O PURGATÓRIO

(2 Mc 12, 39-45)

 

 

"39 No dia seguinte, sendo já urgente a tarefa, partiram os homens de Judas para recolherem os corpos dos que haviam tombado, a fim de inumá-los junto com os seus parentes, nos túmulos de seus pais. 40 Então encontraram, debaixo das túnicas de cada um dos mortos, objetos consagrados aos ídolos de Jâmnia, cujo uso a Lei vedava aos judeus. Tornou-se assim evidente, para todos, que foi por esse motivo que eles sucumbiram. 41 Todos, pois, tendo  bendito o modo de proceder do Senhor, justo Juiz que torna manifestas as coisas escondidas, 42 puseram-se em oração para pedir que o pecado cometido fosse completamente cancelado. E o nobre Judas exortou a multidão a se conservar isenta de pecado, tendo com os próprios olhos visto o que acontecera por causa do pecado dos que haviam tombado. 43 Depois, tendo organizado uma coleta individual, enviou a Jerusalém cerca de duas mil dracmas de prata, a fim de que se oferecesse um sacrifício pelo pecado: agiu assim absolutamente bem e nobremente, com o pensamento na ressurreição. 44 De fato, se ele não esperasse que os que haviam sucumbido iriam ressuscitar, seria supérfluo e tolo rezar pelos mortos. 45 Mas, se considerava que uma belíssima recompensa está reservada para os que adormecem na piedade, então era santo e piedoso o seu modo de pensar. Eis por que ele mandou oferecer esse sacrifício expiatório pelos que haviam morrido, a fim de que fossem absolvidos do seu pecado".

 

 

 

Purgatório é um lugar de purificação, onde as almas justas que não expiaram completamente os seus pecados os expiam com graves sofrimentos antes de entrarem no Céu.

A respeito do Purgatório, são verdades de fé: a) Que existe como lugar de expiação; b) Que podemos ajudar as almas ali detidas.

O Purgatório, como indica a palavra, é o lugar da purificação e da penitência.

No momento do Juízo, Deus mostra à alma o que ela devia ter sido, segundo os planos eternos, e até que ponto ficou aquém da realidade.

A alma, apesar de ter morrido em estado de graça, como se encontra repleta de muitas faltas e imperfeições, exclamará envergonhada: Senhor, realmente, com tantas imperfeições não posso entrar no vosso reino. Com manchas tão negras não me é lícito viver eternamente nesta Cidade bendita, "iluminada pela claridade de Deus, e cujo sol é o Cordeiro" (Ap 21, 23).

Sim, o homem diante do tribunal de Deus, sentirá esta imperfeição, sentirá que sua obra não está acabada.

Que sente a alma?

Sente que nunca chegamos a terminar a nossa obra.

Não acabamos nunca o trabalho da nossa própria alma. Não terminamos a sua formação. Quem poderá, por exemplo, nesta vida fazer tão perfeitamente a vontade de Deus que seja em tudo "conforme à imagem do seu divino Filho" (Rm 8, 29).

O Purgatório será o lugar do grande aperfeiçoamento. O Purgatório é o lugar dos grandes acabamentos. Ali colocaremos a cúpula no edifício em que trabalhamos durante toda a vida neste mundo. O Purgatório é o lugar da grande restauração. Ali corrigiremos as deformações, cobriremos as cicatrizes que nas nossas almas deixaram as profundas feridas que abriu o pecado e que o Sangue de Cristo sarou. E à medida que o sofrimento purgativo vá tirando com seu fogo o pó, a ferrugem, as impurezas, e os traços disformes, que me tinham desfigurado, brilhará na minha alma a imagem de Deus. Quando esta imagem estiver resplandecente, terminará meu Purgatório. Poderei entrar na felicidade eterna do meu Deus.

De acordo com a doutrina da Igreja, o Purgatório é o estágio durante a qual as almas dos justos sofrem, completando a reparação de suas faltas. Estas, terão sido pecados graves, já perdoados por Deus, mas que exigem certa reparação (não ainda efetuada totalmente na vida terrena); ou terão sido pecados leves, dos quais a pessoa não se penitenciou antes e que, embora não peçam sua condenação eterna, impedem o ingresso imediato na felicidade celeste: "Um cristal coberto de barro não pode receber os raios do sol, pois a luz do sol fica impedida de penetrar o cristal. Mas se removermos o lodo, aquele cristal começa a tomar várias cores à medida que o sol consegue penetrá-lo. Uma alma que morreu ou com pecado venial ou então sem descontar toda a pena devida aos seus pecados é como aquele cristal coberto de lodo. É preciso primeiro remover o lodo, para que o cristal possa brilhar. É esta a função do Purgatório: purificar as almas dos amigos de Deus, mas que ainda não estão prontos para brilhar na eternidade feliz do céu.  Se fôssemos a uma festa muito bonita onde todas as pessoas se apresentam com roupas bem limpas, e nós aparecêssemos com vestes sujas ou manchadas, é claro que nós ficaríamos sem jeito e com vontade de desaparecer para ir limpar a nossa roupa. Assim também acontece com as almas que morreram antes de se purificar inteiramente diante de Deus. Como elas poderiam aparecer assim manchadas aos olhos dos santos e dos anjos, e principalmente aos olhos de Deus. Aquelas manchas estragariam sua felicidade e o céu não seria para elas mais o céu. Ora, isto é impossível. Por isso, Deus na sua bondade infinita, destina essas almas para um lugar onde possam se purificar totalmente, e esse lugar se chama Purgatório. Terminada a purificação do Purgatório, essas almas se apresentam belas, limpas como um cristal, diante de Deus e assim, eternamente, podem participar do festim do Paraíso. As almas que morreram sem a graça de Deus não têm mais salvação, seu destino eterno é o inferno. As almas santas que pagaram na terra, pela sua vida de piedade, de apostolado, de amor a Deus, ou então lucraram uma indulgência plenária na hora da morte, essas almas santas, inteiramente purificadas de qualquer mancha do pecado, irão diretamente para o céu" (Leituras da Doutrina Cristã).

Realmente, a Sagrada Escritura atesta que mesmo após a remissão do pecado, resta muitas vezes uma pena temporal a sofrer. O livro da Sabedoria diz que Deus "tirou Adão do seu pecado" (Sb 10,1), e, entretanto, ele teve de continuar a cultivar o solo com o suor de seu rosto (Gn 3, 17s). Moisés, em punição de uma falta perdoada, não entrou na terra prometida (Nm 20, 12; Dt 34, 4). Davi, embora arrependido de seu adultério e perdoado, foi punido com a morte do filho (2 Sm 12, 14). Enfim, Jesus e os apóstolos pregaram a necessidade da penitência e das obras satisfatórias para expiação dos pecados já perdoados.

Aliás, "acontece o mesmo na ordem natural; não basta que o raptor da filha do rei a restitua; é necessário que, além disso, repare a injúria, sofrendo pena proporcionada" (R. Garrigou-Lagrange). Como diz Santo Tomás de Aquino, não é suficiente deixar de pecar, nem mesmo arrepender-se, é preciso que a ordem da justiça violada seja restabelecida mediante a aceitação voluntária de uma pena compensadora (S. Theol., I-II, q. 87, art. 6 e Apêndice ao Suplemento, art. 7). É verdade que em Cristo temos "a redenção, a remissão dos pecados" (Cl 1,14), mas esta - ensina a Igreja - se nos é aplicada no batismo de modo absolutamente gracioso, suprimindo toda penalidade (Concílio de Trento, Sessão V, Dz 792), exige a satisfação quando aplicada (no sacramento da penitência) aos que foram infiéis a seu batismo. Tal satisfação se cumpre às vezes imperfeitamente na vida terrena, precisando ser completada no purgatório.

A existência do purgatório foi definida pelos Concílios de Florença (Dz. 693) e Trento (Dz. 840; 983).

Existem, em alguns textos, fundamentos bíblicos para a doutrina dos quais o mais claro é o de 2 Mc 12, 39-45, onde vem louvada a atitude de Judas Macabeu, que mandou celebrar um sacrifício expiatório em prol dos soldados mortos: "Bela e nobre ação, inspirada pela lembrança da ressurreição! Pois se não acreditasse que esses soldados ressuscitariam, teria sido coisa supérflua e ridícula rezar por defuntos. Além disto, considerava que está reservada uma bela recompensa aos que adormecem piedosamente. Eis porque ele fez esse sacrifício expiatório pelos mortos, a fim de que fossem libertados de seus pecados" (cfr. E. O'Brien, "The Scriptural Proof for the existence of Purgatory", Sc. Eccl., 1949, 80-108), e: "Alguns textos da Sagrada Escritura fazem alusão ao Purgatório. Conta, por exemplo, o segundo livro dos Macabeus (2 Mc 12, 42-45) que os judeus oravam pelos mortos em combate, oferecendo sacrifícios expiatórios pelos mortos para que fossem absolvidos dos seus pecados. É uma alusão clara à necessidade de uma 'expiação dos pecados' após a morte, idéia central da fé no Purgatório. Neste sentido, Cristo fala do pecado que, pela sua gravidade, não será perdoado neste mundo nem no vindouro (Mt 12, 32), aludindo claramente à possibilidade de purificação de outros pecados após a morte. Além disso, a existência do Purgatório é explicitamente confirmada pelo testemunho da Tradição e do Magistério da Igreja. A questão do Purgatório reveste-se de especial interesse para nós porque, se temos o direito de esperar não ir para o Inferno, é, no entanto bastante provável que tenhamos de passar pelo Purgatório; daí a importância de sabermos bem de que se trata. O Purgatório é o estado das almas justas que, protelando-lhes a visão de Deus e mediante uma pena de sentido, cumprem a purificação que lhes faltou nesta terra para expiarem plenamente os seus pecados já perdoados. Ali as almas acabam de expiar as suas faltas" (Monge Edouard Clerc).

Os soldados haviam morrido "piedosamente", o que insinua não terem pecados graves (ou deles se terem arrependido). Não obstante, para adquirirem a "bela recompensa" precisavam passar por uma purificação, e esta podia ser ajudada pelo sufrágio de um sacrifício expiatório celebrado em Jerusalém.

No Novo Testamento há passagens sugestivas, mesmo se não demonstrativas por si sós. Em Mt 12, 32, disse Jesus: "Aquele que falar contra o Espírito Santo não será perdoado nem neste século nem no futuro". Palavras que supõem, segundo a Tradição, certos pecados virem a ser perdoados após a morte. Também parece alusão ao purgatório o trecho de l Cor 3,10-15, onde São Paulo insinua haver ofensas "que não são suficientemente graves para fechar o céu e abrir o inferno e que, todavia, são punidas com um castigo proporcionado".

 

A doutrina católica acerca do Purgatório ensina que:

 

1. As almas do Purgatório têm a certeza de estarem salvas.

2. Não podem merecer para si mesmas.

3. Sofrem da privação de Deus, mas têm a esperança.

 

Satisfação

 

Não há dúvida de que os pecados são totalmente remidos e apagados pelo sacramento da Penitência, mas a pena merecida pelo pecado exige, em justiça, uma reparação, uma expiação, que se chama satisfação. Deus foi ofendido e perdoou-nos, mas, por um dever de justiça, é necessário repararmos de um modo real as ofensas que lhe fizemos: não basta um simples desgosto sentimental.

Na ordem material, quando alguém pratica um roubo, deve restituir integralmente, antes ou depois de ter sido perdoado, aquilo que roubou. Se difamou outra pessoa, também deve reparar o prejuízo causado. Porém, quando se trata de uma ofensa feita a Deus, como a gravidade da ofensa é proporcional à dignidade do ofendido, não pode existir uma reparação equivalente. Por isso, a satisfação imposta pelo confessor a quem peca é quase sempre insuficiente.

Ora bem, que se passa conosco? Cumprimos a penitência, mas não voltamos a pensar em expiar as faltas perdoadas. No entanto, ao fazermos o ato de contrição, tínhamos dito expressamente não só que evitaríamos posteriores ocasiões de pecado, mas que tínhamos também o propósito de fazer penitência.

Enquanto nos encontramos nesta terra, podemos satisfazer pelas nossas ofensas, começar a pagar as nossas dívidas, por assim dizer, começar a cumprir uma parte do Purgatório que nos toca. Conhecemos bem os meios que temos à nossa disposição: a oração, a mortificação, o dever cumprido com amor e perfeição, a aceitação da dor, a esmola e as outras obras de misericórdia, sempre que as pratiquemos com espírito de expiação. Tudo isto, associado aos sofrimentos de Cristo, tem um preço incalculável. E o que possa restar da nossa dívida à hora da morte deverá ser expiado no Purgatório.

 

                                 A purificação

 

Como o nome indica, o Purgatório é um estado de purificação. Não se trata de um castigo; na verdade, é a própria alma que deseja purificar-se, da mesma forma que deseja o perdão após o pecado. É preciso, portanto, descartar a idéia de que o Purgatório é um tempo de sofrimento imposto, e evitar falar tanto de lugar como de duração. Como se trata unicamente de almas - o corpo morreu -, essa purificação é espiritual e mística. Os mestres da vida espiritual falam dos sofrimentos purificadores pelos quais as almas que seguem o caminho da santidade devem passar aqui na terra para chegarem a uma maior pureza de coração e, portanto, a uma maior união com Deus já nesta vida. O princípio, no caso do Purgatório, é o mesmo: a alma purifica-se pelo sofrimento, que consiste, sobretudo, na privação de Deus.

Mas esta privação - tanto para as almas do Purgatório como para os místicos - é muito diferente da privação irremissível do Inferno. As almas do Purgatório têm a esperança, a caridade e o amor; o seu sofrimento é como o de uma pessoa que estivesse temporariamente exilada, mas sem tristeza; pelo contrário, esse sofrimento é aceito com a certeza de que torna a pessoa digna de viver em Deus, e converte-se assim num meio semelhante à intervenção cirúrgica que se aceita a fim de salvar a própria vida. Aceita-se sofrer para obter um bem, pois quem quer o fim, quer os meios.

Ainda hoje há garimpeiros que caçam ouro; a sua felicidade consiste em encontrar esse metal, mas, para encontrá-lo, têm muitas vezes de sofrer privações de todo o tipo. Faz parte das regras do jogo. São sustentados pela esperança, mas por uma esperança sem outro fundamento que não a sorte. Em contrapartida, as almas do Purgatório não só aceitam, mas até desejam espontaneamente a purificação, a fim de virem a possuir um bem absoluto que já lhes está assegurado.

 

O fogo do purgatório

 

Por que é que se fala do "fogo" do Purgatório? No Inferno há uma dupla pena, a da privação de Deus e a do remorso, do desespero, um queimor muito intenso na alma, expresso pela imagem do fogo. As almas do Purgatório, em contrapartida, sofrem por ainda não estarem na posse da vida de união direta com Deus, mas não se encontram submetidas à mesma pena de sentido das almas condenadas, uma vez que a sua purificação se faz com esperança e caridade. As "chamas" do Purgatório induzem a pressupor uma semelhança entre esse estado e o Inferno; ora, as almas que se encontram no Purgatório têm a certeza de virem a possuir a felicidade eterna, e, portanto não podem ser infelizes. Mas a imagem do fogo, em que se materializou a idéia da purificação, deriva aqui da necessidade dessa purificação. Encontramos com frequência essa comparação na Sagrada Escritura: a alma deve ser purificada pela tribulação como o ouro pelo fogo. Com efeito, os ourives da antiguidade fundiam o ouro bruto num cadinho aquecido à temperaturas muito altas, retiravam as impurezas que flutuavam sobre a superfície do metal líquido, e obtinham assim o ouro puro. São Pedro afirma que os sofrimentos presentes devem servir para provar o valor da nossa fé, muito mais preciosa que o ouro, o qual se prova pelo fogo (1Pd 1, 7).

Santo Afonso Maria de Ligório escreve: "Em que necessidade se acham estas santas prisioneiras! Certo é que seu sofrimento é imenso. 'O fogo que as tortura, diz Santo Agostinho, é mais grave do que qualquer sofrimento que possa atormentar o homem nesta vida'. O mesmo diz Santo Tomás de Aquino, acrescentando ser aquele fogo semelhante ao do inferno: 'Pelo mesmo fogo é atormentado o condenado e purificado o escolhido'. Isto quanto ao sofrimento dos sentidos. Mas muito maior é o sofrimento que causa a estas santas esposas a privação da visão de Deus. Aquelas almas, não só por natureza, mas ainda pelo amor sobrenatural em que ardem para com Deus, com tal ímpeto são impelidas para se unirem no sumo Bem que, vendo-se impedidas por motivo de suas culpas, sofrem dor tão acerba que, se lhes fossem possível a morte, morreriam a cada momento. Pois, segundo diz São João Crisóstomo, esta privação da visão de Deus as atormenta muito mais do que o sofrimento dos sentidos: 'Mil fogos do inferno juntos não causariam tanta dor, como esta do dano!' Por isso, aquelas santas almas prefeririam sofrer qualquer outro castigo a serem destituídas, um só momento, da suspirada união com Deus. Diz, por isso, o Doutor Angélico, que 'o sofrimento do purgatório excede todas as dores que podemos sofrer nesta vida'. Refere Dionísio Cartusiano, que certo defunto ressuscitado por intercessão de São Jerônimo, disse a São Cirilo de Jerusalém que todos os tormentos desta terra são gozos e delícias em comparação com o menor sofrimento do purgatório: 'Todos os tormentos desta vida, se comparados à menor pena do purgatório, seriam verdadeiros gozos'. E acrescenta que, se alguém tivesse experimentado aqueles sofrimentos, mais prontamente quereria sofrer todas as dores que sofreram ou sofrerão os homens neste mundo até o dia do juízo, do que sofrer, por um só dia, o menor sofrimento do purgatório. Por isso escreveu São Cirilo que aqueles sofrimentos, quanto à aspereza, são os mesmos do inferno, apenas se diferem porque não são eternos".

 

Rezar pelas almas do purgatório e rezar às almas do purgatório

 

Via de regra, quando se fala em "aliviar" as pessoas amadas que se supõe estarem no Purgatório, costuma-se apresentar a questão como se elas tivessem um "castigo" a suportar antes de poderem ser libertadas, e como se pudesse "abreviar" esse "castigo" mediante a celebração de Missas pelos defuntos. O que ocorre, na verdade, é que todos os fiéis podem contribuir fraternalmente para a purificação dessas almas por meio da Comunhão dos Santos. A Igreja peregrina, tendo perfeita consciência da comunhão que reina em todo o Corpo Místico de Jesus Cristo, já desde os primeiros tempos da religião cristã, guardou com grande piedade a memória dos que morriam e ofereceu sufrágios por eles, porque um bom e salutar pensamento é orar pelos defuntos para que fiquem livres dos seus pecados (cf. 2 Mc 12, 45). As almas do Purgatório nada podem merecer para si mesmas, e por isso a Igreja militante - os fiéis que estão na terra - vem em socorro da Igreja padecente, isto é, das almas do Purgatório: "São, pois, muito grandes as penas daquelas almas e, por outro lado elas não podem ajudar-se, segundo Jó 'estão presas e ligadas pelos laços da pobreza' (Jó 36, 8). Já estão destinadas ao Reino aquelas santas rainhas, mas dele não podem tomar posse, enquanto não chegar o fim de sua expiação. Portanto, não podem ajudar-se a si próprias, (ao menos suficientemente, se quisermos crer nos teólogos que admitem que aquelas almas, com suas orações, também possam impetrar para si algum alívio), para livrar-se daquelas prisões, em que estão detidas, enquanto não tiverem satisfeito inteiramente à justiça divina. Elas não podem quebrar essas cadeias, enquanto não tiverem satisfeito à justiça divina em todo o seu rigor. Foi o que disse, falando do purgatório um monge cisterciense, aparecendo ao sacristão do seu convento: 'Ajudai-me, pediu ele, com vossas orações, porque por mim nada posso obter!' Isto concorda com o que diz São Boaventura: 'A pobreza impede o pagamento das dívidas'. Quer dizer que as almas do purgatório são tão pobres que não podem satisfazer por si próprias à justiça divina" (Idem).

Os fiéis podem participar da purificação dessas almas para que elas obtenham a visão que lhes dará a felicidade definitiva.

1. Mediante a oração, pois todos os dias se roga por elas na Santa Missa, especialmente no dia 2 de novembro, e por meio das orações privadas: "É certo, entretanto, e até de fé, que nós, com os nossos sufrágios e, principalmente com as orações recomendadas pela Igreja, bem podemos auxiliar aquelas santas almas. Não sei como poderá se isentar de culpa, quem deixa de oferecer-lhes qualquer auxílio, ao menos algumas orações. Se não nos mover a obrigação que temos, mova-nos, ao menos, a alegria que causamos a Nosso Senhor Jesus Cristo, quando nos aplicamos em libertar aquelas suas esposas diletas, para se unirem com Ele no paraíso. Movam-nos, enfim, os grandes merecimentos, que podemos obter praticando este grande ato de caridade para com aquelas santas almas. Elas são gratíssimas e bem conhecem o grande benefício que lhes fazemos, aliviando-as daquelas penas e obtendo, por meio de nossas orações, que mais depressa possam entrar na glória. Lá chegando, não deixarão de rezar por nós. Se o Senhor promete ser misericordioso para com os que praticam a misericórdia: 'Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia' (Mt 5, 7), com muita razão pode esperar a salvação quem procura socorrer as almas do purgatório, tão aflitas e tão caras a Deus. Jônatas, depois de ter salvo os hebreus pela vitória sobre os seus inimigos, foi condenado à morte por seu pai, Saul, por haver provado o mel contra a sua ordem. Mas o povo apresentou-se ao rei e disse: 'Como há de morrer Jônatas, o salvador de Israel?' (l Sm 14,45). Ora, assim devemos também esperar que, se algum de nós obtiver, com suas orações, a salvação de uma alma do purgatório e a sua entrada no céu, essa alma dirá a Deus: 'Senhor, não permitais que se perca quem me livrou das chamas do purgatório'. E, se Saul concedeu a Jônatas a vida, a pedido do povo, Deus não negará a salvação àquele por quem intercede uma alma do purgatório.

Além disso, diz Santo Agostinho, quem nesta vida mais socorrer as almas do purgatório, Deus fará com que seja também socorrido por outro, quando estiver lá no meio daquelas chamas. Um grande sufrágio pelas almas do purgatório é participar da Santa Missa, e nela recomendá-las a Deus, pelos merecimentos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, dizendo: Eterno Pai, eu vos ofereço este sacrifício do Corpo e Sangue de Jesus Cristo com todas as dores que sofreu em sua vida e morte e, pelos merecimentos de sua Paixão, recomendo-vos as almas do purgatório e especialmente as de... É ato também de muita caridade recomendar, ao mesmo tempo, as almas de todos os agonizantes" (Idem).

2. Oferecendo a Deus, em favor delas, os méritos das nossas boas obras e dos nossos sofrimentos voluntariamente aceitos.

3. Oferecendo em seu benefício o Sacrifício da Missa, que expressa e realiza a satisfação infinita de Cristo. Poucos se esquecem de fazê-lo pelos seus parentes e amigos, mas também seria bom pedir que se rezem Missas pelas almas do Purgatório abandonadas, pois é um ótimo "investimento" espiritual: "Seja-me permitido fazer aqui uma digressão em favor das almas do purgatório. Se quisermos o socorro de suas orações, é justo que cuidemos também de socorrê-las com nossas orações e boas obras. Disse que é justo, mas deve-se dizer ainda que é um dever cristão. Pois manda a caridade que socorramos o próximo em suas necessidades, mormente quando podemos fazê-lo sem incômodo de nossa parte. Ora, é certo que, entre aqueles que caem debaixo da palavra 'próximo', devem-se compreender as benditas almas do purgatório. Elas, apesar de não estarem mais nesta vida, nem por isso deixam de pertencer à comunhão dos santos. 'As almas dos fiéis defuntos, diz Santo Agostinho, não estão separadas da Igreja'. E mais claramente declara Santo Tomás de Aquino a este respeito, dizendo que 'a caridade é o vínculo que une os membros da Igreja entre si e não se limita tão somente aos vivos, mas também aos mortos, que partiram deste mundo na graça de Deus'. Portanto, devemos socorrer, quanto possível, àquelas santas almas como a nosso próximo e, sendo a sua necessidade maior, maior também consequentemente deve ser a nossa obrigação de socorrê-las" (Santo Afonso Maria de Ligório).

Se as almas do Purgatório nada podem merecer para si mesmas, em contrapartida têm a possibilidade de interceder por nós e de obter-nos graças. Já alcançaram a salvação e, portanto, gozam da amizade e do amor de Deus e estão mais próximas d'Ele do que nós, e consequentemente num estado privilegiado para obterem as graças de que precisamos. Devemos sem dúvida rogar pelos nossos defuntos, mas também podemos rezar-lhes. Encontra-los-emos, não no cemitério, mas na Missa, onde rezam junto conosco: "Pergunta-se: é útil recomendar-se às orações das almas do purgatório? Alguns dizem que as almas do purgatório não podem rezar por nós. São levados pela autoridade de Santo Tomás de Aquino que afirma estarem aquelas almas em estado de expiação, e, por isso, inferiores a nós. Não se acham em condição de rezar por nós, mas, pelo contrário, necessitam de nossas orações. Mas muitos outros doutores, como Belarmino, Sílvio, Cardeal Gotti e outros afirmam, com muita probabilidade, que se deve crer piamente que Deus manifesta-lhes nossas orações, a fim de que aquelas santas almas rezem por nós, como nós rezamos por elas. Assim se estabelecerá entre nós e elas este belíssimo intercâmbio de caridade. Não obsta, como dizem Sílvio e Gotti, o que diz o Angélico, isto é, que as almas padecentes não se acham em estado de rezar. Uma coisa é não estar em estado de rezar e outra é não poder rezar. É verdade que aquelas almas santas não se acham em estado de orar. Como diz Santo Tomás, estando no lugar de expiação, elas são inferiores a nós e por isso necessitam das nossas orações. Contudo, em tal estado, bem podem rezar, porque estão na amizade de Deus. Se um pai, apesar de seu grande amor ao seu filho, conserva-o encarcerado por alguma falta cometida, o filho, em todo o caso, não está em condições de pedir alguma coisa para si mesmo. Entretanto, por que não poderá pedir pelos outros? Por que não poderá esperar ser atendido no que pede, conhecendo o afeto que lhe tem o pai? Sendo assim, as almas do purgatório, muito mais amadas de Deus e confirmadas em graça, podem rezar por nós. Mas não é costume da Igreja invocá-las e implorar sua intercessão, porque segundo a providência ordinária, elas não têm conhecimento de nossas súplicas. Todavia, acredita-se piamente, como dissemos, que o Senhor lhes faz conhecer as nossas preces e, então, cheias de caridade não deixam de pedir por nós. Santa Catarina de Bolonha, quando desejava alcançar alguma graça, recorria às almas do purgatório e era imediatamente atendida. Até dizia que muitas graças, que não havia obtido pela intercessão dos santos, conseguia invocando as almas do purgatório" (Idem).

O Céu não tem portas, e quem quiser entrar pode fazê-lo, porque Deus é toda misericórdia e permanece com os braços abertos para admiti-lo na sua glória. No entanto, o ser de Deus é tão puro que a alma justa, ao sair do seu corpo, vendo em si mesma alguma coisa que turva a sua inocência primitiva e se opõe à sua união com Ele, experimenta uma aflição incomparável; e como sabe muito bem que esse impedimento não pode ser destruído senão pelo fogo do Purgatório, desce até lá imediatamente e com plena vontade [...]. Sabendo que o Purgatório é o banho destinado a lavar essa espécie de manchas, corre para lá [...], pensando muito menos nas dores que a esperam do que na alegria de reencontrar ali a sua primitiva pureza. (Santa Catarina de Gênova, Tratado do Purgatório, n. 12).

Melhor é purificar agora os pecados e vícios do que deixá-los para o purgatório (Imitação de Cristo, I, 24, 3).

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 21 de abril de 2008

 

 

Bibliografia

 

Bíblia Sagrada

Santo Afonso Maria de Ligório, A Oração

Monge Edouard Clerc, Que há para além da morte?

Mons. Tihamer Tóth, A vida eterna

Pablo Arce e Ricardo Sada, Curso de Teologia Dogmática

Dom Cirilo Folch Gomes O.S.B, Riquezas da mensagem cristã

 

 

               

 

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