O REINO DE MIL ANOS

(Ap 20, 1-6)

 

“Vi então um Anjo descer do céu, trazendo na mão a chave do Abismo e uma grande corrente. Ele agarrou o Dragão, a antiga Serpente — que é o Diabo, Satanás — acorrentou-o por mil anos e o atirou dentro do Abismo, fechando-o e lacrando-o com um selo para que não seduzisse mais as nações até que os mil anos estivessem terminados. Depois disso, ele deverá ser solto por pouco tempo. Vi então tronos, e aos que neles se sentaram foi dado poder de julgar. Vi também as vidas daqueles que foram decapitados por causa do Testemunho de Jesus e da Palavra de Deus, e dos que não tinham adorado a Besta, nem sua imagem, e nem recebido a marca sobre a fronte ou na mão: eles voltaram à vida e reinaram com Cristo durante mil anos. Os outros mortos, contudo, não voltaram à vida até o término dos mil anos. Esta é a primeira ressurreição. Feliz e santo aquele que participa da primeira ressurreição! Sobre estes a segunda morte não tem poder; eles serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e com ele reinarão durante mil anos”.

 

Em Ap 20, 1-3 diz:  “Vi então um Anjo descer do céu, trazendo na mão a chave do Abismo e uma grande corrente. Ele agarrou o Dragão, a antiga Serpente — que é o Diabo, Satanás — acorrentou-o por mil anos e o atirou dentro do Abismo, fechando-o e lacrando-o com um selo para que não seduzisse mais as nações até que os mil anos estivessem terminados. Depois disso, ele deverá ser solto por pouco tempo”.

Depois de estabelecida a justiça com a punição de Roma, simbolizada na ruína da grande Prostituta (cap. 17) e da grande cidade de Babilônia (cap. 18), e depois do extermínio das duas Bestas (cap. 19), agora, no capítulo 20, é a vez da batalha contra o inimigo número um e instigador de todo o mal, o grande Dragão, aqui bem identificado com diversos nomes: a Serpente antiga, o Diabo e Satanás.

E esta batalha não é apresentada de uma só vez, mas em dois momentos. Num primeiro, o Demônio é dominado provisoriamente, já sem poder fazer o mal que quer, o que é dito simbolicamente: acorrentado durante mil anos (v. 2; cfr. 2 Pd 2, 4). Num segundo momento, é apresentado num ataque final mais violento, em que fica completamente derrotado (vv. 7-10).

Como já foi explicado, a batalha entre Satanás e Deus é apresentada em dois momentos: no primeiro conta-se que satanás é dominado e privado temporariamente do seu poder (vv. 1-3); no segundo narra-se o seu ataque último contra a Igreja e o seu destino final (vv. 7-10). Entre esses dois momentos situa-se o reinado de Cristo e dos seus durante mil anos (vv. 4-6). Como culminação do segundo momento chega o Juízo Universal, com a condenação dos ímpios (vv. 11-18) e a instauração de um mundo novo (cap. 21, 1-8).

O abismo designa um lugar misterioso, diferente do tanque de fogo ou Inferno.

O tempo durante o qual está encadeado Satanás coincide com o do reinado dos santos com Cristo: mil anos (cfr. v. 4), e opõe-se ao “pouco tempo” durante o qual poderá atuar de novo. Tal oposição é significativa e pode querer expressar simplesmente, de forma simbólica, que o poder de Cristo é muito superior ao de Satanás – como “mil anos” relativamente a “pouco tempo” -, e que o poder diabólico acabará irremissivelmente, ainda que em algum momento se apresente com força inesperada.

O Pe. José Salguero comenta Ap 20, 1-3: São João Evangelista, vidente de Patmos, contempla um anjo que desce do céu com as chaves do abismo e uma grande corrente em sua mão (v.1). Vem preparado para a missão que Deus lhe encomendou em favor de sua Igreja. Vai fazer prisioneiro ao Dragão, encadeando-o e encerrando-o por certo tempo no abismo. O abismo no qual será encerrado o Dragão é o lugar em que se encontram as potências infernais. Deus tem o poder de abrir e fechar esse abismo (Ap 9, 1), pois possui a chave do hades e da morte (Ap 1, 18). Ele pode mandar o anjo com a chave para encerrar nele o Dragão. E, com efeito, o anjo apanhou o Dragão e atou-o com a corrente durante mil anos (v. 2).

O autor sagrado identifica expressamente o Dragão encadeado com Satanás, ou o que é o mesmo, com o Diabo e a serpente antiga (Ap 12, 9).

A prisão do Dragão no Abismo durará mil anos. Este período de tempo tem uma importância especial neste trecho, onde se repete até cinco vezes (Ap 20, 2. 3. 5. 6. 7). O número mil anos indica um tempo muito longo, porém, indefinido. E, por longo que seja, em comparação com a eternidade resulta só um pequeno lapso de tempo.

O anjo encadeou o Dragão, o lançou no abismo  e o fechou com a chave, pondo sobre ele o selo de Deus para que não saísse  e  extraviasse as nações (v.3). Durante a prisão que durará mil anos, o Dragão não poderá seguir seduzindo as nações contra a Igreja de Cristo. Deste modo, os cristãos se verão livres de seus mais terríveis inimigos que lhes perseguiam até a morte. E poderão gozar de paz durante todo esse tempo. Passados os mil anos, o Dragão será solto durante um tempo para que ponha em execução sua façanha, à que seguirá a derrota definitiva.

A prisão em que será encerrado o Dragão é a mesma onde foram lançados a Besta e o falso profeta (Ap 20, 10).

O lago é o lugar de tormento no qual se expiam seus pecados os condenados; o abismo é uma prisão provisória de detidos, onde o Dragão sofrerá um castigo preliminar antes de sua derrota definitiva.

Em Ap 20, 4-6 diz: “Vi então tronos, e aos que neles se sentaram foi dado poder de julgar. Vi também as vidas daqueles que foram decapitados por causa do Testemunho de Jesus e da Palavra de Deus, e dos que não tinham adorado a Besta, nem sua imagem, e nem recebido a marca sobre a fronte ou na mão: eles voltaram à vida e reinaram com Cristo durante mil anos. Os outros mortos, contudo, não voltaram à vida até o término dos mil anos. Esta é a primeira ressurreição. Feliz e santo aquele que participa da primeira ressurreição! Sobre estes a segunda morte não tem poder; eles serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e com ele reinarão durante mil anos”.

O poder de julgar pertence propriamente a Jesus Cristo, que o recebeu do Pai (cfr, p. ex., Jo 5, 22; 9, 39; At 10, 42). Mas ao mesmo tempo o Senhor faz participar do seu poder os Apóstolos, aos quais promete que se sentarão em doze tronos para julgar as tribos de Israel (cfr. Mt 19, 28). Também os outros cristãos participarão do poder de julgar que tem Cristo (cfr. 1 Cor 6, 2-3).

O período de “mil anos” foi objeto de diversas interpretações. Uma delas, chamada milenarista, sustentada por alguns antigos escritores eclesiásticos, propugnava -  entendendo ao pé da letra – que depois de uma ressurreição dos mortos, Cristo reinaria na terra durante mil anos: a Igreja nunca aceitou tal interpretação. Como as outras cifras no Apocalipse, também o número mil se há de entender num sentido mais simbólico que aritmético. Pode indicar o período que vai desde a Encarnação do verbo até ao fim da história ou Parusia. Também se pode considerar esse milênio como expressão de um mundo futuro depois da segunda vinda do Senhor, ou tomá-lo como símbolo de magnitude contraposta a “pouco tempo”. Finalmente, poderia pensar-se que o autor do Apocalipse agrupa duas concepções existentes no judaísmo do seu tempo: a que entendia o fim dos tempos como um reino messiânico intramundano, e a que considerava esse fim como um futuro transcendente a este mundo, com a aparição de um mundo novo: novos céus e nova terra.

Explicação semelhante: Mil anos: um longo tempo indeterminado. Segundo a interpretação mais coerente, que veio a prevalecer a esse tempo, corresponde o tempo da Igreja, desde a primeira até à última vinda de Cristo, no qual se dá a primeira ressurreição (v. 5), uma forma simbólica de designar o Batismo como ressurreição espiritual (cfr. Rm 6, 4-5; Cl 2, 12); é o período para dar testemunho de Jesus (v. 4), o período dos mártires e daqueles que não se deixaram seduzir pela Besta, e estão de tal maneira unidos a Cristo que a visão os apresenta sentados em tronos participando do seu poder de julgar (v. 4; cfr. Mt 19, 28; 1 Cor 6, 2-3).

E o autor não deixa de proclamar mais uma das sete bem-aventuranças do Apocalipse, atingindo aqui a máxima densidade: Feliz e santo aquele que participa da primeira ressurreição! Sobre estes a segunda morte não tem poder; eles serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e com ele reinarão durante mil anos. A segunda morte é a morte eterna (cfr. v.14). E é no tempo da Igreja, já aqui na terra, que os cristãos participam do sacerdócio e da realeza de Cristo, um tema que está bem presente no Apocalipse (1, 6; 5, 10; cfr. 1 Pd 2, 5.9; Ex 19, 6; Is 61, 6) e que o Concílio Vaticano II pôs em grande relevo (LG, 10): “Os batizados são consagrados para serem casa espiritual, sacerdócio santo, a fim de que, por meio de todas as obras próprias do cristão, ofereçam oblações espirituais e anunciem os louvores d’Aquele que das trevas os chamou à sua admirável luz (...). Ofereçam-se a si mesmos como hóstias vivas, santas, agradáveis a Deus, dêem testemunho de Cristo em toda a parte, e, àqueles que lha pedirem, dêem  razão da esperança da vida eterna que neles habita (cfr. 1 Pd 3, 15).  O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se mutuamente um para o outro; pois um e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de Cristo. Com efeito, o sacerdote ministerial, pelo seu poder sagrado, forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo  e oferece-o a Deus em nome de todo o povo; os fiéis, por sua vez, concorrem para a oblação da Eucaristia em virtude do seu sacerdócio real, que exercem na recepção dos sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade operosa”.

Explicação semelhante: Nosso Senhor Jesus Cristo apresenta a instauração do reino messiânico em duas etapas: a sua primeira vinda, em que mostra o seu poder contra o Demônio e inaugura o Reino de Deus; e a sua segunda vinda, no fim dos tempos, em que esse Reino se instaurará em plenitude. Daí que, entre todas as explicações do milênio, a mais acertada pareça ser a que já propôs Santo Agostinho. Segundo ele, esse milênio abarca o tempo que transcorre desde a Encarnação do Filho de Deus até a sua vinda no fim dos séculos. Durante esse tempo a atividade do Demônio está recortada e em certo modo encadeada. Cristo reina na Igreja triunfante de modo pleno e de forma incoada na Igreja militante. O poder do Demônio perdeu a sua soberania e o homem pode escapar dele. Assim, ainda que “queira fazer dano, não pode porque este poder está sob outro poder (...) já que quem dá faculdade ao tentador, dá também a sua misericórdia ao que é tentado. Limitou ao Diabo as autorizações de tentar” (Santo Agostinho). Na realidade, “o Demônio é um grande cão encadeado que persegue e que faz muito ruído, mas que somente morde aqueles que se aproximam demasiado dele” (São João Maria Vianney).

A primeira ressurreição entende-se então de forma espiritual, aplicando-a ao Batismo, que regenera o homem e lhe dá nova vida, libertando-o do pecado e fazendo-o filho de Deus. A segunda é a que terá lugar no fim dos tempos, quando o corpo recuperar a vida, e o ser humano gozar para sempre, em alma e corpo, da felicidade eterna. Os outros mortos de que se fala aqui são aqueles que não receberam o Batismo. Também estes ressuscitarão no último dia para serem julgados segundo as suas

obras.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 17 de novembro de 2013

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Lumen Gentium, 10

Edições Theologica

Pe. Geraldo Morujão, Apocalipse

Pe. José Salguero, Bíblia comentada

Santo Agostinho, De Serm. Dom. in monte, II, 9, 34

São João Maria Vianney, Sermões escolhidos

Pe. Miguel Nicolau, La Sagrada Escritura, Texto y comentário

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “O reino de mil anos”

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