e repetindo sem cessar na cadeira, no confessionário, nas praças públicas e nas casas: Irmãos meus, amemos a Deus; glorifiquemos o seu santo nome pelas nossas palavras e pela nossa vida.

 

III - Como um padre, trabalhando na salvação das almas, assegura a sua própria salvação, e como será recompensado no Céu

 

Não pode morrer mal um sacerdote que gastou a sua vida a trabalhar na salvação das almas. “Se empregaste a tua vida, diz o Profeta, a socorrer uma alma nas suas necessidades, se a consolaste nas suas aflições, o Senhor, no meio das trevas da tua morte temporal, te encherá de luz e te livrará da morte eterna”721. Era o que dizia Santo Agostinho: Animam salvasti, animam tuam praedestinasti. E antes dele tinha dito o apóstolo São Tiago: Quem houver convertido um pecador extraviado, salvará a sua alma e cobrirá a multidão dos seus pecados 722.

Um padre da Cia. de Jesus, José Scamaca, tinha consagrado a sua vida a trabalhos relativos à conversão dos pecadores; à hora da morte, mostrou-se tão alegre e seguro da sua salvação, que alguns olharam como demasiada a sua confiança e disseram-lhe que, em tal situação, devia a confiança andar acompanhada do temor. “Como, respondeu ele! é porventura a Maomé que eu tenho servido? Terei razão para temer, depois de haver servido um Deus tão bom e tão fiel?” Como acima referimos, Santo Inácio de Loiola declarou um dia que, para socorrer as almas, de bom grado permaneceria na terra incerto da sua própria salvação, embora morrendo primeiro tivesse a certeza de se salvar. Houve quem lhe dissesse: “Não é prudente arriscar a salvação própria pela dos outros”. — “Ora essa! respondeu o Santo, seria Deus um tirano? Tendo-me visto expor a minha salvação para lhe ganhar almas, quereria depois mandar-me para o inferno?”

Tinha Jonatas salvado os Hebreus das mãos dos Filisteus, vencendo-os com o máximo risco da própria vida. Foi condenado à morte por seu pai Saul, em razão de ter, contra a sua proibição, comido um pouco de mel. O povo porém começou a clamar a Saul: Como pode ser isso! Quereis tirar a vida a Jonatas que nos salvou da morte?723 Foi assim que obteve o seu perdão. Eis o que pode esperar com fundada razão o padre que, pelos seus trabalhos, chegou a salvar algumas almas. Ao tempo da sua morte, elas se apresentarão a Jesus Cristo e lhe dirão: Senhor, quereis acaso precipitar no inferno, quem de lá nos livrou? E se Saul perdoou a Jonatas, a pedido do seu povo, por certo não recusará Deus o perdão a esse padre, por quem pedem almas benditas. Os padres que trabalham na salvação das almas ouvirão, no momento da morte, o próprio Senhor a anunciar-lhe o repouso eterno 724. Ó que consolação! Que motivo de confiança, no leito mortuário, pensar que se ganhou alguma alma para Jesus Cristo! É doce o repouso depois da fadiga 725. Assim, para o sacerdote que trabalhou por Deus é mui doce a morte.

Quanto mais um pecador tiver contribuído para libertar as almas da escravidão do pecado, diz São Gregório, tanto mais facilmente conseguirá o perdão dos seus próprios pecados 726. Ter a felicidade de trabalhar na conversão dos pecadores, é um sinal claro de que se está predestinado e escrito no Livro da vida, como o Apóstolo o manifesta, quando fala dos que com ele cooperavam na conversão dos povos, dizendo: Também te rogo, meu irmão amantíssimo, que venhas em auxílio dos que têm trabalhado comigo no Evangelho, com Clemente e com os restantes cooperadores meus, cujos nomes estão inscritos no Livro da Vida 727. Notem-se estas últimas palavras.

Quanto às magníficas recompensas, reservadas aos obreiros evangélicos, escutemos o que diz Daniel: Brilharão como estrelas, por eternidades infindas, os que instruem a muitos na justiça 728.

Vemos agora as estrelas a brilhar no firmamento; assim na mansão dos bem-aventurados hão de resplandecer, com uma glória ainda mais deslumbrante, os que trabalharam em reconduzir almas para Deus. Se se merece uma grande recompensa quando se livra um homem da morte temporal, diz São Gregório, quanto maior quando se livra uma alma da morte eterna, e se lhe alcança uma vida sem fim!729 Foi o que o nosso Salvador declarou expressamente: Quem houver ensinado e praticado, será chamado grande no reino dos céus 730. Quando um mau padre vem a condenar-se, depois de ter pervertido uma multidão de almas com os seus escândalos, — que tremendo castigo tem a sofrer no inferno! Ao contrário, Deus, que é mais liberal nas suas recompensas, do que severo nos seus castigos, — como não retribuirá magnificamente no Paraíso um padre que, pelos seus trabalhos lhe tiver ganhado um grande número de alma?

São Paulo apoiava toda a esperança da sua coroa eterna, na salvação das almas, que tinha convertido para o Senhor, e estava persuadido de que elas lhe haviam de obter uma grande recompensa do Céu: Qual é pois a nossa esperança, a nossa alegria, a nossa glória? Não sois vós que haveis de ser tudo isso diante de N. Sr. Jesus Cristo no dia da sua vinda?731 Assegura São Gregório que um pregoeiro do Evangelho há de alcançar tantas coroas quantas as almas que tiver ganhado para Deus 732. Lemos nos Cânticos: Vem do Líbano, ó esposa minha, vem do Líbano, vem; hão de contribuir para a tua coroa... os covis dos leões, os montes dos leopardos 733. Tal é a promessa magnífica que o Senhor faz, a quem se dedica à conversão dos pecadores: almas que outrora eram como bestas ferozes e monstros infernais, converteram se e tornaram-se agradáveis a Deus. Um dia hão de ser elas no Céu outras tantas pérolas preciosas, destinadas a ornar a coroa do padre, que as encaminhou para a virtude.

Um padre que se condena, não se condena só; e um padre que se salva, com certeza se não salva só. Quando São Filipe de Néri morreu e subiu ao Céu, enviou o Senhor ao encontro da sua todas as almas que se tinham salvado pelo seu ministério. O mesmo se conta dum outro grande servo de Deus, — o irmão Querubim de Spoleto: viram-no entrar na glória, acompanhado de muitos milhares de almas, que aos seus trabalhos deviam a salvação. Conta-se também do venerável Pe. Luís La Nuza, que fôra visto no Céu, assentado num trono elevado, cujos degraus estavam ocupados pelas almas que havia convertido.

Para cultivarem os seus campos, semeá-los e ceifá-los, sofrem os pobres lavradores duros trabalhos; mas todas as suas penas são depois amplamente compensadas pela alegria da colheita: Lá iam eles e choravam ao lançarem as sementes; mas voltavam na alegria, trazendo os seus feixes 734. Também, para levar as almas para Deus, é necessário sofrer muitas penas e fadigas; mas os obreiros evangélicos hão de ser abundantemente recompensados, pela alegria de apresentarem a Jesus Cristo, no Vale de Josafat, todas as almas salvadas pelo seu zelo.

E que não afrouxe nem desista de tão importante missão o padre que, depois de ter trabalhado em reconduzir os pecadores para Deus, não vir os seus esforços coroados de bom êxito. Padre de Jesus Cristo, lhe diz São Bernardo, para reanimar o seu zelo, não te desanimes; a recompensa que te espera, está garantida; Deus não exige de ti a cura das almas; contenta-se com lhes dispensares os teus cuidados; não é o êxito dos esforços que será coroado, serão antes os próprios esforços a medida da recompensa 735. É o que São Boaventura confirma, dizendo que o padre não será menos recompensado com respeito aos que tiverem desprezado ou aproveitado mal os seus trabalhos, do que em relação aos que souberam colher os maiores frutos 736. O mesmo Santo acrescenta que o lavrador, que cultiva uma terra árida e pedregosa, não é menos digno de recompensa, embora colha dela pouco fruto. Quer dizer com isso que um padre que trabalha, ainda que sem fruto, em reconduzir um pecador obstinado, receberá uma recompensa tanto maior, quanto mais penosos tiverem sido os seus trabalhos.

 

IV - Fim, meios e obras do padre zeloso

 

1. Fim que se deve propor

 

Se queremos que Deus recompense os trabalhos que consagramos à salvação das almas, não nos devemos deixar mover nem pelo respeito humano, nem pela nossa própria honra e interesse, mas só pelo amor de Deus e da sua glória. De contrário, o fruto dos nossos labores seria um castigo e não uma recompensa. “Grande seria a nossa loucura, dizia o bem-aventurado José Calasanzio, se trabalhando como trabalhamos, esperássemos dos homens uma recompensa temporal”.

É muito arriscada, diz Santo Tomás, a missão de salvar as almas 737. E São Gregório diz do padre: Quantas pessoas um homem tem a governar, outras tantas, por assim dizer, são as almas de que há de prestar contas ao soberano Juiz 738. Com auxílio de Deus, pode-se exercer o ministério sem pecar e com merecimento; mas quem não o exerce com o fim de agradar a Deus, será privado do socorro divino, — e então como poderá eximir-se de pecado? Como procederão os que, segundo São Boaventura, “recebem as santas Ordens, não na intenção de salvarem as almas, mas com os olhos em sórdidos lucros?”739 Ou, segundo São Próspero, “não para se tornarem melhores, mas para se enriquecerem; não para se santificarem, mas para serem honrados?” 740 Quando um eclesiástico procura ser provido num benefício, pergunta acaso, quantas almas tem a ganhar para Deus? Não, responde Pedro de Blois; o que pergunta é quanto rende 741. Conforme a expressão do Apóstolo, muitos padres “procuram os seus interesses e não os de Jesus Cristo” 742. “Abuso detestável! exclama o venerável João de Avila, fazer servir o Céu à terra!” Observa São Bernardo que N. Senhor ao recomendar as suas ovelhas a São Pedro, lhe disse: Apascenta as minhas ovelhas, e não: ordinha ou tosquia as minhas ovelhas 743. E lê-se na Obra imperfeita: Somos obreiros contratados por Jesus Cristo; portanto assim como ninguém chama um operário só para comer, também nós não fomos chamados pelo Salvador somente para cuidarmos dos nossos interesses, mas para a glória de Deus 744. Donde São Gregório conclui que os padres não devem comprazer-se em estar à frente dos outros homens, mas sim em lhes fazer bem 745.

É pois a glória de Deus o único fim que o padre se deve propor, trabalhando no bem das almas.

 

2. Meios que deve empregar

 

Quanto aos meios a empregar para ganhar almas para o Senhor, eis o que principalmente se deve observar:

I. Primeiro que tudo, deve aplicar-se o padre à própria santificação; o meio mais eficaz para converter os outros é a santidade do padre. Diz Santo Euquério que as forças que a santidade lhe dá são o sustentáculo do mundo 746. Na sua qualidade de mediador, está o padre encarregado de manter a paz e a união entre Deus e os homens, conforme o sentir de Santo Tomás 747. Para que se apresente porém como mediador perante uma pessoa ofendida, é preciso que não lhe seja odioso; de contrário, diz São Gregório, não fará senão irritá-la mais 748. O mesmo Santo ajunta: É necessário que se esforce por ser limpa a mão que se aplica a lavar as manchas dos outros 749. Donde São Bernardo conclui que um padre, que quer trabalhar com êxito na conversão dos pecadores, deve purificar a sua própria consciência, antes de pensar em purificar as alheias 750. Dizia São Filipe de Néri: “Dai-me dez padres, verdadeiramente animados do Espírito de Deus, e eu respondo pela conversão do mundo inteiro”. Que não fez no Oriente São Francisco Xavier! Diz-se que só ele convertera dez milhões de infiéis. Que não fizeram na Europa São Patrício e São Vicente Ferrer! Um padre mediocremente instruído, mas bem penetrado do amor de Deus, converterá mais almas ao Senhor, do que cem padres muito sábios, mas pouco fervorosos.

II. Em segundo lugar, para fazer uma vasta colheita de almas, é necessário que o sacerdote se dê muito à oração. Primeiro há de receber de Deus as luzes, e os sentimentos de fervor, para que possa depois comunicá-los aos outros. É pela oração que eles se obtêm: Pregai em público o que vos digo ao ouvido 751. É preciso, diz São Bernardo, que sejais reservatório antes de serdes canal; hoje, acrescenta ele, temos muitos canais, e poucos reservatórios 752. Converteram os santos mais almas pelas suas orações que pelos seus trabalhos.

 

3. Obras do padre zeloso

 

Eis agora as obras a que se deve consagrar o padre zeloso:

I. Deve ser cuidadoso em advertir os pecadores. Os padres que vêem ofender a Deus, e se calam, são chamados por Isaías de cães mudos 753. E é a esses cães mudos que serão imputados os pecados que não tiverem impedido, quando podiam impedi-los. Não vos caleis, diz Alcuino, para que não vos sejam imputados os pecados do povo 754. Não querem certos padres repreender os pecadores, para não se incomodarem, dizem eles; mas São Gregório adverte-lhes que essa paz que desejam conservar lhes fará desgraçadamente perder a paz com Deus 755. Caso estranho, exclama São Bernardo! Se um animal cai, correm muitos a levantá-lo; perde-se uma alma e ninguém a socorre!756 Apesar de tudo isso, diz São Gregório, o padre é estabelecido principalmente para apontar o bom caminho a quem se extraviou 757. E São Leão ajunta: O padre que não avisa os fiéis a respeito dos seus desmandos mostra que também anda fora do caminho 758. Nós, sacerdotes do Senhor, diz ainda São Gregório, damos a morte a todas as almas que vemos perecer, sem corrermos em seu socorro 759.

II. O padre zeloso deve dar-se à pregação. Foi pela pregação, diz São Paulo, que o mundo se converteu à fé de Jesus Cristo 760. É também pela pregação que a fé e o temor de Deus se conservam entre os fiéis. Os padres que se não sentem capazes de pregar devem ao menos, todas as vezes que possam, nas suas conversações com parentes e amigos, dizer coisas edificantes, quer contando algum exemplo de virtude da vida dos santos, quer lembrando alguma máxima eterna, por exemplo, sobre a vaidade do mundo, importância da salvação, certeza da morte, paz de que se goza no estado de graça etc.

III. Deve o padre assistir aos moribundos; é a obra de caridade mais agradável a Deus, e mais útil à salvação das almas; porque no momento da morte os pobres doentes, por um lado são mais vivamente tentados pelo demônio, e pelo outro menos capazes de lhe resistir por si mesmos. São Filipe de Néri viu muitas vezes os anjos a sugerir aos padres as palavras, que deviam dirigir aos moribundos. Para os párocos é um dever de justiça, e para todos os sacerdotes um dever de caridade; porque todos o podem cumprir, mesmo os que não têm o talento da pregação. Têm aí ocasião de fazer muito bem, não só aos doentes, mas ainda a todos os parentes e amigos que os rodeiam; porque é o tempo mais próprio para entretenimentos espirituais. Em tal conjuntura, não conviria mesmo que um padre falasse doutra coisa, senão da alma e de Deus. Necessário é contudo desempenhar este dever com muita prudência e modéstia, para não ser ocasião de ruína para si próprio e para os outros; não aconteça que, ajudando os outros a morrer, dê a morte à sua própria alma. — Além disto, o que não se encontra em condições de pregar, deve ao menos cuidar de instruir as crianças e os rústicos, dos quais um grande número nos campos, não podendo frequentar os templos, ignoram até as principais verdades da fé.

IV. Finalmente, deve o padre persuadir-se de que o meio mais eficaz para salvar as almas é aplicar-se a ouvir confissões. O venerável Pe. Luís Fiorilo, dominicano, dizia que pregar é lançar a rede, ao passo que confessar é puxá-la para a praia e tomar o peixe.

Mas, direis vós, é um ministério muito arriscado. — Sim, por certo, vos responde São Bernardo, é perigoso exercer as funções de juiz das consciências; mas ainda a maior perigo vos expondes, se, por preguiça ou excessivo temor, negligenciais cumprir este dever, quando a ele vos chama o Senhor. Lamento, acrescenta ele, que estejais à frente dos outros homens, mas lamento ainda que, por temor de exercerdes a autoridade sobre eles, recuseis fazer-lhes bem 761. Já falamos da obrigação, imposta a todos, de empregarem na salvação das almas o talento que receberam de Deus, e dissemos que, ao receberem a ordenação, se encarregam especialmente de administrar o sacramento da penitência.

Replicareis ainda: Não estou apto para este ministério, porque não tenho estudado. — Mas não sabeis que o padre está obrigado a instruir-se? Pois 762 que os lábios do sacerdote devem ser os guardas da ciência, é da sua boca que se há de aprender a lei. Se não quereis estudar para vos tornardes capaz de assistir ao próximo, para que vos ordenastes? Quem vos obrigou, pergunta o Senhor, a receber as Ordens sacras?763 Quem vos forçou a serdes padres, insiste São João Crisóstomo?764 Antes de receberdes o sacerdócio, ajunta ele, devíeis examinar-vos; ao presente, visto que sois padre, já não é tempo de vos examinardes, é necessário trabalhar; tornai-vos capaz, se o não sois 765. Alegardes hoje ignorância, continua o santo Doutor, é acusar-vos duma segunda falta para desculpardes a primeira: não pode desculpar-se com a ignorância quem se obrigou por ofício a ensinar os ignorantes. Não poderia com esse pretexto escapar ao suplício que o espera, ainda mesmo que, por sua negligência, apenas tivesse causada a perda duma alma 766. Há padres que passam o seu tempo a estudar uma infinidade de coisas inúteis, e descuram a aquisição dos conhecimentos necessários para trabalharem com fruto na salvação das almas; proceder assim, diz São Próspero, é violar as regras da justiça 767.

Numa palavra, é necessário ter bem presente ao espírito que o padre só deve trabalhar para a glória de Deus e salvação das almas. Por isso o papa São Silvestre quis que, para os eclesiásticos, os dias da semana não tivessem outro nome senão o de férias, isto é, dias vagos: “Dias em que se devem pôr de parte todos os cuidados, para só tratar das coisas de Deus”768. Os próprios pagãos diziam que os sacerdotes só se devem ocupar das coisas divinas; razão por que lhes era interdito o exercício de cargos públicos, para que só se consagrassem ao culto dos seus deuses. Moisés, a quem Deus tinha encarregado especialmente os interesses da sua glória e a execução da sua lei, dava-se ainda a outros cuidados, mas Jetro advertiu-o e disse-lhe: Olha que tu está a esgotar-te com um trabalho inútil... Presta-te ao povo nas coisas que dizem respeito a Deus 769. Antes de seres elevado ao sacerdócio, diz Santo Atanásio, podias fazer o que quisesses, mas agora que estás investido nele, deves aplicar-te a cumprir os deveres do teu ministério 770. E quais são eles? Um dos principais é trabalhar na salvação das almas, como acima demonstramos. Confirmam-no estas palavras de São Próspero: Foi confiado aos padres o cuidado das almas, como sua atribuição própria 771.