ÓCIO ESPIRITUAL

(Mt 25, 26)

 

“Servo preguiçoso e iníquo, retira-te”.

 

 

O servo preguiçoso e iníquo não foi elogiado pelo seu senhor; pelo contrário, foi repreendido, perdeu tudo e foi lançado no fogo eterno: “Servo mau e preguiçoso, sabias que eu colho onde não semeei e que ajunto onde não espalhei? Pois então devias ter depositado o meu dinheiro com os banqueiros e, ao voltar, eu receberia com juros o que é meu. Tirai-lhe o talento que tem e dai-o àquele que tem dez, porque a todo aquele que tem será dado em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem será tirado. Quanto ao servo inútil, lançai-o fora nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes!” (Mt 25, 26-30).

No dia 24 de agosto de 410, pela porta Salária, os bárbaros entraram em Roma. A cidade eterna, que desde oito séculos não sofrera o opróbrio de uma derrota, caía pela primeira vez.

O imperador Honório fugira para Ravena, onde continuava a sua vida indolente e estúpida. Um capitão, espantado, acorreu a ele e anunciou-lhe a horrível desventura: “Roma pereceu!” Pensando tratar-se de seu galo predileto, ao qual dera justamente o nome de Roma, ele exclamou: “Mas como é possível, se há pouco eu lhe dei de comer com minhas próprias mãos?”

Enquanto a pátria se arruinava, enquanto as basílicas eram incendiadas, enquanto o povo morria de fome e de ferimentos, o imperador permanecia no palácio a brincar com um galo.

Católico, desta estultícia também são culpados muitos daqueles que dizem seguir a Cristo Jesus; enquanto o demônio lhes assedia a alma, enquanto incendeia com as paixões todas as virtudes, enquanto os arrasta ao inferno eterno, passam os dias e os anos e a vida toda sem preverem a tanta ruína. O ócio derrubou Roma, a triunfadora invencível; o ócio derrubará também a alma desses na irreparável perdição.

O Pe. João Colombo escreve: “Mas – desculpam-se alguns – ‘eu não faço nada de mal: não odeio, não roubo, não blasfemo…’ Mas não basta não fazer nada de mal: o não fazer nada de bem já é um fazer mal. Se tivesses um servo não ladrão, não ébrio, não turbulento, porém sóbrio, quieto, sem vícios, mas que no entanto nada fizesse, e o dia todo ficasse estirado num cantinho, onde não te perturbasse mas não te servisse; não é verdade que o despedirias num instante? Pois bem: nós somos servos de Deus; e, se nos contentarmos somente em não fazer nada de mal, sem trabalhar pela nossa alma, ouviremos um dia a eterna condenação: ‘Servo preguiçoso e iníquo, retira-te”.

Católico, lembre-se continuamente de que para a alma não existem férias; pelo contrário, é preciso trabalhar continuamente para salvá-la, deixando de lado a preguiça espiritual ou acedia: “Sinal de doença é quando o organismo rejeita o alimento, e dele tem fastio. A alma está doente, quando já não tem gosto dos exercícios de piedade, quando os descura, os diminui e os deixa por completo. Este estado de alma é uma espécie de preguiça, um torpor da mente, que se manifesta na pouca ou nenhuma vontade de dar começo a uma boa obra” (Santo Tomás de Aquino), e: “A acedia é uma preguiça espiritual pela qual desprezamos os bens espirituais (como a oração ou os sacramentos) pelo esforço que trazem consigo” (Pe. Leo J. Trese).

Este mal da alma de nenhum modo deve ser confundido com a aridez do espírito, que geralmente é uma prova a que Deus costuma sujeitar as almas fervorosas, ou para adiantá-las mais na perfeição e santidade. Nem sempre Deus nos dá o gosto sensível nas coisas espirituais, mas sempre depende de nós, da nossa boa vontade fazer a vontade de Deus, ainda no meio da desolação, e se assim é, maior será o nosso merecimento.

Católico, jamais seja escravo da preguiça espiritual, mas se esforce para progredir sempre no caminho da perfeição: “A preguiça espiritual é um mal que produz grandes estragos no meio do povo cristão. Ao corpo são dispensados todos os cuidados, quando para a alma nada se faz. Contrário ao preceito de Jesus Cristo, a atenção toda se converge para o bem corporal; e o bem da alma é considerado coisa supérflua. Até hoje, entre os cristãos se verifica a parábola evangélica de São Lucas 14, 16, dos convidados, que se recusaram a comparecer ao banquete, saindo-se cada um com uma desculpa: este, porque precisava ver uma fazenda que comprara; aquele, porque ia experimentar uma junta de bois; e aquele outro, porque estava em preparos para seu casamento ou tinha-se casado havia pouco” (Pe. João Batista Lehmann), e: “Não é possível ficar parado; ou se adianta ou se vai para traz. Quando nos esforçamos em ir adiante, não nos atrasamos; mas logo que ficamos parados, o atraso é certo; se não progredirmos, faremos retrocesso” (Santo Agostinho), e também: “Aqueles que não acham gosto nas delícias espirituais, procuram sua satisfação nas coisas materiais. Por pusilanimidade fogem do que é aconselhado; o fastio os faz desprezar o que é mandado; têm rancor contra aqueles que procuram conduzi-los ao caminho do bem, tendo aversão contra o próprio bem em si. Do desgosto das coisas espirituais passam para as divagações exteriores e pouco a pouco às coisas ilícitas” (Santo Tomás de Aquino).

“Servo preguiçoso e iníquo, retira-te”. Servos preguiçosos e iníquos são os que desperdiçam seu tempo em palavras ociosas e inúteis; por toda palavra ociosa seremos julgados: “Eu vos digo que de toda palavra inútil, que os homens disserem, darão contas no Dia do Julgamento” (Mt 12, 36).

O Pe. João Colombo escreve: “Há cristãos que desperdiçam o dia em visitas frívolas, em conversações externas, cheias talvez de mentiras, de murmurações, de trivialidades. Certas mulheres não têm tempo para rezar o Santo Rosário ou o Terço, nem mesmo para reunir seus filhos com paciência e fazê-los rezar antes de os pôr para dormir; mas, para tagarelarem acham tempo. Certos homens não têm tempo para se aproximarem dos sacramentos, para frequentarem a doutrina cristã, mas têm tempo para ficar três ou quatro horas em alguma reunião, e ouvem os sinos que tocam, que os chamam pela terceira vez, mas não querem cortar as conversas com os amigos. Servos preguiçosos e iníquos são aqueles ocupados somente em obras inúteis para a vida eterna; que não fazem outra coisa senão afadigar-se desordenadamente para terem honras, prazeres e riquezas. Estes achar-se-ão como essas pessoas que sonham que estão trabalhando: Levam a noite toda a carregar sacos, a correr pelas escadas, a revolver duros torrões de terra, e depois, pela manhã, acordam cansados, suados com os ossos moídos, e não acham diante de si nem o fruto do seu trabalho nem recompensa alguma”.

Infeliz do católico que foge da vida espiritual para viver atolado no ócio espiritual. De que adianta dizer a todos que é membro da Santa Igreja, que possui uma alma imortal, se nada faz para salvá-la? Acaso espera salvá-la com o ócio? É preciso pensar na brevidade da vida: “Por conseguinte, enquanto temos tempo, pratiquemos o bem” (Gl 6, 10), e: “… vem a noite, quando ninguém pode trabalhar” (Jo 9, 4).

Em 1363, depois que vestiu o hábito das Mantellate, Santa Catarina de Sena teve uma grande visão. Viu uma região maravilhosa que, de um lado, apresentava uma árvore altíssima e frondosa, carregada de frutos primorosos, mas tendo em volta uma sebe de espinhos alta e cerrada, que dificultava a aproximação dela; de outro lado elevava-se uma colinazinha loira de espigas já boas para a ceifa, muito belas de aspecto, mas vazias de grãos, apenas tocadas, se desfaziam em pó nas mãos.

E eis que chega uma multidão de pessoas, para diante da árvore, admira os frutos com desejo e tenta chegar a colhê-los; mas, feridos pelos espinhos, todos logo renunciavam a transpor a sebe; e, volvendo o olhar para a colina coberta de messe, lançavam-se naquela direção, e alimentavam-se do mau grão, que as fazia adoecer e lhes extenuava as forças.

Veio finalmente alguém que, lançando-se através dos espinhos da sebe, abraçou a árvore e, a ímpetos vigorosos, atingiu os frutos e os comeu. Esse foi tão fortificado no espírito, que em seguida sentiu desgosto por qualquer outra comida.

Santa Catarina de Sena compreendeu, e compreendamos também nós. Os frutos de sabor inefável são as virtudes de nossa alma. O montículo que torna o grão venenoso não representa senão o mundo, campo estéril, com inútil trabalho por tantos cultivado.

Nos primeiros, que só de verem a sebe fugiram, entendem-se os que têm medo de fazer o menor esforço por sua alma: nem uma mortificação, nem uma prece. Nos segundos, desanimados ao observarem de perto a altura da árvore, esses são os muitos cristãos que no princípio fizeram alguma coisa pela sua salvação eterna, mas depois, espantados com as dificuldades, faltaram aos seus propósitos e deram também o braço ao ócio espiritual. Nos terceiros, enfim, vemos aqueles fiéis que não temem esforço, contanto que consigam os méritos que lhes darão a recompensa eterna.

Quando alguém pedia para ser inscrito entre os cidadãos romanos, Catão, o rude censor, perscrutava-lhe as mãos, e, se não as via calosas e endurecidas pelo trabalho diuturno, rejeitava-o com áspera voz: “Não és digno de ser cidadão romano”.

Quando nossa alma, separada do corpo, aparecer tímida e sozinha às portas do céu, e pedir para ser admitida entre os cidadãos do Paraíso, Jesus perscrutar-lhe-á as mãos, e, se não as achar impressas com os sinais do bem praticado, recusá-la-á com um grito eterno: “Não és digna de ser cidadã do Paraíso”.

O católico que permanece paralisado espiritualmente, nunca chegará ao céu, e sim, ao inferno eterno: “Servo preguiçoso e iníquo, retira-te”.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 05 de novembro de 2007

 

Vide também:

Vem alegrar-te

Pôs-se a ajustar contas com eles

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. "Ócio espiritual"

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