BOA TRISTEZA

(2 Cor 7, 10)

 

“Com efeito, a tristeza segundo Deus produz arrependimento que leva à salvação...”

 

 

São Francisco de Sales escreve: “A tristeza pode, pois, ser boa ou má, conforme os diversos efeitos que em nós opera; mas em geral ela opera mais piores efeitos do que bons, porque os bons são só dois: a misericórdia e a penitência”.

O Apóstolo São Paulo diz que há uma tristeza que causa a morte, é a do século; mas há uma tristeza que nos faz operar a salvação; é Deus que a inspira: “Com efeito, a tristeza segundo Deus produz arrependimento que leva à salvação e não volta atrás, ao passo que a tristeza segundo o mundo produz a morte” (2 Cor 7, 10). A boa tristeza pode nascer em nós de diversos motivos. A lembrança dos pecados que cometemos causa-nos dor, contrição e lágrimas de penitência. Esta tristeza, diz São Paulo Apóstolo, é segundo Deus. – Assim é também a que provém do desejo de nos santificarmos, e que nos faz gemer amargamente pelas faltas, imperfeições, más inclinações que notamos em nós, pelo pouco progresso na vida interior e verdadeira santidade, numa palavra, por todas as nossas misérias espirituais.

A boa tristeza equivaleria à contrição: “... dor da alma e detestar o pecado cometido, com propósito de não pecar doravante” (Concílio de Trento).

A boa tristeza “... leva ao arrependimento e à penitência, e é esperançada, porque confia no perdão; por isso, dessa tristeza se pode dizer que leva consigo a alegria: é a que manifestam os fiéis de Corinto. A segunda, pelo contrário, leva ao desespero: reconhece-se o pecado cometido, mas – por soberba – parece impossível alcançar o perdão; foi a tristeza de Judas que o levou ao suicídio” (Edições Theologica).

Uma outra fonte de tristeza meritória é o pensamento dos pecados que se cometem no mundo. Quem ama o Senhor e tem zelo pela sua glória não pode deixar de sentir dor ao ver seu Criador ofendido, ultrajado em suas infinitas perfeições: “Tal é o fruto produzido pela ‘lágrima de amor’, na  pessoa que conseguiu sentar-se à mesa do Crucificado, cheio de desejo santo e com intolerável dor pelas ofensas cometidas contra mim, seu criador. Mas não é uma dor angustiante. A angústia já cessara, quando o amor paciente destruiu o temor servil e o egoísmo, únicos fatores que fazem sofrer. A dor sentida é uma dor que conforta, pois nasce da caridade e é causada pelo conhecimento de pecados contra mim e de danos sofridos pelos pecadores. É um sentimento que brota do amor e enriquece o homem; algo que alegra, algo que revela minha presença na graça” (Santa Catarina de Sena).

A fé e o amor forneciam aos santos uma multidão de outros motivos de derramar lágrimas diante de Deus. Ora eram lágrimas de compunção ao pensamento de suas leves faltas; ora lágrimas de devoção e reconhecimento por se verem cumulados de benefícios pela bondade divina;  outras vezes choravam a Paixão do Salvador como São Francisco de Assis; ou então, refletindo na duração do seu exílio, gemiam por estarem afastados do soberano bem e sempre em perigo de perder-se.

Existem vantagens da boa tristeza.

A tristeza conforme Deus torna-nos humildes, recordando-nos as faltas que cometemos e o fundo de corrupção que existe em nós; purifica-nos a consciência de todas as suas manchas e desapega-nos o coração das vaidades da terra: “Quando o homem tem perfeita compunção, logo lhe é pesado e amargo todo o mundo” (Tomás de Kempis). Longe de comprazer-se em entretenimentos inúteis, procura a solidão para conversar com Deus. A curiosidade de tudo ver, ler e ouvir; o desejo de aparecer, exibir-se, gozar livremente; todas essas tendências perigosas amortecem-se nas lágrimas do arrependimento.

Cassiano diz: “A tristeza que causa um arrependimento salutar é própria do homem obediente, afável humilde, doce, suave e paciente, enquanto deriva do amor de Deus. Sofre infatigável a dor física e a contrição do espírito, graças ao vivo desejo de perfeição que o anima. É também alegre e em certo modo sente-se como robustecido pela esperança do seu aproveitamento. A tristeza diabólica é diametralmente oposta. É áspera, impaciente, dura, cheia de amargura e de desgosto, e caracteriza-a também uma espécie de desespero penoso”, e: “Deus mesmo enxugará as lágrimas dos eleitos” (Ap 21, 4), e também: “Depois de termos semeado em prantos, colheremos no júbilo e na alegria” (Sl 125, 5-6).

Não somos nós insensíveis ao que fazia chorar os santos, isto é, aos escândalos que se cometem, aos ultrajes que a majestade divina recebe, e ao  pensamento do grande número de almas que perecem diariamente? E somos tão delicados e suscetíveis quando se trata dos nossos interesses, da nossa honra e da nossa saúde. Donde nos vêm essas disposições? Sem dúvida do amor próprio que em nós avantaja sobre o amor divino.

 

Três santas e a boa tristeza

 

1. Santa Maria do Egito

Por diversão e curiosidade fútil, Maria decidiu acompanhar os romeiros que se dirigiam à Terra Santa para a ‘Festa da Santa Cruz’. Ao chegar à porta da igreja, entretanto, não conseguiu entrar. A multidão passava por ela e ia para o interior do templo sem nenhum problema, mas ela não conseguia pisar no solo sagrado. Uma força invisível a mantinha do lado de fora e, por mais que tentasse, suas pernas não obedeciam a seu comando.

Ela teve, então, um pensamento que lhe atingiu a mente como um raio. Uma voz lhe disse que seus pecados a tinham tornado indigna de comparecer diante de Deus, o que a fez chorar amargamente. Dali onde estava, podia ver uma imagem de Nossa Senhora. Maria rezou e pediu à Santíssima Mãe que intercedesse por ela. Prometeu viver na penitência do deserto o resto da vida, se Deus a perdoasse naquele momento. No mesmo instante, a força invisível sumiu e ela pode, enfim, entrar.

Após ter confessado e comungado, a ex-mundana tornou-se totalmente uma penitente religiosa, rezando e se alimentando de sementes, ervas e água. Retirou-se do mundo completamente. Um dia antes de morrer, foi encontrada pelo monge Zózimo andando sobre as águas do rio Jordão.

 

2. Santa Margarida de Cortona

Órfã de mãe, era uma linda jovem que conquistou o coração de um rico homem, com quem viveu amasiada por nove anos. Aconteceu que o rico jovem foi assassinado, e por isto, ao ver o seu corpo em decomposição, Margarida começa a pensar nas futilidades de sua vida. Santa Margarida dirigiu-se para Cortona a fim de repousar nos braços misericordiosos de Deus Pai, através do Sacramento da Reconciliação. A partir da conversão, a vida de Margarida foi uma luta constante para a santidade através dos exercícios de penitência, a ponto de fazer de uma pedra o seu travesseiro; o chão, de cama, e, como alimento, apenas pão e água. Diante de uma vida intensa e nova na santidade, viveu da oração e sacrifício, isto mesmo na dor, provações e sofrimentos. Purificada e liberta do domínio do pecado, Santa Margarida de Cortona entrou na Glória Celestial no ano de 1297.

 

3. Santa Pelágia

Era uma bailarina de Antioquia, que o povo chamava de Margarida, isto é, pérola preciosa, pela rara beleza de sua face e pelos ricos ornamentos do seu corpo, tão impressionante a ponto de numa procissão, ter chamado a atenção do próprio bispo da cidade. Este, após instantes de desorientação, se recompôs e achou um modo de extrair um útil ensinamento moral daquela aparição tão sedutora: se uma mulher – comentou – torna-se tão bonita para aprazer a um homem mortal, como deveremos nós enfeitar a nossa alma destinada ao eterno Deus? Aquela mulher foi atingida pela graça ao escutar ocasionalmente as palavras do bispo. Foi prostrar-se aos seus pés e obteve o batismo. Trocou, portanto, os preciosos vestidos por uma túnica de penitente.

Abandonando de noite a cidade de Antioquia, foi a pé até Jerusalém, onde viveu o resto dos seus anos de vida fechada numa gruta no monte das Oliveiras.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 02 de outubro de 2009

 

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Tomás de Kempis, Imitação de Cristo

Cassiano, Institutiones, lib. IX, cap. XI

Pe. Luis Bronchain, Meditações para todos os dias do ano

Concílio de Trento, De Paenitentia, cap. 4

São Francisco de Sales, Filotéia, Parte IV, cap. 12

Santa Catarina de Sena, O Diálogo

 

  

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Boa tristeza”
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