LIVRO SELADO COM SETE SELOS

(Ap 5, 1-14)

 

1 Vi depois, na mão direita daquele que estava sentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora e selado com sete selos. 2 Vi então um Anjo poderoso, proclamando em alta voz: Quem é digno de abrir o livro, rompendo seus selos? 3 Mas ninguém no céu, nem na terra ou sob a terra era capaz de abrir nem de ler o livro. 4 Eu chorava muito, porque ninguém foi considerado digno de abrir nem de ler o livro. 5 Um dos Anciãos, porém, consolou-me: Não chores! Eis que o Leão da tribo de Judá, o Rebento de Davi, venceu para poder abrir o livro e seus sete selos. 6 Com efeito, entre o trono com os quatro Seres vivos e os Anciãos, vi um Cordeiro de pé, como que imolado. Tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus enviados por toda a terra. 7 Ele veio então receber o livro da mão direita daquele que está sentado no trono. 8 Ao receber o livro, os quatro Seres vivos e os vinte e quatro Anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, cada um com uma cítara e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos,  9 cantando um cântico novo: Digno és tu de receber o livro e de abrir seus selos, pois foste imolado e, por teu sangue, resgataste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação. 10 Deles fizeste, para nosso Deus, uma Realeza e Sacerdotes; e eles reinarão sobre a terra. 11 Em minha visão ouvi ainda o clamor de uma multidão de anjos que circundavam o trono, os Seres vivos e os Anciãos — seu número era de milhões de milhões e milhares de milhares — 12 proclamando, em alta voz: Digno é o Cordeiro imolado de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor. 13 E ouvi toda criatura no céu, na terra, sob a terra, no mar, e todos os seres que neles vivem, proclamarem: Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro pertencem o louvor, a honra, a glória e o domínio pelos séculos dos séculos!  14 Os quatro Seres vivos diziam: Amém! e os Anciãos se prostraram e adoraram”.

 

Em Ap 5, 1-5 diz: “Vi depois, na mão direita daquele que estava sentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora e selado com sete selos. Vi então um Anjo poderoso, proclamando em alta voz: Quem é digno de abrir o livro, rompendo seus selos? Mas ninguém no céu, nem na terra ou sob a terra era capaz de abrir nem de ler o livro. Eu chorava muito, porque ninguém foi considerado digno de abrir nem de ler o livro. Um dos Anciãos, porém, consolou-me: Não chores! Eis que o Leão da tribo de Judá, o Rebento de Davi, venceu para poder abrir o livro e seus sete selos”.

 

O Pe. José Salguero ensina: São João viu um livro na mão direita de Deus, isto é, um rolo de papiro contendo os decretos divinos contra o Império Romano e todos os impérios pagãos perseguidores dos fiéis. Estava escrito nos dois lados do papiro

O Pe. Miguel Nicolau escreve: São João vê na mão de Deus, o Pai, um rolo opistógrafo. Os livros, geralmente de papiro, eram uma tira larga, escrita em colunas, a qual era enrolada numa varinha central e se ia desenrolando e enrolando pela parte oposta, na medida em que se lia seu conteúdo. Geralmente estavam escritos só de um lado, o interior. Às vezes por ambos. Bastou São João ver seu exterior escrito para conhecer que era opistógrafo. Tanto no Antigo Testamento como no judaísmo se fala com frequência das tabuinhas do céu ou do livro do Senhor, onde estavam escritos os desígnios de Deus sobre o mundo.

O rolo que São João viu estava selado com sete selos. Indica este dado que seu conteúdo era secretíssimo (Is 29, 11; 12. 4.9). Sua leitura desencadearia, por permissão, os sucessos antirreligiosos e sua derrota no mundo. É difícil compreender como estavam colocados os selos. Podia os sete fechar a cabeça da tira que formava o rolo, de sorte que não foi possível abrir-se sem haver antes soltado os sete lacres. Por um sistema complicado de fios podiam selar-se diversas partes de um escrito. Ou simplesmente por buracos no mesmo papiro podiam ficar cobertos os selos que fechavam diversas seções.

Um Anjo poderoso, cuja proclamação penetra céus e terra e chega até as potências do hades, busca com sua proclamação quem pode abrir os selos. Só pode conceder que abrisse os selos do rolo a quem apresentasse um curriculum vitae que lhe faça apto para guiar os destinos religiosos futuros do mundo, determinados segundo a bondade e os planos de Deus. É natural que só poderia ser mediador entre Deus e a história o que tivesse sido redentor do mundo. Ninguém, pois, foi achado, nem no céu, nem na terra, nem nos abismos, cujas credenciais lhe permitissem juridicamente abrir os selos.

São João chora porque vê que a revelação não será possível. Com ele desaparece o consolo que levaria o conhecimento seguro do triunfo total e final da Igreja. O qual manifesta um profundo sentido da história no vidente e amor à Igreja e aos seus.

Um dos anciãos guia, consola a São João Evangelista, assegurando-lhe que existe quem possa abrir o rolo das revelações. Porém lhe fala com linguagem figurada, que se inspira em passagens messiânicas do Antigo Testamento. Venceu uma vez para sempre o Leão de Judá. É o Messias, porque nas bênçãos proféticas às doze tribos, Jacó dá a primazia de todas elas a Judá, a quem chama leão, da qual há de sair o Messias prometido (Gn 49, 9). Venceu o rebento de Davi. O original diz raiz. É um hebraísmo para indicar rebroto ou rebento. Faz alusão a passagem de Isaías que tem sentido messiânico (Is 11, 1; Is 11, 10). Jesus de Nazaré é o Cristo, e esse abrirá o livro dos sete selos e assumirá todas as consequências que desta ação dimanam.

O Pe. Geraldo Morujão ensina: O vidente de Patmos chora desolado ao ver na mão direita de Deus um livro em forma de rolo, escrito nas duas faces, mas sem que possa ser desdobrado para se poder ler, pois, para os olhos humanos, estava completamente fechado com sete selos. É-lhe dito que quem pode abrir o rolo é o leão da tribo de Judá, o rebento de Davi, duas formas de designar Jesus como o Messias, a primeira tirada das bênçãos de Jacó (Gn 49, 9-10) e a segunda de Isaías 11, 1.

O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica: O futuro acha-se escrito num livro que Deus traz na mão (cf Sl 139, 16). Este livro tem a forma de rolo, que  era a forma comum na antiguidade. Geralmente só eram escritos na face interna. Muito raramente e só por razões particulares, como, por exemplo, a extensão do argumento escreviam-se também do lado exterior ou por sobre o dorso.  – lacrado com sete selos, a fim de significar a profundidade dos segredos divinos e a dificuldade de compreendê-los. O leão da tribo de Judá, o Rebento de Davi, é Jesus Cristo, que com sua paixão, morte e ressurreição venceu todas as forças do mal e obteve plenos poderes de Deus Pai (Mt 28, 18).

Edições Theologica comenta: O livro selado contém os misteriosos desígnios salvíficos de Deus que ninguém no mundo pode desvelar (versículo 3). Só Cristo ressuscitado poderá tomar o livro e mostrar o seu conteúdo (versículos 6-7). Por isso, é louvado pelos quatro seres, pelos anciãos (versículos 8-10), por uma imensa multidão de Anjos (versículos 11-12) e pela criação inteira (versículos 13-14).

A imagem de um livro – ou um rolo -, contendo os misteriosos desígnios de Deus sobre a humanidade, tinha sido usada especialmente pelo profeta Daniel (cfr Dn 12, 4-9; Is 29, 11), afirmando que a profecia estaria selada até aos últimos tempos. São João toma agora esta imagem para mostrar que com Cristo começou esse fim, e, portanto, vão-se revelar os desígnios de Deus. O número de sete selos acentua o caráter oculto do seu conteúdo; estar escrito pelos dois lados sublinha a sua riqueza.

Conhecer quando escreveu nela o desígnio de Deus, afeta profundamente o autor do Apocalipse, e todo o homem, pois significa descobrir o sentido da vida, e libertar o homem da angústia perante as vicissitudes da história e a obscuridade do fim. Daí que o autor do Apocalipse chora angustiosamente porque ninguém pode abrir o livro.

Ao estar fechado atrasa-se a manifestação da salvação dos homens e da consolação da Igreja. Mas depressa cessam as lágrimas ao saber que Cristo chamado aqui “leão da tribo de Judá”, e “rebento de Davi” (cfr Gn 49, 9; Is 11, 1.10), triunfou e, precisamente pelo seu triunfo, é capaz de abrir os sete selos.

Esse triunfo de Cristo contempla a Igreja quando crê que Cristo, morto e ressuscitado por todos dá ao homem a sua luz e a sua força pelo Espírito Santo, a fim de que possa responder à sua altíssima vocação. Igualmente crê que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se acham no seu Senhor e Mestre (Gaudium et spes). Na realidade o mistério do homem só se esclarece no mistério do Verbo encarnado. Porque Adão, o primeiro homem, era figura do que havia de vir (Rm 5, 14), ou seja, de Cristo nosso Senhor. Cristo, o novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, manifesta plenamente o homem ao próprio homem e descobre-lhe a sublimidade da vocação (Gaudium et spes).

 

Em Ap 5, 6-7 diz: “Com efeito, entre o trono com os quatro Seres vivos e os Anciãos, vi um Cordeiro de pé, como que imolado. Tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus enviados por toda a terra. Ele veio então receber o livro da mão direita daquele que está sentado no trono”.

 

O Pe. Miguel Nicolau escreve: São João vê um Cordeiro, um homem com a mansidão, amabilidade, fineza, humildade e pureza de um cordeiro. Este Cordeiro leva em si uma contradição: está em pé cheio de vida, porém manifestamente havia sido degolado, pois os sinais das feridas estão claros. O Cordeiro é Jesus Cristo. A imagem arranca dos profetas e expressa admiravelmente o sacrifício redentor de Jesus Cristo. Ressuscitado, leva as chagas da paixão (Jo 20, 27), que são como uma perpetuação do sacrifício da cruz (Hb 9, 14), que vale de uma vez para sempre.

O Cordeiro-Jesus tem sete chifres. O chifre representa poder no Antigo Testamento e às vezes dignidade de rei. Dado o simbolismo do número sete, se indica com essa imagem que o Cordeiro é guerreiro e rei de ilimitado poder, assim como a Besta tem sete cabeças (Ap 13, 1), que querem opor-se ao sétuplo supremo poder de Jesus Cristo.

Ele veio então receber o livro da mão direita daquele que está sentado no trono. Jesus Cristo recebeu solenemente de Deus Pai o livro. Agora o recebe a criação inteira. Segue um final grandioso. O governo do mundo se realizará pela mão de Jesus Cristo.

O Pe. Geraldo Morujão ensina: Ele aparece numa visão que encerra uma síntese genial da cristologia joanina: no meio do trono de Deus, a saber, com uma dignidade divina; um Cordeiro de pé, isto é, Cristo em todo o seu poder a partir da sua ressurreição (cfr Rm 1, 4); como que imolado, por uma morte redentora; com sete chifres, com plenitude de poder salvador (cfr. Mt 28, 18; Lc 1, 69), e com sete olhos, que são os sete espíritos de Deus enviados à terra inteira, possuindo e dando o Espírito Santo de modo superabundante.

O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica: um Cordeiro: o “cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo”, apontado por São João Batista (Jo 1, 29). - como sangrado, trazendo ainda os sinais da morte horrível que enfrentou. Tem à sua disposição os sete anjos enviados para executarem as ordens de Deus sobre a terra inteira (cf Ap 3, 1; 4, 5).

Edições Theologica comenta: A razão do poder de Cristo para abrir o livro está na sua morte e Ressurreição, realidade expressada com a figura do Cordeiro, de pé,  erguido e triunfante, e ao mesmo tempo imolado, sacrificado. Já no quarto Evangelho, São João Batista chama a Cristo “Cordeiro de Deus” (Jo 1, 29.36). No Apocalipse chega a ser a denominação mais frequente: Cristo é o Cordeiro exaltado até ao trono de Deus e atuando com poder sobre o Universo (cfr Ap 5, 8. 12-13; 6, 1. 16; 7, 9-10; 13, 8; 15, 3). É, portanto, um título cristológico característico dos escritos de São João, tão cheio de profundidade e riqueza teológica, que a Igreja o mantém com especial veneração. Assim o usa com frequência na Liturgia, especialmente na Santa Missa, quando depois do rito da paz, invoca o Cordeiro de Deus por três vezes, e no momento da Comunhão O apresenta diante dos fiéis como Aquele que tira o pecado do mundo, ao mesmo tempo em que proclama ditosos os convidados para o seu banquete nupcial (cfr Ap 19, 9).

A imagem do Cordeiro evoca o cordeiro pascal, com cujo sangue se aspergiram as padieiras das casas judaicas, como sinal para libertá-los do castigo divino que o Anjo de Deus infligiu ao Egito (Ex 12, 7. 13). À figura do Cordeiro se refere São Paulo ao dizer que “Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado” (1 Cor 5, 7). Num momento culminante do profetismo do Antigo Testamento, Isaías apresenta o Messias sob a figura do Servo paciente de Deus, que “era levado ao sacrifício como um cordeiro” (Is 53, 6). São Pedro, apoiado em Is 53, 12, afirma que o Senhor “levou os nossos pecados no seu corpo, para que, mortos para os nossos pecados, vivamos para a justiça” (1 Pd 2, 24).

Junto a este aspecto expiatório, o Apocalipse destaca o poder triunfal do Cordeiro ressuscitado, ao colocá-lo de pé sobre o trono no centro da visão: o seu poder está representado nos chifres e o seu conhecimento nos olhos. Tudo isso em plenitude, expressada através do número sete. Também os sete espíritos do Cordeiro indicam a plenitude do Espírito que Cristo possui e envia à sua Igreja. Culmina assim a descrição de Cristo ressuscitado e triunfante, que na sua vitória, revela o mistério de Deus.

 

Em Ap 5, 8-10 diz: “Ao receber o livro, os quatro Seres vivos e os vinte e quatro Anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, cada um com uma cítara e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos, cantando um cântico novo: Digno és tu de receber o livro e de abrir seus selos, pois foste imolado e, por teu sangue, resgataste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação.  Deles fizeste, para nosso Deus, uma Realeza e Sacerdotes; e eles reinarão sobre a terra”.

 

O Pe. Miguel Nicolau escreve: Os quatro viventes, seres espirituais perfeitíssimos, e os vinte e quatro anciãos prostram-se. Isso mostra que ao atuar todos de uma só vez, o momento é soleníssimo. Além disso, este ato prova que o Cordeiro está acima deles, portanto, que é Deus, como se verá pela adoração perfeita que se sucede no final. Têm cítaras e turíbulos cheios de perfumes somente os anciãos. O canto litúrgico e o oferecer incenso é próprio dos sacerdotes, no Antigo Testamento e no templo de Jerusalém. Sacerdote é o que está separado dos homens para cuidar das coisas de Deus em favor dos homens. Logo, estes anciãos eram homens (Ap 4, 4). Não é preciso pensar que, estando prostrados, teriam nas mãos cítaras e turíbulos, ao estilo de uma taça de fogo, porque isso não seria possível.

Os anciãos entoam um cântico novo. O conceito preciso do canta novo é preciso ser buscado no Antigo Testamento. Quando Deus intervinha de um modo especial a favor de seu povo, louvava e dava graças pelo benefício recebido recordando o acontecimento de modo poético e comunitário. Assim a passagem do Mar Vermelho (Ex 15, 1-21), assim Débora e Barac (Jz 5), assim também Judite (Jt 16, 1-17), assim Tobias (Tb 13). Os anciãos entoam um cantar novo à suprema intervenção divina, que é a redenção de Jesus Cristo a favor de Israel de Deus e à colação da investidura ao Cordeiro. O hino reflete dois momentos: 1.º O presente, em que Jesus Cristo recebe o rolo com todas suas consequências. 2.º O passado, que é a redenção e fundação da Igreja com a graça, os sacramentos e com seu ser de sociedade perfeita sobre a terra. A estes pode acrescentar-se, como consequência, 3.º O futuro. A atuação de Jesus Cristo é garantia do bom êxito a que levará sua obra, a Igreja, no futuro, apesar das oposições. O Antigo Testamento se desvaneceu com seus sacrifícios de animais. Agora, uma vez por todas, foi sacrificado Jesus Cristo, e com o preço do seu sangue comprou todas as gentes.

O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica: As orações dos santos, ou seja, dos cristãos que vivem na terra, os quais oram pelos seus companheiros na fé, sobem ao céu como suave perfume e são apresentados a Deus pelos anciãos. Documento precioso para provar a intercessão dos santos e a eficácia da oração.

Um cântico novo, para celebrar a nova economia da salvação que Jesus Cristo nos trouxe.

Edições Theologica comenta: A grandeza de Cristo-Cordeiro é reconhecida e proclamada pelo culto que recebe, em primeiro lugar, dos quatro viventes e dos vinte e quatro anciãos; depois, de todos os Anjos e por fim, da criação inteira (versículos 11-13). São três momentos que São João assinala para destacar o louvor da Igreja celestial, à qual se une a Igreja peregrina na terra, mediante a oração simbolizada na imagem das taças de ouro. Mais adiante, em Ap 15, 7ss., volta-se a falar de sete taças, cujo conteúdo é a ira de Deus, suscitada pelo clamor dos justos, cruelmente atormentados pelos agentes do mal.

Assim se sublinha com força o valor das orações daqueles que são fiéis à vontade divina. Com efeito, “a oração fervorosa do justo pode muito” (Tg 5, 16), pois “a oração do humilde ultrapassa as nuvens, e não descansa até que chegue ao seu destino, nem se retira até que o Altíssimo fixe nela o seu olhar” (Eclo 35, 12).

O “cântico novo” proclama que só Cristo dispõe dos destinos do mundo e dos homens, e isto é assim em razão do seu próprio sacrifício como vítima propiciatória por excelência. Com efeito, Cristo conquista com o seu sangue um Povo imenso, formado por gentes de todo o mundo, que é o seu Povo santo e eleito, alcançando assim o seu auge aquele Povo que iniciava a sua história no Sinai (cfr Ex 19, 6; 1 Pd 2, 9ss.). Ao dizer-se que foram resgatados de todos os povos e raças, está a manifestar-se a universalidade da salvação, os planos redentores do Senhor “que quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tm 2, 4). Esta vontade divina não nos exime do esforço e da luta por merecer a salvação, pois como ensina Santo Agostinho: “Deus que te criou sem ti, não te salvará sem ti”. Assim o expressava outro autor na antiguidade, João Cassiano: “Sabemos que Deus proporciona a cada qual ocasião de salvar-se: a uns de uma maneira, a outros de outra. Mas o responder esforçada ou remissamente (com moleza) a essa vontade de salvação depende de nós”.

“Resgataste para Deus”:  Em numerosos e importantes manuscritos gregos lê-se “compraste-nos para Deus”, e inclusive em alguns muda também a leitura do versículo seguinte: “fizeste-nos um reino... e reinaremos”. A antiga tradução latina, a Vulgata, recolheu esta leitura na qual ressalta que os que entoam o cântico são homens, a Igreja triunfante no Céu. A nova versão oficial da Igreja, a Neo-vulgata, segue o texto grego que parece mais provável. O sentido, na realidade, não muda.

 

Em Ap 5, 11-14 diz: “Em minha visão ouvi ainda o clamor de uma multidão de anjos que circundavam o trono, os Seres vivos e os Anciãos — seu número era de milhões de milhões e milhares de milhares —  proclamando, em alta voz: Digno é o Cordeiro imolado de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor.  E ouvi toda criatura no céu, na terra, sob a terra, no mar, e todos os seres que neles vivem, proclamarem: Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro pertencem o louvor, a honra, a glória e o domínio pelos séculos dos séculos! Os quatro Seres vivos diziam: Amém! e os Anciãos se prostraram e adoraram”.

 

O Pe. Miguel Nicolau escreve: É uma nova visão. Os anjos aclamam ao Cordeiro unanimemente. É estilo joanino pôr primeiro miríades, que é mais, e logo milhares, que é menos. Reconhecem os anjos a investidura do Cordeiro e o recebem como redentor, e, como Senhor absoluto dos acontecimentos da história, e como Deus. Um só artigo no grego abraça os sete substantivos, como se fora um só. É a plenitude dos dons. Jesus Cristo é digno de receber esses dons da parte de Deus, o Pai, por sua obediência e por sua trabalhosa redenção, e, portanto, é digno de que os reconheçam e celebrem os seres angélicos. Todos esses dons, especialmente seu conjunto, refretem a divindade de Cristo.

Amém. Os quatro querubins dão o solene amém de confirmação do louvor universal. Atuam em consonância com o uso litúrgico do Antigo Testamento e o cristão. E os anciãos, símbolo da humanidade, caem em profunda adoração. Unifica-se a criação inteira: anjos, homens e coisas são um no louvor e obediência a Deus Pai e ao Filho. Porque a glorificação dada ao Pai e ao Cordeiro (Ap 5, 1-12) se centraliza agora em ambos (Ap 5, 13-14).

O Pe. Geraldo Morujão ensina: Ao Cordeiro é feita a entrega do livro que contém o mistério de toda a História, nos insondáveis desígnios de Deus, e do qual só Cristo tem a chave. Nesse momento desencadeia-se uma verdadeira torrente de aclamações e louvores dos quatro seres vivos, dos vinte e quatro anciãos e da imensa multidão de anjos, que se estende a toda a Criação.

Um solene amém dos quatro seres vivos, como vindo dos quatro cantos da terra, encerra estas duas visões preparatórias.

O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica: Já no Antigo Testamento pôs-se em relevo a grande multidão dos anjos (Sl 68, 18; Dn 7, 10).

Criaturas que há debaixo da terra são, aqui, como no versículo 3, os mortos e as tenebrosas potências do inferno: Satanás e os seus satélites. Também eles, embora de mau grado, são obrigados a render homenagem a Deus e a Jesus Cristo (cf Fl 2, 10).

Edições Theologica comenta: A grande multidão de Anjos a rodear o trono como guarda de honra proclama a plenitude da perfeição divina de Cristo, o Cordeiro. Com efeito, enumeram-se sete atributos que refletem a posse plena da natureza divina por parte do Cordeiro (versículo 12).

Depois do canto das criaturas espirituais e invisíveis, ressoa o hino dos seres materiais e visíveis. Este cântico (versículo 14) difere do anterior porque se dirige, além disso, ao que está sentado no trono. Assim se põem num mesmo nível Deus e o Cordeiro, cuja divindade se proclama. Desta forma culmina o louvor universal, cósmico, em honra do Cordeiro. O Amém rotundo dos quatro viventes, junto com a adoração dos vinte e quatro anciãos, encerra esta visão preparatória.

Como noutras passagens do Apocalipse, fala-se do ofício dos Anjos no Céu, pondo em relevo a sua adoração e louvor diante do trono de Deus (cfr Ap 7, 11), a sua missão como executores dos desígnios divinos (cfr Ap 11, 15; 16, 17; 22, 6) e a sua intercessão diante do Senhor em favor dos homens (cfr Ap 8, 4).

A Igreja sempre professou especial devoção aos santos Anjos, como nos recordava o Concílio Vaticano II (cfr Lumen gentium, 50). A sua existência e a sua missão estão amplamente testemunhadas pelas Sagradas Escrituras e pela doutrina da Igreja. Com efeito, por outros textos da Bíblia conhecemos que são enviados por Deus para que guardem e protejam os homens: “Eu mandarei um Anjo diante de ti para que te defenda no caminho e te faça chegar ao lugar que te dispus. Acata-o e escuta a sua voz” (Ex 23, 20). Fazendo-se eco destas palavras, o Catecismo Romano afirma que “a Providência de Deus deu aos Anjos a missão de guardar a os homens e de socorrer cada um (...) Foram designados desde o nosso nascimento para o nosso cuidado, e constituídos para a defesa da salvação de cada um dos homens”.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 13 de maio de 2015

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Santo Agostinho, Sermão 169, 11

João Cassiano, Collationes, III, 12

Catecismo Romano, IV, 9, 4.6

Edições Theologica

Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, 10 e 22; Lumen gentium, 50

J. Bonsirven, Judaisme palestinien I 190

P. A. Harlé, L’Agneau de l’Apocalypse et le Nouveau Testament:  Les Etudes Théologiques et Religieuses 31 (1956) 26-35

Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura

Pontifício Instituto Bíblico de Roma

Pe. Geraldo Morujão, Apocalipse

Pe. José Salguero, Bíblia Comentada

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Livro selado com sete selos”

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