O QUINTO MANDAMENTO DA LEI DE DEUS

(Dt 5, 17)

 

17 Não matarás”.

 

Fórmula catequética

 

Não matar.

 

 

QUINTO MANDAMENTO: Não matarás.

 

“Não matarás” (Ex 20,13).

 

“Ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás. Aquele que matar terá de responder ao tribunal’, Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encolerizar contra seu irmão terá de responder no tribunal” (Mt 5, 21-22).

 

A vida humana é sagrada porque desde sua origem ela encerra a ação criadora de Deus e permanece para sempre numa relação especial com o Criador, seu único fim. Só Deus é o dono da vida, do começo ao fim; ninguém, em nenhuma circunstância, pode reivindicar para si o direito de destruir diretamente um ser humano inocente” (CDF, Inst. Donum Vitae, instr. 5: AAS 80).

 

I. O respeito à vida humana

 

O TESTEMUNHO DA HISTÓRIA SAGRADA

 

A Escritura, no relato do assassinato de Abel por seu irmão Caim, revela, desde o começo da história humana, a presença da cólera e da cobiça no homem, consequências do pecado original. O homem se tornou inimigo de seu semelhante. Deus expressa a atrocidade deste fratricídio: “Que fizeste? Ouço o sangue de teu irmão, do solo, clamar por mim. Agora, és maldito e expulso do solo fértil que abriu a boca para receber de tua mão o sangue de teu irmão” (Gn 4,10-11).

A aliança entre Deus e a humanidade está cheia de lembranças do dom divino da vida humana e da violência assassina do homem:

 

“Pedirei contas do sangue de cada um de vós... Quem derramar o sangue do homem, pelo homem terá seu sangue derramado. Pois à imagem de Deus o homem foi feito” (Gn 9,5-6).

 

O Antigo Testamento sempre considerou o sangue como um sinal sagrado da vida. A necessidade deste ensinamento é para todos os tempos.

A Escritura determina com precisão a proibição do quinto mandamento: “Não matarás o inocente nem o justo” (Ex 23,7). O assassinato voluntário de um inocente é gravemente contrário à dignidade do ser humano, à regra de ouro e à santidade do Criador. A lei que o proscreve é universalmente válida, isto é, obriga a todos e a cada um, sempre e em toda parte.

No Sermão da Montanha, o Senhor recorda o preceito: “Não matarás” (Mt 5, 21), e acrescenta a proibição da cólera, do ódio e da vingança. Mais ainda, Cristo diz a seu discípulo que ofereça a outra face e ame seus inimigos. Ele mesmo não se defendeu e disse a Pedro que deixasse a espada na bainha.

 

A LEGÍTIMA DEFESA

 

A legítima defesa das pessoas e das sociedades não é uma exceção à proibição de matar o inocente, que constitui o homicídio voluntário. “A ação de defender-se pode acarretar um duplo efeito: um é a conservação da própria vida, o outro é a morte do agressor...” (Santo Tomás de Aquino, S. Th., II-II, 64, 7). “Só se quer o primeiro; o outro, não” (Idem).

O amor a si mesmo permanece um princípio fundamental da moralidade. Portanto, é legítimo fazer respeitar seu próprio direito à vida. Quem defende sua vida não é culpável de homicídio, mesmo se for obrigado a matar o agressor: “Se alguém, para se defender, usar de violência mais do que o necessário, seu ato será ilícito. Mas, se a violência for repelida com medida, será lícito... E não é necessário para a salvação omitir este ato de comedida proteção para evitar matar o outro, porque, antes da de outrem, se está obrigado a cuidar da própria vida” (Santo Tomás de Aquino, S Th., II-II, 64, 7).

 

A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas um dever grave, para aquele que é responsável pela vida de outros. Preservar o bem comum da sociedade exige que o agressor seja impossibilitado de prejudicar a outrem. A este título os legítimos detentores da autoridade têm o direito de repelir pelas armas os agressores da comunidade civil pela qual são responsáveis.

Corresponde a uma exigência de tutela do bem comum o esforço do Estado destinado a conter a difusão de comportamentos lesivos aos direitos humanos e às regras fundamentais de convivência civil. A legítima autoridade pública tem o direito e o dever de infligir penas proporcionais à gravidade do delito. A pena tem como primeiro objetivo reparar a desordem introduzida pela culpa. Quando essa pena é voluntariamente aceita pelo culpado tem valor de expiação. Assim, a pena, além de defender a ordem pública e de tutelar a segurança das pessoas, tem um objetivo medicinal: na medida do possível, deve contribuir à correção do culpado.

O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade do culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto.

Se os meios incruentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais conformes à dignidade da pessoa humana.

 

O HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO

 

O quinto mandamento proscreve como gravemente pecaminoso o homicídio direto e voluntário. O assassino e os que cooperam voluntariamente com o assassinato cometem um pecado que clama ao céu por vingança.

 

São Pio X escreve: “Não matar, proíbe dar a morte ao próximo, bater nele ou feri-lo, ou causar qualquer outro dano ao seu corpo, por nós ou por meio de outrem. Proíbe também ofendê-lo com palavras injuriosas e querer-lhe mal. Neste Mandamento Deus proíbe ainda ao homem dar a morte a si mesmo, isto é, o suicídio” (Catecismo Maior, 411).

 

O Pe. Leo J. Trese escreve: “Só Deus dá a vida; só Deus pode tomá-la. Cada alma é individual e pessoalmente criada por Deus, e só Deus tem o direito de decidir quando o seu tempo de permanência na terra terminou” (A fé explicada).

 

“Este preceito refere-se aos bens do corpo, e proíbe fazer dano injustificado à saúde ou vida dos nossos próximos e à nossa própria” (Pe. J. Bujanda).

 

O infanticídio, o fratricídio, o parricídio e o assassinato do cônjuge são crimes particularmente graves, devido aos laços naturais que rompem. Preocupações de eugenismo ou de higiene pública não podem justificar nenhum assassinato, mesmo a mando dos poderes públicos.

O quinto mandamento proíbe que se faça algo com a intenção de provocar indiretamente a morte de uma pessoa. A lei moral proíbe expor alguém a um risco mortal sem razão grave, bem como recusar ajuda a uma pessoa em perigo.

A aceitação pela sociedade humana de condições de miséria que levem à própria morte sem se esforçar por remediar a situação constitui uma injustiça escandalosa e uma falta grave. Todo aquele que em seus negócios se der a práticas usurárias e mercantis que provoquem a fome e a morte de seus irmãos (homens) comete indiretamente um homicídio, que lhe é imputável.

O homicídio involuntário não é moralmente imputável. Mas não está isento de falta grave quem, sem razões proporcionais, agiu de maneira a provocar a morte, ainda que sem a intenção de causá-la.

 

O ABORTO

 

A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à vida.

 

“Antes mesmo de te formares no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei” (Jr 1,5).

 

“Meus ossos não te foram escondidos quando eu era, feito, em segredo, tecido na terra mais profunda” (Sl 139,15).

 

Desde o século I, a Igreja afirmou a maldade moral de todo aborto provocado. Este ensinamento não mudou. Continua invariável. O aborto direto, quer dizer, querido como um fim ou como um meio, é gravemente contrário à lei moral:

 

“Não matarás o embrião por aborto e não farás perecer o recém nascido” (Didaché, 2,2).

 

Deus, senhor da vida, confiou aos homens o nobre encargo de preservar a vida, para ser exercido de maneira condigna ao homem. Por isso a vida deve ser protegida com o máximo cuidado desde a concepção. O aborto e o infanticídio são crimes nefandos.

 

A cooperação formal para um aborto constitui uma falta grave. A Igreja sanciona com uma pena canônica de excomunhão este delito contra a vida humana. “Quem provoca aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae” (CIC, Cân. 1398), “pelo próprio fato de cometer o delito” (CIC, Cân. 1314) e nas condições previstas pelo Direito. Com isso, a Igreja não quer restringir o campo da misericórdia. Manifesta, sim, a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável causado ao inocente morto, a seus pais e a toda a sociedade.

O inalienável direito à vida de todo indivíduo humano inocente é um elemento constitutivo da sociedade civil e de sua legislação:

 

“Os direitos inalienáveis da pessoa devem ser reconhecidos e respeitados pela sociedade civil e pela autoridade política. Os direitos do homem não dependem nem dos indivíduos, nem dos pais, e também não representam uma concessão da sociedade e do Estado: pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa em razão do ato criador do qual esta se origina. Entre estes direitos fundamentais é preciso citar o direito à vida e à integridade física de todo ser humano, desde a concepção até a morte” (CDF, instr. Donum vitae, 3).

“No momento em que uma lei positiva priva uma categoria de seres humanos da proteção que a legislação civil lhes deve dar, o Estado nega a igualdade de todos perante a lei. Quando o Estado não coloca sua força a serviço dos direitos de todos os cidadãos, particularmente dos mais fracos, os próprios fundamentos de um estado de direito estão ameaçados... Como consequência do respeito e da proteção que devem ser garantidos à criança desde o momento de sua concepção, a lei deverá prever sanções penais apropriadas para toda violação deliberada dos direitos dela” (CDF, instr. Donum vitae, 3).

 

Visto que deve ser tratado como uma pessoa desde a concepção, o embrião deverá ser defendido em sua integridade, cuidado e curado, na medida do possível, como qualquer outro ser humano.

O diagnóstico pré-natal é moralmente lícito “se respeitar a vida e a integridade do embrião e do feto humano, e se está orientado para sua salvaguarda ou sua cura individual... Está gravemente em oposição com a lei moral quando prevê, em função dos resultados, a eventualidade de provocar um aborto. Um diagnóstico não deve ser o equivalente de uma sentença de morte” (Idem, 1, 2).

 

“Devem ser consideradas lícitas as intervenções sobre o embrião humano quando respeitam a vida e a integridade do embrião e não acarretam para ele riscos desproporcionados, mas visam à sua cura, à melhora de suas condições de saúde ou à sua sobrevivência individual” (Idem, 1, 3).

 

“É imoral produzir embriões humanos destinados a serem explorados como material biológico disponível” (Idem, 1, 5).

 

“Certas tentativas de intervenção sobre o patrimônio cromossômico ou genético não são terapêuticas, mas tendem à produção de seres humanos selecionados segundo o sexo ou outras qualidades preestabelecidas. Essas manipulações são contrárias à dignidade pessoal do ser humano, à sua integridade e à sua identidade” única, não reiterável (Idem, 1, 6).

 

A EUTANÁSIA

 

Aqueles cuja vida está diminuída ou enfraquecida necessitam de um respeito especial. As pessoas doentes ou deficientes devem ser amparadas, para levar uma vida tão normal quanto possível.

Sejam quais forem os motivos e os meios, a eutanásia direta consiste em pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inadmissível: “... a eutanásia ou morte por piedade (...) é um grave mal moral (...); tal morte é incompatível com o respeito pela dignidade humana e pela veneração à vida” (Discurso de João Paulo II aos Bispos dos Estados Unidos, 5-10-1979).

 

Assim, uma ação ou uma omissão que, em si ou na intenção, gera a morte a fim de suprimir a dor constitui um assassinato gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito pelo Deus vivo, seu Criador. O erro de juízo no qual se pode ter caído de boa-fé não muda a natureza deste ato assassino, que sempre deve ser condenado e excluído.

A interrupção de procedimentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionais aos resultados esperados pode ser legítima. É a rejeição da “obstinação terapêutica”. Não se quer dessa maneira provocar a morte; aceita-se não poder impedi-la. As decisões devem ser tomadas pelo paciente, se tiver a competência e a capacidade para isso; caso contrário, pelos que têm direitos legais, respeitando sempre a vontade razoável e os interesses legítimos do paciente.

Mesmo quando a morte é considerada iminente, os cuidados comumente devidos a uma pessoa doente não podem ser legitimamente interrompidos. O emprego de analgésicos para aliviar os sofrimentos do moribundo, ainda que com o risco de abreviar seus dias, pode ser moralmente conforme à dignidade humana se a morte não é desejada, nem como fim nem como meio, mas somente prevista e tolerada como inevitável. Os cuidados paliativos constituem uma forma privilegiada de caridade desinteressada. Por esta razão devem ser encorajados.

Antes de dar sedativos que fazem perder a consciência, é muito importante administrar ao doente os auxílios espirituais necessários, que lhe permitam a salvação, considerando que esse estado pode ser irreversível. Por outro lado, se têm assuntos pendentes relativos à sucessão hereditária, deve fazer testamento, a fim de evitar conflitos familiares posteriores à morte.

 

O SUICÍDIO

 

Cada um é responsável por sua vida diante de Deus, que lha deu e que dela é sempre o único e soberano Senhor. Devemos receber a vida com reconhecimento e preservá-la para honra dele e salvação de nossas almas. Somos os administradores e não os proprietários da vida que Deus nos confiou. Não podemos dispor dela.

O suicídio contradiz a inclinação natural do ser humano a conservar e perpetuar a própria vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente ao amor do próximo, porque rompe injustamente os vínculos de solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, às quais nos ligam muitas obrigações. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo.

O suicídio pode ser:

1. Direto, resultante de uma ação destinada a esse fim (p. ex., dando um tiro a si mesmo). É sempre pecado gravíssimo, pois não só se atenta contra um direito divino – Deus é o Senhor da vida –, mas, muito possivelmente, com esse ato, o suicida precipita a sua alma na condenação eterna.

2. Indireto, resultante, não da direta ação contra si próprio, mas de se colocar em situação voluntária e imprudente, susceptível de ocasionar a perda da vida (p. ex., conduzir imprudentemente o carro; certos atos acrobáticos; práticas arriscadas de montanhismo, etc.).

Se for cometido com a intenção de servir de exemplo, principalmente para os jovens, o suicídio adquire ainda a gravidade de um escândalo. A cooperação voluntária ao suicídio é contrária à lei moral.

Distúrbios psíquicos graves, a angústia ou o medo grave da provação, do sofrimento ou da tortura podem diminuir a responsabilidade do suicida.

Já se escreveu – e está provado estatisticamente – que as sociedades em que os homens têm profundo sentido religioso estão muito menos expostas ao suicídio.

Embora o sentido da vida possa ter outras motivações, a difusão do conceito materialista da existência humana é ambiente propício para o suicídio, pois, apresentando como ideal humano o triunfador, o que ganha sempre, o que tem meios econômicos e pode satisfazer os seus desejos, etc., a frustração nestes domínios pode provocar a idéia de que não vale a pena viver.

Pelo contrário, quando a vida não se limita a simples horizontes materiais e entram nela as realidades espirituais, a pessoa encontra sempre o sentido da existência. Isto é assim porque o materialismo está estreitamente legado ao egoísmo: quer-se possuir muito para levar vida de prazeres.

Os bens espirituais, pelo contrário, levam-nos a sair para fora de nós mesmos, a fim de darmos aos outros o melhor que temos. Este sentido de doação está ligado com o dom da vida, cujo Autor é Deus.

Uma existência autenticamente religiosa – não rotineira e costumeira, mas sim, nascida da firme convicção – encontra sempre o sentido da vida, seu imenso valor.

 

II. O respeito à dignidade das pessoas

 

O RESPEITO À ALMA DO OUTRO: O ESCÂNDALO

 

O escândalo é a atitude ou o comportamento que leva outrem a praticar o mal: “O escândalo é qualquer palavra, ação ou omissão que seja ocasião para os outros de cometer pecados” (São Pio X, Catecismo Maior, 415). Aquele que escandaliza torna-se o tentador do próximo. Atenta contra a virtude e a retidão, pode arrastar seu irmão à morte espiritual. O escândalo constitui uma falta grave se, por ação ou omissão, conduzir deliberadamente o outro a uma falta grave: “O escândalo é um pecado grave, porque tende a destruir a maior obra de Deus, que é a redenção, com a perda das almas: pois que ele dá ao próximo a morte da alma tirando-lhe a vida da graça, que é mais preciosa que a vida do corpo; e porque é causa de uma multidão de pecados. Por isso, Deus ameaça os escandalosos com os mais severos castigos” (Idem, 416).

O escândalo se reveste de uma gravidade particular em virtude da autoridade dos que o causam ou da fraqueza dos que o sofrem. Foi o que inspirou a Nosso Senhor a seguinte maldição: “Caso alguém escandalize um destes pequeninos, melhor será que lhe pendure ao pescoço uma pesada mó e seja precipitado nas profundezas do mar” (Mt 18,6). O escândalo é grave quando é dado por aqueles que, por natureza ou por função, devem ensinar e educar os outros. Jesus censura os escribas e os fariseus, comparando-os a lobos disfarçados de cordeiros.

O escândalo pode ser provocado pela lei ou pelas instituições, pela moda ou pela opinião.

 

Tornam-se, portanto, culpados de escândalo aqueles que instituem leis ou estruturas sociais que levam à degradação dos costumes e à corrupção da vida religiosa ou a “condições sociais que, voluntariamente ou não, tornam difícil e praticamente impossível uma conduta cristã conforme aos mandamentos” (Pio XII, discurso de 1° de junho de 1941). O mesmo vale para chefes de empresas que fazem regulamentos que incitam à fraude, para professores que “exasperam” os alunos ou para aqueles que, manipulando a opinião pública, a afastam dos valores morais.

 

Quem usa os poderes de que dispõe de tal maneira que induzam ao mal torna-se culpado de escândalo e responsável pelo mal que, direta ou indiretamente, favorece. “É inevitável que haja escândalos, mas ai daquele que os causar” (Lc 17,1).

 

O RESPEITO À SAÚDE

 

A vida e a saúde física são bens preciosos doados por Deus. Devemos cuidar delas com equilíbrio, levando em conta as necessidades alheias e o bem comum.

O cuidado com a saúde dos cidadãos requer a ajuda da sociedade para obter as condições de vida que permitam crescer e atingir a maturidade: alimento, roupa, moradia, cuidado da saúde, ensino básico, emprego, assistência social.

Se a moral apela para o respeito à vida corporal, não faz desta um valor absoluto, insurgindo-se contra uma concepção neopagã que tende a promover o culto do corpo, a tudo sacrificar-lhe, a idolatrar a perfeição física e o êxito esportivo. Em razão da escolha seletiva que faz entre os fortes e os fracos, tal concepção pode conduzir à perversão das relações humanas.

A virtude da temperança manda evitar toda espécie de excesso, o abuso da comida, do álcool, do fumo e dos medicamentos. Aqueles que, em estado de embriaguez ou por gosto imoderado pela velocidade, põem em risco a segurança alheia e a própria, nas estradas, no mar ou no ar, tornam-se gravemente culpáveis.

O uso da droga causa gravíssimos danos à saúde e à vida humana. Salvo indicações estritamente terapêuticas, constitui falta grave. A produção clandestina e o tráfico de drogas são práticas escandalosas; constituem uma cooperação direta com o mal, pois incitam a práticas gravemente contrárias à lei moral.

A droga não é mais que um fármaco, e como tal a maioria das drogas são conhecidas desde há muito e empregadas para dois fins:

1. Alívio de uma dor ou cura de uma doença.

2. Produção de sensações diversas das habituais.

As próprias drogas que se tomam como fármacos, tranquilizantes, estimulantes, etc., podem ser danosas para o organismo, por deixarem no psiquismo vestígios da sua ação e poderem criar dependência física ou psíquica. Daí que devam ser usadas com prudência e sob receita médica.

Quando a droga é tomada com o único fim de produzir sensações fora do normal, não há nenhuma finalidade que a justifique.

Por esta consideração se torna clara a ilicitude: implica um perigo arbitrário, possivelmente grave, pois o uso das drogas vai criando uma personalidade patológica, embora os seus efeitos físicos nem sempre sejam perceptíveis a curto prazo.

Frequentemente se tem feito a divisão entre drogas brandas – marijuana, haxixe, em diversas modalidades – e drogas duras – heroína, cocaína, morfina, etc. –. Contra o que por vezes se afirma, não existe uma sequência forçosa entre as drogas brandas e as duras, do ponto de vista físico; no entanto, a dependência psíquica criada pelas drogas brandas favorece a iniciação nas duras.

A vinculação às drogas duras é praticamente irreversível, salvo com um tratamento difícil, que exige mudança de ambiente social e cultural.

O uso das drogas duras equivale a uma mutilação, e o é de fato, sob o ponto de vista psíquico. É, sem nenhuma justificação, um atentado contra a própria vida.

Por outro lado, cada drogado se converte facilmente em difusor da droga, causando assim uma injustiça aos outros.

O uso da droga também costuma ser ocasião para cometer determinados crimes, pela urgente e angustiosa necessidade de conseguir dinheiro para continuar a drogar-se.

O uso das drogas é ilícito, por representar, em muitos casos, um profundo egoísmo: procurar sensações ou experiências sem outra finalidade que não seja a satisfação pessoal. Essa ilicitude agrava-se se tivermos em conta que a droga branda é, como dissemos, o caminho natural e vulgar para a iniciação na droga dura. Significa, portanto, pôr-se alguém em ocasião próxima de pecado, o que, já é em si mesmo, pecado.

Usá-las sob orientação médica, para fins terapêuticos, é lícito, mas ainda nesses casos se há de prever um tratamento adequado para evitar a dependência.

O princípio moral que determina a malícia do uso das drogas estabelece que a sua gravidade está na proporção direta com os prejuízos fisiológicos e psicológicos provocados pela droga usada. Neste sentido vale a pena assinalar que as drogas brandas usadas por um período longo – ou curto, mas em grande quantidade – produzem deformações genéticas nas células masculinas, as quais influem negativamente na transmissão da vida, causando o nascimento de filhos com a síndrome de Down, deformações psíquicas ou orgânicas, etc.

Com isso, o pecado terá dupla malícia: contra a integridade corpórea de si próprio, e contra a justiça devida à futura prole e ao cônjuge inocente.

 

O RESPEITO À PESSOA E À PESQUISA CIENTÍFICA

 

As experiências científicas, médicas ou psicológicas em pessoas ou grupos humanos podem concorrer para a cura dos doentes e para o progresso da saúde pública.

 

A pesquisa científica de base, como a pesquisa aplicada, constituem uma expressão significativa do domínio do homem sobre a criação. A ciência e a técnica são recursos preciosos postos a serviço do homem e promovem seu desenvolvimento integral em benefício de todos; contudo, não podem indicar sozinhas o sentido da existência e do progresso humano. A ciência e a técnica estão ordenadas para o homem, do qual provêm sua origem e seu crescimento; portanto, encontram na pessoa e em seus valores morais a indicação de sua finalidade e a consciência de seus limites.

É ilusório reivindicar a neutralidade moral da pesquisa científica e de suas aplicações. Além disso, os critérios de orientação não podem ser deduzidos nem da simples eficácia técnica nem da utilidade que possa derivar daí para uns em detrimento dos outros, e muito menos das ideologias dominantes. A ciência e a técnica exigem, por seu próprio significado intrínseco, o respeito incondicional dos critérios fundamentais da moralidade; devem estar a serviço da pessoa humana, de seus direitos inalienáveis, de seu bem verdadeiro e integral, de acordo com o projeto e a vontade de Deus.

 

As pesquisas ou experiências no ser humano não podem legitimar atos em si mesmos contrários à dignidade das pessoas e à lei moral. O consentimento eventual dos sujeitos não justifica tais atos. A experiência em seres humanos não é moralmente legítima se fizer a vida ou a integridade física e psíquica do sujeito correrem riscos desproporcionais ou evitáveis. A experiência em seres humanos não atende aos requisitos da dignidade da pessoa se ocorrer sem o consentimento explícito do sujeito ou de seus representantes legais.

 

O transplante de órgãos é conforme à lei moral se os riscos e os danos físicos e psíquicos a que se expõe o doador são proporcionais ao bem que se busca para o destinatário. A doação de órgãos após a morte é um ato nobre e meritório e merece ser encorajado como manifestação de generosa solidariedade. O transplante de órgãos não é moralmente aceitável se o doador ou seus representantes legais não tiverem dado seu expresso consentimento para tal. Além disso, é moralmente inadmissível provocar diretamente mutilação que venha a tornar alguém inválido ou provocar diretamente a morte, mesmo que seja para retardar a morte de outras pessoas.

 

O RESPEITO À INTEGRIDADE CORPORAL

 

Os sequestros e a tomada de reféns fazem reinar o terror e, pela ameaça, exercem pressões intoleráveis sobre as vítimas. São moralmente ilegítimos. O terrorismo ameaça, fere e mata sem discriminação; isso é gravemente contrário à justiça e à caridade. A tortura, que usa de violência física ou moral para arrancar confissões, castigar culpados, amedrontar opositores, satisfazer o ódio, é contrária ao respeito pela pessoa e pela dignidade humana. Fora das indicações médicas de ordem estritamente terapêutica, as amputações, mutilações ou esterilizações diretamente voluntárias de pessoas inocentes são contrárias à lei moral.

 

Em tempos passados, práticas cruéis foram comumente utilizadas por governos legítimos para manter a lei e a ordem, muitas vezes sem protesto dos pastores da Igreja, os quais adotaram eles mesmos, em seus próprios tribunais, prescrições do direito romano sobre a tortura. Ao lado destes fatos lamentáveis, a Igreja sempre ensinou o dever de clemência e misericórdia: proibiu aos clérigos derramarem sangue. Em tempos recentes, ficou evidente que essas práticas cruéis não eram nem necessárias para a ordem pública nem estavam de acordo com os direitos legítimos da pessoa humana. Ao contrário, essas práticas conduzem às piores degradações. É preciso trabalhar por sua abolição. É preciso orar pelas vítimas e por seus algozes.

 

O RESPEITO AOS MORTOS

 

Deve-se dispensar atenção e cuidado aos moribundos, para ajudá-los a viver seus últimos momentos na dignidade e na paz. Devem também ser ajudados pela oração dos familiares. Estes cuidarão para que os doentes recebam em tempo oportuno os sacramentos que os preparam para o encontro com o Deus vivo.

Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e na esperança da ressurreição. O enterro dos mortos é uma obra de misericórdia corporal que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo.

 

A autópsia de cadáveres pode ser moralmente admitida por motivos de investigação legal ou de pesquisa científica. A doação gratuita de órgãos após a morte é legítima e pode ser meritória.

A Igreja permite a cremação, se esta não manifestar uma posição contrária à fé na ressurreição dos corpos.

 

III. A salvaguarda da paz

 

A PAZ

 

Ao lembrar o preceito “Tu não matarás” (Mt 5,21), Nosso Senhor pede a paz do coração e denuncia a imoralidade da cólera assassina e do ódio.

A cólera é um desejo de vingança. “Desejar a vingança para o mal daquele que é preciso punir é ilícito, mas é louvável impor uma reparação ‘para a correção dos vícios e a conservação da justiça” (Santo Tomás de Aquino, S Th., II-II, 158, 1, ad 3). Se a cólera chega ao desejo deliberado de matar o próximo ou de feri-lo com gravidade, atenta gravemente contra a caridade, constituindo pecado mortal. O Senhor disse: “Todo aquele que se encolerizar contra seu irmão terá de responder no tribunal” (Mt 5, 22).

O ódio voluntário é contrário à caridade. O ódio ao próximo é um pecado quando o homem quer deliberadamente seu mal. O ódio ao próximo é um pecado grave quando se lhe deseja deliberadamente um grave dano. “Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; desse modo vos tornareis filhos de vosso Pai que está nos céus...” (Mt 5, 44-45).

O respeito e o desenvolvimento da vida humana exigem a paz. A paz não é somente ausência de guerra e não se limita a garantir o equilíbrio das forças adversas. A paz não pode ser obtida na terra sem a salvaguarda dos bens das pessoas, sem a livre comunicação entre os seres humanos, o respeito pela dignidade das pessoas e dos povos, a prática assídua da fraternidade. É a “tranquilidade da ordem” (Santo Agostinho, De Civ. Dei, 10, 13), “obra da justiça” (Is 32, 17) e efeito da caridade.

A paz terrestre é imagem e fruto dá paz de Cristo, o “Príncipe da paz” messiânica (Is 9, 5). Pelo sangue de sua cruz, Ele “Matou a inimizade na própria carne” (Ef 2, 16), reconciliou os homens com Deus e fez de sua Igreja o sacramento da unidade do gênero humano e de sua união com Deus. “Ele é a nossa paz” (Ef 2, 14). Declara “Bem-aventurados os que promovem a paz” (Mt 5, 9).

Aqueles que renunciam à ação violenta e sangrenta e, para proteger os direitos do homem, recorrem a meios de defesa ao alcance dos mais fracos testemunham a caridade evangélica, contanto que isso seja feito sem lesar os direitos e as obrigações dos outros homens e das sociedades. Atestam, legitimamente a gravidade dos riscos físicos e morais do recurso à violência, com seu cortejo de mortes e ruínas.

 

EVITAR A GUERRA

 

O quinto mandamento proíbe a destruição voluntária da vida humana. Por causa dos males e das injustiças que toda guerra acarreta, a Igreja insta cada um a orar e agir para que a Bondade divina nos livre da antiga escravidão da guerra.

Cada cidadão e cada governante devem agir de modo a evitar as guerras. Enquanto, porém, houver perigo de guerra, sem que exista uma autoridade internacional competente e dotada de forças suficientes, e esgotados todos os meios de negociação pacífica, não se poderá negar aos governos o direito de legítima defesa.

É preciso considerar com rigor as condições estritas de uma legítima defesa pela força militar. A gravidade de tal decisão a submete a condições rigorosas de legitimidade moral. É preciso ao mesmo tempo que:

— o dano infligido pelo agressor à nação ou à comunidade de nações seja durável, grave e certo;

— todos os outros meios de pôr fim a tal dano se tenham revelado impraticáveis ou ineficazes;

— estejam reunidas as condições sérias de êxito;

— o emprego das armas não acarrete males e desordens mais graves do que o mal a eliminar. O poderio dos meios modernos de destruição pesa muito na avaliação desta condição.

 

Estes são os elementos tradicionais enumerados na chamada doutrina da “guerra justa”.

A avaliação dessas condições de legitimidade moral cabe ao juízo prudente daqueles que estão encarregados do bem comum.

Os poderes públicos tomarão as justas providências com relação ao caso daqueles que se dedicam ao serviço da pátria na vida militar, isto é, estão a serviço da segurança e da liberdade dos povos. Desempenham corretamente sua tarefa, concorrem verdadeiramente para o bem comum da nação e para manter a paz.

Os poderes públicos devem prever equitativamente o caso daqueles que recusam o emprego das armas por motivos de consciência, mas que continuam obrigados a servir sob outra forma à comunidade humana.

A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral durante os conflitos armados. Quando, por infelicidade, a guerra já se iniciou, nem tudo se torna lícito entre as partes inimigas.

É preciso respeitar e tratar com humanidade os não-combatentes, os soldados feridos e os prisioneiros.

Os atos deliberadamente contrários ao direito dos povos e a seus princípios universais, como as ordens que os determinam, constituem crimes. Uma obediência cega não é suficiente para escusar os que se submetem a esses atos e ordens. Portanto, o extermínio de um povo, de uma nação ou de uma minoria étnica deve ser condenado como pecado mortal. Deve-se moralmente resistir às ordens que impõem um genocídio.

Qualquer ação bélica que tem em vista a destruição indiscriminada de cidades inteiras ou de vastas regiões, com seus habitantes, é um crime contra Deus e contra o próprio homem a ser condenado com firmeza e sem hesitações. Um dos riscos da guerra moderna é dar ocasião aos possuidores de armas científicas, principalmente atômicas, biológicas ou químicas, de cometerem tais crimes.

A acumulação de armas parece a muitos uma maneira paradoxal de dissuadir da guerra os eventuais adversários. Vêem nisso o mais eficaz dos meios suscetíveis de garantir a paz entre as nações. Este procedimento de dissuasão impõe severas reservas morais. A corrida aos armamentos não garante a paz. Longe de eliminar as causas da guerra, corre o risco de agravá-las. O dispêndio de riquezas fabulosas na fabricação de armas sempre novas impede de socorrer as populações indigentes e entrava o desenvolvimento dos povos. O superarmamento multiplica as razões de conflitos e aumenta o risco de esses conflitos se multiplicarem.

A produção e o comércio de armas afetam o bem comum das nações e da comunidade internacional. Por isso as autoridades públicas têm o direito e o dever de regulamentá-los. A busca de interesses privados ou coletivos a curto prazo não pode legitimar empreendimentos que fomentem a violência e os conflitos entre as nações e que comprometam a ordem jurídica internacional.

As injustiças, as desigualdades excessivas de ordem econômica ou social, a inveja, a desconfiança e o orgulho que grassam entre os homens e as nações ameaçam sem cessar a paz e causam as guerras. Tudo o que for feito para vencer essas desordens contribui para edificar a paz e evitar a guerra.

Pecadores que são, os homens vivem em perigo de guerra, e este perigo os ameaçará até a volta de Cristo. Mas, na medida em que, unidos pela caridade, sugerem o pecado, superarão igualmente as violências, até que se cumpra a palavra: “De suas espadas eles forjarão relhas de arado, e de suas lanças, foices. Uma nação não levantará a espada contra a outra, e já não se adestrarão para a guerra” (Is 2, 4).

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 03 de fevereiro de 2008

 

Bibliografia

Catecismo da Igreja Católica

Ricardo Sada e Alfonso Monroy – Curso de Teologia Moral

São Pio X, Catecismo Maior

Pe. Leo J. Trese, A fé explicada

Pe. J. Bujanda, Teologia Moral para os fiéis

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “O quinto mandamento da Lei de Deus”

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