VINDE E VEDE

(Jo 1, 35-42)

 

35 No dia seguinte, João se achava lá de novo, com dois de seus discípulos. 36 Ao ver Jesus que passava, disse: ‘Eis o Cordeiro de Deus’. 37 Os dois discípulos ouviram-no falar e seguiram Jesus. 38 Jesus voltou-se e, vendo que eles o seguiam, disse-lhes: ‘Que estais procurando?’ Disseram-lhe: ‘Rabi (que, traduzindo, significa Mestre), onde moras?’ 39 Disse-lhes: ‘Vinde e vede’. Então eles foram e viram onde morava, e permaneceram com ele aquele dia. Era a hora décima, aproximadamente. 40 André, o irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram as palavras de João e seguiram Jesus. 41 Encontrou primeiramente Simão e lhe disse: ‘Encontramos o Messias (que quer dizer Cristo)’. 42 Ele o conduziu a Jesus. Fitando-o, disse-lhe Jesus: ‘Tu és Simão, o filho de João; chamar-te-ás Cefas’ (que quer dizer Pedra)”.

 

 

Em Jo 1, 35-39 diz: “No dia seguinte, João se achava lá de novo, com dois de seus discípulos. Ao ver Jesus que passava, disse: ‘Eis o Cordeiro de Deus’. Os dois discípulos ouviram-no falar e seguiram Jesus. Jesus voltou-se e, vendo que eles o seguiam, disse-lhes: ‘Que estais procurando?’ Disseram-lhe: ‘Rabi (que, traduzindo, significa Mestre), onde moras?’ Disse-lhes: ‘Vinde e vede’. Então eles foram e viram onde morava, e permaneceram com ele aquele dia. Era a hora décima, aproximadamente”.

 

São João Crisóstomo escreve: “E como muitos não prestavam atenção no que São João dizia desde o princípio, lhes chama a tenção pela segunda vez, e por isso disse: ‘No dia seguinte, João se achava lá de novo, com dois de seus discípulos” (In Ioannem, Hom. 17), e: “São João estava verdadeiramente parado, porque havia subido ao cume das virtudes, donde não poderia ser derrubado por nenhuma excitação da maldade. E estavam com ele dois de seus discípulos, porque seguiam suas doutrinas com resolução” (São Beda), e também: “E por que razão não percorria o Batista toda a Judéia e pregava o Salvador por todas as partes, senão que estava só perto do rio esperando que o Salvador viesse para dá-lo a conhecer quando houvesse chegado? Porque queria que isso fosse mostrado pelos milagres de Jesus Cristo. Vê-se também de qual modo serviu isso de maior edificação, porque enviou uma pequena faísca e a chama se levantou em seguida até o alto. Se houvesse dito isso peregrinando, poderia parecer que todas estas coisas sucederam por algum plano humano, e seu louvor seria suspeito” (São João Crisóstomo, Ut Sup.), e ainda:  “Disse olhando, como para expressar com os olhos a alegria e o assombro que experimentava pela presença de Jesus Cristo” (Teofilacto), e: “São João era amigo do Esposo. Não buscava sua glória, mas dava testemunho da verdade. Por isso não quis que seus discípulos ficassem com ele, mas que seguissem o Senhor. E isso ele demonstrou manifestando a quem deviam seguir, dizendo: ‘Eis aqui o Cordeiro de Deus” (Santo Agostinho, In Ioannem, Tract. 7), e também: “Não quis falar muito, porque só desejava uma coisa: atrair a seus discípulos e uni-los com Jesus Cristo. Mas sabia que a respeito de outras coisas não necessitavam de seu testemunho. E não fala São João a seus discípulos destas coisas em particular, mas fala com todos e publicamente, para que assim, decidindo-se por seguir a Jesus Cristo em virtude daquela indicação de caráter comum, permanecessem firmes a respeito dos demais, não só pelo serviço de Jesus Cristo, a quem seguiam, mas por sua própria utilidade. E não faz seu sermão em tom de súplica, mas unicamente o admira, quando está adiante e lhe fala da preparação para a qual havia sido enviado, e do modo de se preparar. E ‘o Cordeiro’ designa um e o outro, e disse o Cordeiro acrescentando o artigo, para demonstrar sua excelência” (São João Crisóstomo, Ut Sup.), e ainda: “Aqui se fala do único Cordeiro sem pecado; não daquele que foi lavado de manchas, mas do que está isento dela. Fala-se aqui, individualmente, do Cordeiro de Deus, porque unicamente com seu sangue poderiam ser redimidos os homens. Este é o Cordeiro a quem temem os lobos e que depois de morto matou o leão” (Santo Agostinho, In Ioannem, Tract. 7), e: “Se chama também Cordeiro, porque previu que havia de deixar-nos espontaneamente a doação de sua lã (com a qual pudéssemos fazer nossa veste nupcial). Isto é, os exemplos para vivermos bem, com os quais deveríamos abrasar-nos em seu amor” (São Beda, Hom. 1 inter hiemales de sanctis), e também: “Falando em sentido místico, São João está em pé. Cessa a Lei e vem Jesus, isto é, a graça do Evangelho, de quem a mesma Lei dá testemunho. Jesus andava reunindo seus discípulos” (Alcuino), e ainda: “A ação de andar de Jesus representa a graça de sua Encarnação, por meio da qual se dignou vir a nós e dar-nos exemplo para que vivêssemos bem” (São Beda, Hom. in vig. S. Andreae), e: “Tendo São João dado testemunho de que Jesus era o Cordeiro de Deus, os discípulos que primeiro estavam com São João, cumprindo o mandato de seu mestre, seguiram a Jesus. Por isso disse: ‘Os dois discípulos ouviram-no falar e seguiram Jesus” (Alcuino), e também: “Veja como o Senhor volta seu rosto aos que lhe seguem, e os olha. Porque se não lhe segue por meio de alguma boa ação, nunca poderão chegar a ver seu rosto nem entrar em sua casa” (Teofilacto), e ainda: “Logo aqueles discípulos seguiam a Jesus para vê-lo, e não puderam ver o rosto do Senhor. Por cuja razão se voltou para eles. E como descendo de sua majestade, deixou que seus discípulos pudessem contemplar sua sagrada presença” (Alcuino), e: “Sem dúvida, depois do sexto testemunho, São João, não em vão, deixou de contestar-lhes (ou de dar-lhes testemunho). E Jesus, como sétimo testemunho, lhes disse: ‘Que buscais?” (Orígenes), e também: “Porém, eles não só manifestaram seu amor a Jesus Cristo seguindo-lhe, mas até no modo de perguntar-lhe. Por isso segue: ‘Eles lhe disseram, Rabbi (que quer dizer Mestre), onde moras?’ Todavia, não haviam aprendido nada d’Ele, já lhe chama Mestre, considerando-se assim como discípulos e manifestando a causa pela qual o seguem” (São João Crisóstomo, In Ioannem, Hom. 17, sparsim), e ainda: “Estas palavras que reconhecem a Jesus Cristo como Doutor pelo testemunho de João e as circunstâncias que o acompanharam, explicam que os discípulos desejam o trato do Filho de Deus” (Orígenes), e: “E quando lhes disse: vinde, lhes convida a realizar. E quando lhes disse vede, lhes convida à contemplação” (Orígenes), e também: “Que formoso dia passaram! Que formosa noite! Edifiquemos assim nós em nosso coração e façamos uma casa digna, para que o Senhor venha e nos instrua” (Santo Agostinho, Ut Sup), e ainda: “Não em vão o Evangelista faz notar o tempo em que isso sucedeu, quando acrescenta: ‘Era a hora décima’, para dar a conhecer, tanto aos mestres como aos discípulos, que o ensinamento não deve dilatar-se a causa do tempo” (Teofilacto), e: “Esse número da hora simboliza a Lei que foi dada em dez preceitos.  Porque havia chegado o tempo em que devia cumprir-se a Lei por amor, já que os judeus não haviam podido cumpri-la nem ainda por temor. Assim, o Senhor na hora décima foi chamado Rabbi, se bem, não é Mestre da Lei, ainda que verdadeiro legislador” (Santo Agostinho, Ut Sup).

 

Edições Theologica comenta Jo 1, 35-39.

Depois das palavras do Batista, estes dois discípulos, movidos interiormente pela graça, aproximaram-se do Senhor. O testemunho de João é um exemplo das graças especiais que Deus outorga para atrair os Seus. Às vezes dirige um chamamento direto e pessoal que move interiormente as almas e as convida ao Seu seguimento; outras vezes, como neste caso, quer servir-Se de alguém que está ao nosso lado, que nos conhece e nos situa perante Cristo.

Nos dois discípulos existia já o desejo de ver o Messias; as palavras de João movem-nos a buscar a amizade com o Senhor: não é o interesse meramente humano, mas a personalidade de Cristo que os atrai. Querem conhecê-Lo, ter intimidade com Ele, ser doutrinados por Ele e gozar da Sua companhia. “Vinde e vereis”: doce convite a iniciar a familiaridade amistosa que buscavam. Necessitariam de tempo e de convívio pessoal com Cristo para se assegurarem mais na sua vocação. O apóstolo São João, um dos protagonistas desta cena, registra o momento em que teve lugar tal episódio: “Era por volta da hora décima”, as quatro da tarde aproximadamente.

A fé cristã não se reduz a uma mera curiosidade intelectual, mas é toda uma vida que não compreenderá quem realmente não a viva; por isso o Senhor não lhes explica de momento qual é o Seu modo de vida, mas convida-os a que convivam com Ele um dia. Santo Tomás de Aquino comenta este passo dizendo que o Senhor fala de um modo elevado e místico, porque o que Deus é na Sua glória ou na Sua graça não se pode saber senão por experiência, pois as palavras não conseguem explicá-lo. A esse conhecimento chega-se pelas boas obras (ao convite de Cristo obedeceram imediatamente, e, como prêmio, “viram”), pelo recolhimento e aplicação da mente à contemplação das coisas divinas, pelo querer saborear a doçura de Deus, pela assiduidade na oração. A tudo isto convidou o Senhor quando disse “vinde e vereis”, e tudo isso puderam alcançá-lo os discípulos quando, prestando atenção ao Senhor, efetivamente “foram” e puderam conhecer por experiência pessoal o que só com as palavras não teriam podido entender (cfr Comentário sobre S. João, ad Inc.).

 

Jo 1, 35-39 é comentado pelo Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena.

Ao testemunho do Pai: “Eis meu Filho muito amado, em quem ponho minha afeição” (Mt 3, 17), corresponde o do Batista: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Jesus, apresentado pelo Pai como seu Filho muito amado, é agora apresentado como Cordeiro inocente que será sacrificado em expiação dos pecados.

Não se trata, portanto, de Messias político, vindo para dar a Israel glória e poder terrenos, mas do “Servo de Javé” por Isaías anunciado, que toma sobre si as iniquidades dos homens e as repara com sua morte. Através de seu sacrifício torna-se luz e salvação não só para Israel, mas para toda a humanidade, e nele se manifesta a glória de Deus. “Servo meu és tu... através do qual manifestarei a minha glória... Vou fazer de ti luz das nações, para levares a minha salvação até aos confins do mundo” (Is 49,3.6). A profecia de Isaías, lida com olhos cristãos, torna-se transparente. Aquele que Deus, por boca do profeta, designava com o nome de “seu Servo” é o mesmo que agora, na plenitude dos tempos, Deus apresenta ao mundo como “seu Filho”, objeto de todas as suas complacências.

A divindade de Cristo resplandece: Unigênito do Pai, é Deus como o Pai: ao assumir a natureza humana, não perdeu sua divindade. Só a ocultou como que aniquilada, tomando, com efeito, a forma de servo, humilhando-se deveras, até à condição de Cordeiro oferecido em holocausto. Mas precisamente mediante este sacrifício que termina na ressurreição, encontra sua plena glória de Filho de Deus, e adquire o poder de comunicá-la a todos os homens, remindo-os do pecado e apresentando-os ao Pai como filhos.      

 

Dom Duarte Leopoldo comenta esse trecho do Evangelho de São João.

“João se achava lá de novo, com dois de seus discípulos”.

Estes dois discípulos eram André e, provavelmente, João Evangelista que, por modéstia, cala aqui o seu nome.

“Décima hora”. A décima hora do dia corresponde a quatro horas da tarde. Os judeus dividiam a noite em doze horas, assim como o dia. O dia legal começava ao pôr do sol e não à meia-noite.

 

O Pe. Francisco Fernández-Carvajal comenta Jo 1, 35-39.

João Batista prepara os homens para a vinda do Senhor. E quando ele vê Jesus que vinha ao seu encontro, diz: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29).

João Paulo II escreve: “Estamos acostumados às palavras Cordeiro de Deus, e, no entanto, são palavras sempre maravilhosas, misteriosas, são palavras poderosas” (Homilia, 18 de março de 1981).

Que ressonância não teria essa expressão nos ouvintes que conheciam o significado do cordeiro pascal, cujo sangue fora derramado na noite em que os judeus tinham sido libertados da escravidão no Egito! Além disso, todo o israelita conhecia bem o texto em que Isaías comparava os sofrimentos do Servo de Javé, o Messias, ao sacrifício de um cordeiro. O cordeiro pascal que se sacrificava cada ano no Templo evocava não só a libertação, mas também o pacto que Deus tinha feito com o seu povo: era promessa e figura do verdadeiro Cordeiro, Cristo, que se ofereceria como Vítima no sacrifício do Calvário em favor de toda a humanidade. Ele é o verdadeiro Cordeiro que tirou o pecado do mundo, que morrendo destruiu a morte e ressuscitando nos deu a vida. Por sua vez, São Paulo dirá aos primeiros cristãos de Corinto que Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado, e convida-os a uma vida nova, a uma vida santa.

A expressão “Cordeiro de Deus” foi muito meditada e comentada pelos teólogos e autores espirituais; trata-se de um título “rico em conteúdo teológico. É um desses recursos da linguagem humana que tenta expressar uma realidade plurivalente e divina. Ou, para dizê-lo melhor, é uma dessas expressões cunhadas por Deus para revelar algo muito importante sobre si mesmo” (A. Garcia Moreno).

Desde os primeiros tempos, a arte cristã representou Jesus Cristo, Deus e Homem, sob a figura do Cordeiro pascal. Quando a iconografia o retrata recostado sobre o Livro da vida, quer recordar um ensinamento fundamental da nossa fé: Jesus é Aquele que tira o pecado do mundo, Aquele que foi sacrificado e possui todo o poder e sabedoria. Diante d’Ele prostram-se em adoração os vinte e quatro anciãos, segundo a visão do Apocalipse; é Ele quem preside a grande ceia das bodas nupciais, quem recebe a Esposa, quem purifica com o seu sangue os bem-aventurados... e quem é o único que pode abrir o livro dos sete selos: o Princípio e o Fim, o Alfa e o Ômega, o Redentor cheio de mansidão e o Juiz onipotente que há de vir retribuir a cada um segundo as suas obras.

Este é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, anuncia São João Batista; e este pecado do mundo engloba todo o gênero de pecados: o original, que em Adão afetou também os seus descendentes, e os pessoais dos homens de todos os tempos. No Cordeiro de Deus está a nossa esperança de salvação.

A profecia de Isaías cumpriu-se no Calvário e torna a atualizar-se em cada Missa. A Igreja quer que agradeçamos ao Senhor por ter Ele querido entregar-se até à morte pela nossa salvação, por ter querido ser alimento das nossas almas.

O cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Jesus converteu-se no Cordeiro imaculado, que se imolou com docilidade e mansidão absolutas para reparar as faltas dos homens, os seus crimes e as suas traições. É um título muito expressivo, “porque a palavra Cordeiro, referida a Cristo, significa três coisas: mansidão de condição, pureza e inocência de vida, satisfação de sacrifício e de oferenda” (Frei Luís de Granada).

É notável a insistência de Cristo na sua constante chamada aos pecadores: Pois o Filho do homem veio salvar o que estava perdido. Ele lavou os nossos pecados no seu sangue. A maior parte dos seus contemporâneos conhecia-o precisamente por essa atitude misericordiosa; os escribas e fariseus murmuravam e diziam: Ele recebe os pecadores e come com eles. E surpreendem-se porque perdoa a mulher adúltera com umas palavras muito simples: Vai e não peques mais. E dá-nos a mesma lição na parábola do publicano e do fariseu: Senhor, tem piedade de mim, que sou um pecador, e na parábola do filho pródigo... A relação dos seus ensinamentos e dos seus encontros misericordiosos seria interminável, gozosamente interminável. Podemos nós perder a esperança de conseguir o perdão, quando é Cristo quem perdoa? Podemos nós perder a esperança de receber as graças necessárias para sermos santos, quando é Cristo quem no-las pode dar? Isto nos cumula de paz e de alegria.

Como prova concreta desses sentimentos do Senhor, contamos com o sacramento do perdão, que nos concede as graças necessárias para lutarmos e vencermos os defeitos que talvez estejam arraigados no nosso caráter, e que são muitas vezes a causa do nosso desalento. Como é que o aproveitamos? Como é que nos esforçamos por extrair dele todas as graças que o Senhor nos quer conceder?

Para isso, vejamos como são o nosso exame de consciência, a dor dos nossos pecados e o nosso propósito de emenda. “Poder-se-ia dizer que são, respectivamente, atos próprios da fé, que nos leva ao conhecimento sobrenatural da nossa conduta, de acordo com as nossas obrigações; do amor, que agradece os dons recebidos e chora a sua falta de correspondência; e da esperança, que vai à luta no tempo que Deus concede a cada um para que se santifique. E assim como dessas três virtudes a maior é o amor, assim a dor — a compunção, a contrição — é o elemento mais importante do exame de consciência; se não desemboca na dor, talvez isso indique que estamos dominados pela cegueira, ou que o objetivo da nossa revisão de vida não procede do amor a Deus. Mas, quando as nossas faltas nos levam a essa dor [...], o propósito brota de um modo imediato, decidido e eficaz” (A. del Portillo).

Senhor, ensinai-me a arrepender-me, indicai-me o caminho do amor! Movei-me com a vossa graça à contrição quando eu tropeçar! Que as minhas fraquezas me levem a amar-vos cada vez mais!

João Paulo II escreve: “Jesus Cristo traz-nos a chamada à santidade e dá-nos continuamente a ajuda necessária para a nossa santificação. Dá-nos continuamente o poder de chegarmos a ser filhos de Deus. Esta força de santificação do homem [...] é o dom do Cordeiro de Deus”.

O caminho da santidade percorre-se mediante uma contínua purificação do fundo da alma, que é condição essencial para amarmos cada dia mais a Deus. Por isso o amor à confissão frequente é um sintoma claro de delicadeza interior, de amor a Deus; e o desprezo ou indiferença por ela — que se revelam quando surgem facilmente a desculpa ou o atraso — indicam falta de finura de alma e talvez tibieza, grosseria e insensibilidade para as moções que o Espírito Santo suscita no coração.

De cada vez que recebemos o sacramento da Penitência, ouvimos, como Lázaro, aquelas palavras de Cristo: Desatai-o e deixai-o ir, porque as faltas, as fraquezas, os pecados veniais... atam e prendem o cristão, não o deixando seguir o seu caminho com rapidez: “E assim como o defunto saiu ainda atado, aquele que vai confessar-se ainda é réu. Para que fique livre dos seus pecados, o Senhor diz aos seus ministros: Desatai-o e deixai-o ir...” (Santo Agostinho). O sacramento da Penitência rompe todos os liames com que o demônio tenta segurar-nos para que não apressemos o passo no seguimento de Cristo.

A confissão frequente dos nossos pecados está muito relacionada com a santidade, pois nela o Senhor afina a nossa alma e nos ensina a ser humildes. A tibieza, pelo contrário, cresce onde aparecem o desleixo e o descaso, as negligências e os pecados veniais sem arrependimento sincero. Na confissão contrita, deixamos a alma clara e limpa. E, como somos fracos, só a confissão frequente permitirá um estado permanente de limpeza e de amor.

B. Baur escreve: “Um dos principais motivos para o alto apreço em que devemos ter a confissão frequente é que, se bem praticada, torna totalmente impossível um estado de tibieza. Esta é a convicção que leva a Santa Igreja a recomendar com tanta insistência a confissão frequente ou a confissão semanal”. E é por isso que devemos esforçar-nos por cuidar da sua pontualidade e por aproximar-nos dela com seriedade cada vez maior.

Cristo, Cordeiro imaculado, veio limpar-nos dos nossos pecados, não só dos graves, mas também das impurezas e das faltas de amor da vida diária. Examinemos hoje com que amor nos aproximamos do sacramento da Penitência e vejamos se o fazemos com a frequência que o Senhor nos pede.

 

Em Jo 1, 40-42 diz: “André, o irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram as palavras de João e seguiram Jesus.  Encontrou primeiramente Simão e lhe disse: ‘Encontramos o Messias (que quer dizer Cristo)’. Ele o conduziu a Jesus. Fitando-o, disse-lhe Jesus: ‘Tu és Simão, o filho de João; chamar-te-ás Cefas’ (que quer dizer Pedra)”.

 

São João Crisóstomo escreve: “E por que não citou o nome do outro? Alguns dizem: porque o que escreve era o outro dos que o seguiam. E outros asseguram que o outro discípulo não era pessoa de importância. E que utilidade tiraremos de conhecer o nome do outro? Tão pouco o evangelista fez menção dos nomes dos setenta e dois discípulos” (In Ioannem, Hom. 17), e: “Possivelmente, os dois discípulos que seguiram a Jesus foram André e Felipe” (Alcuino), e também: “O que André aprendeu de Jesus não o reteve para si, mas cheio de alegria correu imediatamente a contar a seu irmão o bem que havia recebido. Por isso segue: ‘Este falou primeiramente a seu irmão Simão e lhe disse: encontramos o Messias, que quer dizer o Cristo” (São João Crisóstomo, In Ioannem, Hom. 18 et 19), e ainda: “A palavra Messias, em hebreu, e Cristo, em grego, em castelhano significa ‘ungido’. Crisma é a unção e Jesus foi ungido de uma maneira especial. Assim é que nós cristãos somos ungidos, segundo o que se disse no Salmo: ‘Eis por que Deus, o teu Deus, te ungiu com o óleo da alegria, como a nenhum dos teus rivais’ (44, 8). Na verdade, todos os santos são seus companheiros, porém, Aquele santo de um modo singular, e foi ungido de uma maneira particular” (Santo Agostinho, In Ioannem, Tract. 7), e: “Por isso, não disse simplesmente Messias, mas com o artigo: o Messias. Observe-se também a grandeza da obediência de São Pedro desde o princípio, que imediatamente e sem tardança correu para ver o Salvador. Por isso segue: ‘E o levou a Jesus” (São João Crisóstomo, Ut Sup), e também: “O olhou, não só com os olhos exteriores, mas com o olhar interior da divindade, vendo a simplicidade de seu coração e a elevação de sua alma, em razão de seu amor, mereceu o primeiro lugar em toda a Igreja. Não devemos buscar na palavra Pedro outra interpretação, nem em hebreu, nem em sírio, porque o mesmo significa em grego e em latim Pedro, que Cefas em sírio, e em uma outra língua essa palavra se deriva de pedra. E se chama Pedro pela firmeza de sua fé com a qual se aderiu àquela pedra de quem disse o apóstolo: ‘Mas a pedra é Cristo’ (1 Cor 10, 4), que robustece contra os ataques dos inimigos os que esperam n’Ele, e lhes concede abundância de bens espirituais” (São Beda, Hom. in vig. S. Andreae).

 

Edições Theologica comenta Jo 1, 40-42.

O Evangelista indica-nos agora o nome de um dos dois discípulos que tinham protagonizado a cena anterior; voltará a falar de André a propósito da multiplicação dos pães e da última Páscoa.

Não se sabe com certeza quem era o segundo dos discípulos; mas já desde os primeiros séculos da era cristã se considera que é o próprio Evangelista. A vivacidade do relato, o pormenor de indicar a hora em que sucediam estes fatos, e inclusivamente a tendência de João para ficar no anonimato (cfr 19,16; 20,2; 21,7.20), parecem confirmá-lo.

São Josemaría Escrivá escreve: “O Apóstolo João, que verte no seu Evangelho a experiência de uma vida inteira, narra a primeira conversa com o encanto daquilo que nunca mais se pode esquecer: Mestre, onde moras? Disse-lhes Jesus: Vinde e vede. Foram, pois, e viram onde morava e ficaram com Ele aquele dia. Diálogo divino e humano, que transformou a vida de João e de André, de Pedro, de Tiago e de tantos outros; que preparou os seus corações para escutarem a palavra imperiosa que Jesus lhes dirigiu junto ao mar da Galiléia” (Cristo que passa, n.° 118).

Aquelas horas que tinham passado junto do Senhor produzem depressa os primeiros frutos de apostolado. André, sem poder ocultar a sua alegria, comunica a Simão Pedro a notícia de ter encontrado o Messias e leva-o até Ele. Como então, também agora é urgente fazer que outros conheçam o Senhor.

“Um dia — não quero generalizar, abre o teu coração ao Senhor e conta-Lhe tu a tua história — talvez um amigo, um cristão normal e corrente como tu, te tenha feito descobrir um panorama profundo e novo e ao mesmo tempo tão antigo como o Evangelho. Sugeriu-te a possibilidade de te empenhares seriamente em seguir Cristo, em ser apóstolo de apóstolos. Talvez tenhas perdido então a tranquilidade e não a terás recuperado, convertida em paz, até que, livremente, porque ‘muito bem te apeteceu’ — que é a razão mais sobrenatural — respondeste a Deus que sim. E veio a alegria, vigorosa, constante, que só desaparece quando te afastas d’Ele” (Idem., Cristo que passa, n.° 1).

Como gostaríamos de contemplar o olhar de Jesus! Aqui, pelas palavras que pronuncia o Senhor, aparece como imperioso e fascinante. Noutras circunstâncias, com o Seu olhar convidará a deixar tudo e a segui-Lo, como no caso de Mateus (Mt 9,9); ou encher-se-á de amor, como no encontro com o jovem rico (Mc 10,21); ou de ira e de tristeza, vendo a incredulidade dos fariseus (Mc 2,5); de compaixão, diante do filho da viúva de Naim (Lc 7,13); saberá remover o coração de Zaqueu, produzindo a sua conversão (Lc 19,5); enternecer-se-á diante da fé e da grandeza de ânimo da pobre viúva que deu como esmola tudo o que possuía (Mc 12,41-44). O Seu olhar penetrante punha a descoberto a alma diante de Deus, e suscitava ao mesmo tempo o exame e a contrição. Assim olhou Jesus para a mulher adúltera (Jo 8,10), e assim olhou para o próprio Pedro que, depois da sua traição (Lc 22,61), chorou amargamente (Mc 14,72).

“Hás de chamar-te Kefá”: Pôr o nome equivalia a tomar posse do nomeado (cfr Gn 17,5; 22,28; 32,28; Is 62,2). Assim, p. ex., Adão, constituído dono da criação, pôs nome a todas as coisas (Gn 2,20). “Kefá” é transcrição grega de uma palavra aramaica que quer dizer pedra, rocha. Daqui que, escrevendo em grego, São João tenha explicado o significado do termo empregado por Jesus. Kefá não era nome próprio, mas o Senhor impõe-no ao Apóstolo para indicar a função de Vigário Seu, que lhe será revelada mais adiante (Mt 16,16-18): Simão estava destinado a ser pedra, a rocha da Igreja.

Os primeiros cristãos consideravam tão significativo este novo nome que o empregaram sem o traduzir (cfr Gl 2,9.11.14); depois tornou-se corrente a sua tradução — Pedro —, que ocultou o antigo nome do Apóstolo—Simão —.

“Filho de João”: A antiga documentação manuscrita oferece variantes, como “filho de Jonas”.

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 14 de janeiro de 2009

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. "Vinde e vede"

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