Instituto Missionário dos Filhos e Filhas da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo e das Dores de Maria Santíssima

 

ASSOCIAÇÃO DE BENFEITORES SÃO JOSÉ

 

CIDADE MISSIONÁRIA DO SANTÍSSIMO CRUCIFIXO – ANÁPOLIS – GO

 

Circular n° 30 – 24-09-2011

 

Caríssimo (a) benfeitor (a), percorramos o caminho do bem deixando de lado tudo aquilo que desagrada a Deus: “Diante dele tenho sido sempre reto e conservei-me bem distante do pecado” (Sl 17, 24).

Escrevo, nessa Circular n.º 30, sobre três assuntos que devem nos levar a fazer um sério exame de consciência: pecado venial, pecado mortal e contrição.

 

I. Pecado venial

 

O Catecismo da Igreja Católica ensina: “Comete-se um pecado venial quando não se observa, em matéria leve, a medida prescrita pela lei moral, ou então quando se desobedece à lei moral em matéria grave, mas sem pleno conhecimento ou sem pleno consentimento” (n.° 1862).

Muitos católicos dizem que o pecado venial é uma coisa insignificante.

Mas assim não pensavam os santos. Considerando as coisas à luz divina, nutriam um imenso horror ao pecado venial, declarando-lhe guerra de morte, e estavam dispostos a sofrer qualquer tormento, antes do que cometê-lo.

Santo Edmundo disse: “Prefiro lançar-me nas chamas de uma fogueira antes do que cometer qualquer pecado contra o meu Deus”.

Santa Catarina de Gênova escreve: “Ó meu Deus, para fugir de um pecado, ainda que leve, eu me jogaria, se fosse preciso, em um abismo todo em chamas, aí permanecendo por toda a eternidade, ainda que, cometendo-o pudesse sair imediatamente”.

Santa Catarina de Sena escreve: “Se a alma, imortal por natureza, pudesse morrer, bastaria para matá-la a vista de um só pecado venial conspurcando-lhe a beleza”.

Santo Inácio de Loyola repetia frequentemente aos seus discípulos: “Quem é zeloso da pureza de sua consciência deve, na presença de Deus, confundir-se pelos mais pequeninos pecados considerando a infinita perfeição d’Aquele contra quem são cometidos, perfeição essa que lhes agrava infinitamente a malícia”.

Santo Afonso Rodrigues fez ecoar nos muros do convento do qual era porteiro, a admirável e heróica súplica, que, aliás, encontrou eco fiel em todos os corações verdadeiramente devorados pelo zelo da glória de Deus: “Senhor, antes sofrer todas as penas do inferno do que cometer um só pecado venial”.

O pecado venial é a doença da alma. É, para nosso espírito, a lepra que o torna asqueroso. Precisamente o pecado venial não dá morte à alma, não priva da graça de Deus, mas fere-a, maltrata-a, cobre-a de úlceras, e, como toda a moléstia que não é tratada a tempo, pode levar ao túmulo, assim também a culpa venial pode dispor e conduzir a alma à sua morte, isto é, ao pecado mortal.

Se sentíssemos os males espirituais como sentimos as desgraças temporais, se fôssemos mais sensíveis diante da eternidade do que somos diante do tempo, mudaríamos de opinião a respeito da ofensa a Deus.

Cristo chora à tumba de seu querido amigo Lázaro. Os Santos Padres, comentando o fato, afirmam que aquelas lágrimas divinas foram derramadas, não sobre o morto que daí a instantes deveria reviver, mas sobre a morte espiritual do pecador, figurada na morte de Lázaro.

Quanto cuidado com a saúde do corpo e quão pouco caso da saúde espiritual!

Apenas sentimos qualquer resfriado ou febre, corremos depressa ao médico, pedindo remédio, tratamos de pedir dispensa da abstinência, do jejum, suspendemos o trabalho e revolvemos meio mundo.

Pelo contrário, se nos acontecer cair em pecado, encolhemos os ombros e acomodamo-nos a uma deplorável indiferença, deixando que a nossa pobre alma se enfraqueça, sem procurar os remédios, tão fáceis e abundantes que o bom Deus conquistou para nós, a custo do seu preciosíssimo Sangue, no doloroso sacrifício do Gólgota.

Vamos ponderar o pecado venial na balança da eternidade. Que é ele? É uma falta que se comete por pensamento, palavra, ação ou omissão contra a lei do Senhor; porém, não tão grave que nos faça perder a sua graça. Pela definição já se vê que é um verdadeiro pecado, isto é, Deus que ordena e o homem que recusa obedecer-Lhe.

Logo, a diferença entre o pecado mortal e o pecado venial é apenas o “mais ou menos”, isto é, advertência “mais ou menos” perfeita; consentimento “mais ou menos” completo; matéria “mais ou menos” grave. Mas é sempre uma indigna preferência concedida antes à vontade do homem do que à vontade de Deus, e por isso, uma verdadeira ofensa que se faz a Deus.

Comparado com o pecado grave, o venial é, por certo, coisa leve, mas se o consideramos em si mesmo é um ultraje que encerra uma gravidade infinita, porque ofende a uma majestade infinita.

Coloquemos de um lado o homem com suas misérias, e do outro Deus com suas infinitas perfeições. Veremos, então, se o pecado venial é uma coisa insignificante. Os santos comparam a culpa venial a uma bofetada que se dá em Deus, ou a um gesto de desprezo, enquanto que, do pecado mortal dizem ser um punhal cravado no Coração de Deus, pois que, por quanto lhe é possível, nega, destrói e mata o Criador. E será pouco dar uma bofetada em Jesus Cristo que nos remiu? Comove até às lágrimas ler no Santo Evangelho a cruel impiedade daquele homem que deu um sopapo no Divino Mestre, diante de Caifás, no Sinédrio. Devemos antes chorar as nossas culpas veniais que insultam mais amargamente a nosso doce Senhor, porquanto, aquele homem não que sabia que Jesus Cristo era o Filho de Deus, ao passo que nós sabemos e, assim mesmo O ofendemos.

A alma na graça de Deus, saída do banho salutar do batismo ou da mística piscina da Penitência, é bela como a luz da aurora, cândida como o lírio, transparente como o espelho. O pecado venial, porém, ofusca essa beleza divina, toldando-lhe o brilho, como acontece com as nuvens que escondem os esplendores do sol, tornando o grande astro do dia lânguido, pálido como um enfermo deitado sobre seu leito de dor.

A alma na graça de Deus é uma princesa em traje de núpcias, adornada de pérolas e diamantes, resplandecente de seda e de adereços preciosos; dir-se-ia esposa de Jesus Cristo. Pois bem, o pecado venial mancha aquela magnífica veste nupcial, deixa-lhe o rosto crivado como se fora vítima da varíola, fazendo-a feia e pouco atraente para o celeste amante.

O pecado venial é uma ofensa à Majestade infinita; portanto, para repará-la é preciso um resgate de valor infinito. Só Jesus Cristo pode reparar condignamente a ofensa feita a Deus com um pecado que nós desprezamos como coisa sem importância, e cometemos como quem bebe água. É motivo de grande confusão para nós termos um coração tão duro e sempre tão pronto para desprezar a Deus por uma bagatela: “Vós me profanais perante o meu povo por um punhado de cevada, por alguns pedaços de pão...” (Ez 13, 19).

Nós, talvez, O ofendemos ainda por menores coisas: por um capricho, por uma curiosidade... para contentarmos nosso amor próprio, para nos esquivarmos de uma repreensão.

Os teólogos, para fazerem compreender a malícia do pecado venial, recorrem a suposições impossíveis de se averiguarem, mas que demonstram a grande verdade em que estamos meditando.

Se, com um só pecado venial pudéssemos extinguir as chamas eternas do inferno e mandar todos os condenados ao Paraíso; se fosse possível fechar o Purgatório e livrar todas as almas aí detidas; se pudéssemos converter o mundo inteiro... ainda assim não seria lícito cometê-lo. Deveríamos renunciar a salvação de tantas criaturas para não desgostar à infinita Majestade Divina.

Um mal menor do que um pecado venial seria, também, se o universo se reduzisse a pó, se Deus expulsasse do paraíso sua Mãe Santíssima e as  hierarquias dos Anjos. E a razão é sempre a mesma: A ofensa e o dano, ainda que também eternos, de criaturas finitas e limitadas, não têm termos de comparação com a ofensa feita a Deus, bondade infinita!

Deixava o porto de Gênova com destino aos célebres mercados do Oriente, um navio carregado de preciosas mercadorias. Navio fortíssimo, guarnecido de sólidas laterais, parecia desafiar os ventos e as tempestades. Mas, apareceu num cômodo um furo, tão pequenino como se fora produzido por uma agulha, e a água começou a entrar. Ninguém percebeu e o rombo foi sempre aumentando, até que, em uma noite, o navio se afundou. Assim acontece com o pecado venial... é tratado com desprezo e acaba por “afundar” muitas almas.

Eis a história das tristes consequências do pecado venial.

Em Eclo 19, 1 diz: “... o que menospreza o pouco aos poucos cairá na miséria”. Quem despreza as pequenas coisas, quem não se acautela contra as venialidades, irá pouco a pouco à ruína, cairá em pecado, isto é, continuando a cometer faltas advertidas, como mentiras e outras, Deus retirará as suas graças, a alma ficará debilitada e, bem depressa, choraremos uma queda fatal.

A ciência moderna vem procurando, com empenho, as causas das moléstias contagiosas e descobriu que “micróbios” são a sua causa.

Micróbios são seres infinitamente pequenos, invisíveis, que penetrando no organismo humano, aí proliferam indefinidamente, com prejuízo do órgão por eles atingido, destruindo-o mesmo.

Suponhamos a tuberculose. Afinal, que mal é esse que absorve tanta mocidade na flor dos anos? É um bacilo ou micróbio que se localiza nos pulmões e, pouco a pouco os paralisa. O pobre rapaz começa a tossir, empalidece, definha e, em breve, ao caírem as folhas pelo outono, desce à sepultura. Se o mal é atalhado em tempo, a medicina poderá exterminar as bactérias patogênicas, mas, se por descuido, muito se multiplicarem, o mal se torna virulento e, então, os remédios só servirão para atormentar o pobre doente, sem poderem afastar a morte de sua cabeceira. O pecado venial é o bacilo, o micróbio da alma, que não sendo vencido a tempo, vai predispondo-a ao pecado mortal.

Se os Anjos pudessem chorar verteriam lágrimas amargas, ao verem o homem ofender com tanta facilidade ao seu Criador, ao seu Pai celeste, ao Redentor que por seu amor, tomando a cruz sobre os ombros, subiu, deixando traços ensanguentados, na ladeira do Gólgota, para lá ser crucificado.

O demônio, sempre cheio daquela astúcia e malícia com que tentou Eva, não nos tenta logo ao pecado mortal, porque nós o repeliríamos com horror. Procura, então, fazer-nos cair em culpas veniais que, sempre mais advertidas, nos vão enfraquecendo e debilitando aos poucos. Quando ele nos vê despojados dos auxílios sobrenaturais do Senhor, enfastiados das práticas religiosas, fracos, adoentados, então assalta-nos com ousadia até cairmos em culpa mortal.

Assim também, um capitão esperto antes de assaltar a cidade, abate as fortificações avançadas, os terraplenos, os parapeitos e, passo a passo se adianta atrás das muralhas para dar o assalto definitivo.

Um prisioneiro encerrado em uma altíssima torre inventou o seguinte estratagema para fugir.  Tomou cabelos de sua cabeça e os emendou, um a um; depois, com um pequenino peso na extremidade, deixou baixar esse fio pela janela até onde o esperava um cúmplice. Este amarrou-lhe na ponta um fio de seda que o prisioneiro puxou para si. Com o fio de seda conseguiu um cordão mais forte, depois outro e, assim sucessivamente, até apoderar-se de uma grossa corda, por meio da qual conseguiu descer e se por em liberdade.

O demônio também faz assim. Ele nos pede uma coisinha de nada, depois, uma coisa mais considerável e, assim por diante, até cairmos em uma grave transgressão da lei divina. Por isso o Espírito Santo nos adverte pela boca do grande Apóstolo São Paulo que não devemos ceder lugar ao diabo: “... nem deis lugar ao diabo” (Ef 4, 27).

Bela exortação encontramos também nos Cânticos dos Cânticos 2, 15: “Agarrai-nos as raposas, as raposas pequeninas que devastam nossas vinhas, nossas vinhas já floridas!” É preciso apanhar as raposas pequeninas (pecados veniais) porque destroem as vinhas (as almas).

São João Crisóstomo ousa dizer que, às vezes, devemos nos precaver mais das faltas pequenas do que das grandes, porque, as grandes já por sua natureza, inspiram um certo horror que induz a detestá-las e fugir delas. As outras, porém, por serem insignificantes, nos mantêm inertes, negligentes, e, não tendo consciência do mal, nele ficamos sem procurar livrar-nos. Assim, trazem grande dano.

Quem deseja chegar à perfeição deve, resolutamente, mover guerra atroz, de extermínio, aos defeitos e às culpas, ainda que leves. Façamos nosso o propósito do rei-profeta: “Perseguirei meus inimigos, atingi-los-ei e não voltarei enquanto eles não estiverem completamente derrotados” (Sl 17, 40-41).

A santidade é incompatível com os pecados veniais cometidos de olhos abertos, com pleno conhecimento do mal que praticamos. É necessário ser generosos para com o Senhor e não desgostá-Lo continuamente, se queremos que também Ele nos proporcione copiosas graças. A alma que está apegada às criaturas com afeiçõezinhas não pode voar livremente ao abençoado amplexo de Deus.

 

II. Pecado mortal

 

O Catecismo da Igreja Católica ensina: “O pecado mortal destrói a caridade no coração do homem por uma infração grave da lei de Deus; desvia o homem de Deus, que é seu fim último e sua bem-aventurança, preferindo um bem inferior” (n.º 1855).

No número 1857, o mesmo Catecismo ensina: “Para que um pecado seja mortal requerem-se três condições ao mesmo tempo: ‘É pecado mortal todo pecado que tem como objeto uma matéria grave, e que é cometido com plena consciência e deliberadamente”.

Que faz aquele que comete pecado mortal? Injuria a Deus, desonra-O e, no que depende dele, cobre-O de amargura.

Primeiramente, o pecado mortal é uma ofensa grave que se faz a Deus. A malícia de uma ofensa, diz Santo Tomás de Aquino, se mede pela pessoa que a recebe e pela pessoa que a comete. A ofensa feita a um simples particular é sem dúvida um mal; mas constitui delito maior se é feita a uma pessoa de alta dignidade, e muito mais grave quando visa o rei. E quem é Deus? É o Rei dos reis (Ap 17, 14). Deus é a Majestade infinita perante quem todos os príncipes da terra e todos os santos e anjos do céu são menos que um grão de areia (Is 40,15). Diante da grandeza de Deus, todas as criaturas são como se não existissem (Is 40,17). Eis o que é Deus. E o homem, o que é? Responde São Bernardo: “Saco de vermes, pasto de vermes, que cedo o hão de devorar”. O homem é um miserável que nada pode, um cego que nada vê; pobre e nu, que nada possui (Ap 3,17). E este verme miserável se atreve a injuriar a Deus? Exclama o mesmo São Bernardo. Com razão, pois, afirma o Doutor Angélico, que o pecado do homem contém uma malícia quase infinita. Por isso, Santo Agostinho chama, absolutamente, o pecado de mal infinito. Daí se segue que todos os homens e todos os anjos não poderiam satisfazer por um só pecado, mesmo que se oferecessem à morte e ao aniquilamento. Deus castiga o pecado mortal com as penas terríveis do inferno; contudo, esse castigo é, segundo dizem todos os teólogos, menor que a pena com que tal pecado deveria ser castigado.

E, na verdade, que pena bastará para castigar como merece um verme que se rebela contra seu Senhor? Somente Deus é Senhor de tudo, porque é o Criador de todas as coisas. Por isso, todas as criaturas lhe devem obediência; mas o homem, quando peca, que faz senão dizer a Deus: Senhor, não quero servir-te.

O Senhor lhe diz: “Não te vingues”, e o homem responde: quero vingar-me. “Não te aposses dos bens alheios”, e o homem apodera-se deles. “Abstém-te do prazer impuro”, e o homem não se resolve a privar-se dele.

O pecador fala a Deus do mesmo modo que o ímpio Faraó falou quando Moisés lhe comunicou a ordem divina de que desse liberdade ao povo de Israel. Aquele temerário respondeu: “Quem é o Senhor para que eu obedeça à sua voz? Não conheço o Senhor” (Ex 5, 2). O pecador diz a mesma coisa: Senhor, não te conheço; quero fazer o que me agrada. Em suma: na presença de Deus mesmo lhe falta o respeito e se afasta d’Ele e nisto consiste propriamente o pecado mortal... o ato com que o homem se afasta de Deus. Disto se lamentava o Senhor, dizendo: Ingrato foste, “tu me abandonaste”; eu jamais quisera apartar-me de ti; “tu me voltaste as costas”.

Deus declarou que aborrece o pecado, de modo que não pode deixar de aborrecer a quem o comete (Sb 14, 9). Quando o homem peca, ousa declarar-se inimigo de Deus e combate frente a frente contra Ele (Jó 12,25). Que dirias se visses uma formiga a lutar com um soldado? Deus é esse onipotente Senhor, que, com um ato de sua vontade, arrancou do nada o céu e a terra (2Mc 7,28). E, se quisesse, por um sinal seu, poderia aniquilá-los (2Mc 8,18). O pecador, quando consente no pecado levanta a mão contra Deus, e “com colo erguido”, isto é, com orgulho, corre a insultar a Deus; arma-se de grossa cerviz (Jo 15,25) (símbolo de ignorância), e exclama: “Que grande mal é o pecado que fiz? Deus é bom e perdoa aos pecadores” Que injúria! Que temeridade! Que cegueira tão grande!

O pecador não só ofende a Deus mas também o desonra (Rm 2, 23). Com efeito, renunciando à graça divina por um miserável prazer, menospreza e rejeita a amizade de Deus. Se o homem perdesse esta soberana amizade para ganhar um reino ou ainda o mundo inteiro, não há dúvida que faria um mal imenso, pois a amizade de Deus vale mais que o mundo e que mil mundos. E por que será que se ofende a Deus? Por um punhado de terra, por um ímpeto de ira, por um prazer brutal, por uma quimera, por um capricho (Ez 13,19). Quando o pecador começa a deliberar consigo mesmo se deve ou não dar consentimento ao pecado, toma, por assim dizer, em suas mãos, a balança e se põe a considerar o que pesa mais: se a graça de Deus ou a ira, a quimera, o prazer… E quando, por fim, dá o consentimento, declara que para ele vale mais aquela quimera ou aquele prazer que a amizade divina. Vede, pois, como Deus é menosprezado pelo pecador. Davi, ao considerar a grandeza e majestade de Deus, exclamava: “Senhor, quem há que vos seja semelhante?” (Sl 34,10). Mas Deus, ao contrário, vendo-se comparado pelos pecadores a uma satisfação vilíssima e posposto a ela, lhes diz: “A quem me comparastes e igualastes?” (Is 40, 25).

De modo que, exclama o Senhor: vale aquele prazer mais que minha graça? Não terias pecado, se soubesses que ao cometê-lo perderias uma das mãos, ou dez escudos, ou menos talvez. Assim, diz Salviano, só Deus parece tão vil a teus olhos que merece ser posposto a um ímpeto de cólera, a um gozo indigno.

Além disso, quando o pecador, para satisfazer qualquer paixão, ofende a Deus, converte em sua divindade essa paixão, porque nela põe o seu último fim. Assim diz São Jerônimo: “Aquilo que alguém deseja, se o venera, é para ele um Deus. Vício no coração é ídolo no altar”. Do mesmo modo diz Santo Tomás de Aquino: “Se amas os prazeres, estes são teu Deus”. E São Cipriano: “Tudo quanto o homem antepõe a Deus, converte-o em seu Deus”. Quando Jeroboão se revoltou contra o Senhor, procurou levar consigo o povo à idolatria, e, apresentando os ídolos, disse-lhes: “Aqui estão, Israel, os teus deuses” (1Rs 12, 1 ss). De modo semelhante procede o demônio; apresenta ao pecador os prazeres e lhe diz: “Que tens que ver com Deus? Eis aqui o teu deus: é esta paixão, este prazer. Toma-os e abandona a Deus”. É isto o que faz o pecador dando o seu consentimento: adora no seu coração o prazer em lugar de Deus... “Vício no coração é ídolo no altar”.

Se ao menos os pecadores não desonrassem a Deus em sua presença! Mas injuriam-no e o desonram face a face, porque Deus está presente em todos os lugares. O pecador o sabe. E, apesar de tudo, atreve-se a provocar o Senhor na mesma presença divina.

O pecador injuria, desonra a Deus, e, no que toca sua parte, o cobre de amargura, pois não há amargura mais sensível do que ver-se pago com ingratidão pela pessoa amada e em extremo favorecida. E a que se atreve o pecador? Ofende ao Deus que o criou e tanto o amou, que deu por seu amor o sangue e a vida. E o homem o expulsa de seu coração ao cometer um pecado mortal. Deus habita na alma que o ama: “Se alguém me ama... meu Pai o amará, e viremos a ele e faremos nele nossa morada” (Jo 14,23). Notai a expressão faremos morada! Deus vem a essa alma e nela fixa sua mansão; de sorte que não a deixa, a não ser que a alma o expulse: “Não abandona se não é abandonado”, como diz o Concílio de Trento. E já que sabeis, Senhor, que aquele ingrato há de expulsar-vos, por que não o deixais desde já? Abandonai-o, parti antes que vos faça tão grande ofensa. Não, diz o Senhor; não quero deixá-lo, senão esperar que ele formalmente me despeça.

Assim, quando a alma consente no pecado, diz a seu Deus: Senhor, apartai-vos de mim. Não o diz por palavras, mas de fato, como adverte São Gregório. Bem sabe o pecador que Deus não pode harmonizar com o pecado. Bem vê que, pecando, obriga Deus a afastar-se dele. Rigorosamente, é como se lhe dissesse: Já que não podeis ficar com meu pecado e tendes de afastar-vos de mim, — ide quando vos aprouver. E expulsando a Deus da alma, deixa entrar o inimigo que dela toma posse. Pela mesma porta por onde sai Deus, entra o demônio: “Então vai, e leva consigo outros sete espíritos piores do que ele, entram e moram ali” (Mt 12,45). Quando, porém, o homem consente no pecado, diz a Deus que reside na sua alma: “Sai daqui, Senhor, e cede lugar ao demônio”. É disto de que se queixa o Senhor a Santa Brígida quando lhe diz que, ao despedi-lo, o pecador procedia como aqueles que expulsassem o seu rei do próprio trono: “Sou como um rei banido de seu próprio reino, elegendo-se em meu lugar um péssimo ladrão…” Que mágoa não sentiríeis se recebêsseis grave ofensa duma pessoa a quem tivésseis feito grande benefício? Esta mesma mágoa causais a Deus que chegou a dar sua vida para vos salvar. Clama o Senhor a dar sua vida para vos salvar. Clama o Senhor à terra e ao céu para que se compadeçam d’Ele à vista da ingratidão com que o tratam os pecadores: “Ouvi, ó céus; tu, ó terra, escuta… Filhos criei e engrandeci… mas eles me desprezaram” (Is 1, 2). Em suma, os pecadores afligem com seus pecados o coração do Senhor… Deus não está sujeito à dor, mas — como disse o Padre Medina — se fosse suscetível de sofrer, um só pecado mortal bastaria para o fazer morrer pelo infinito pesar que lhe causaria. Assim, pois, afirma São Bernardo: “O pecado, quanto em si é, dá morte a Deus”. De modo que o pecador, ao cometer um pecado mortal, fere, por assim dizer, a seu Senhor. Segundo a expressão de São Paulo, calca aos pés o Filho de Deus (Hb 10,29), e despreza tudo o que Jesus Cristo fez e sofreu para tirar o pecado do mundo.

 

III. Contrição

 

Contrição é uma dor de ter ofendido a Deus com propósito firme de não O ofender mais para o futuro.

Segundo a etimologia, Contrição é, pois, um como esmagamento do coração, prostrado pela impressão de uma dor muito viva de ter magoado a Deus pelo pecado: “Sempre a contrição tem sido necessária para se alcançar o perdão dos pecados. É ela que prepara o homem caído depois do Batismo a receber o perdão” (Concílio de Trento). E, com efeito, quem haveria de perdoar àquele que o tivesse ofendido e não manifestasse arrependimento algum? Pode acontecer que Deus remita os pecados sem a Confissão quando esta é impossível; mas não pode perdoá-los sem a Contrição ou a dor de tê-los cometido.

A Contrição para ser real deve abranger ao mesmo tempo o passado e o futuro. Quanto ao passado, é a dor de ter ofendido a Deus; para o futuro, é a vontade firme de não O ofender mais; entende-se facilmente que o arrependimento verdadeiro encerra forçosamente a vontade de não pecar mais.

A Contrição para ser boa deve ter quatro qualidades: 1.º Interior. 2.º Universal. 3.° Soberana. 4.° Sobrenatural.

1.º Interior; isto é, a Contrição deve existir realmente no coração e não consistir simplesmente em palavras e sinais exteriores. E de fato, quem cometeu o pecado, foi o coração: “Do coração é que saem os maus pensamentos, crimes, roubos, injustiças, blasfêmias...” (Mc 7, 21-23).

2.º Universal; isto é, a Contrição deve compreender quando menos, todos os pecados mortais sem excetuar  um só. A razão é que a ação do sacramento deve estender-se sobre todos os pecados que constituem sua matéria, e um deles não pode ser remitido sem o outro. É impossível ser ao mesmo tempo, amigo e inimigo de Deus e, portanto, quem não tivesse arrependimento nem firme propósito para um pecado, não podia receber o perdão de nenhum. Tendo o penitente só pecados veniais que acusar, deveria ter quando menos a Contrição dos maiores, daqueles que são mais voluntários.

3.º Soberana; isto é, a dor do pecado deve ser maior que qualquer outra tristeza, porque, de fato, o pecado é o maior dos males. Isto não quer dizer que essa dor, para ser verdadeira, se deve externar por gemidos e lágrimas, e ser necessariamente sensível, não! Há provações que nos comovem mais sensivelmente como a perda dos nossos pais ou mesmo dos nossos bens. Mas cumpre ficarmos interiormente mais magoados pela desgraça de termos ofendido a Deus do que por outra qualquer desgraça.

4.° Sobrenatural; isto é, a Contrição não deve basear-se sobre motivos naturais ou humanos, como a perda da reputação, as consequências desastradas que o pecado acarretasse para nossa saúde ou nossa fortuna; mas deve ser sobrenatural de dois modos: 1. Na origem. 2. Nos motivos. Na origem: deve vir de Deus, não de nós mesmos e ser excitada em nós pelo Espírito Santo a quem a pedimos. Nos motivos: isto é, as razões de nosso arrependimento serão aquelas que a fé nos aponta: 1. A infinita bondade de Deus que o pecado ofende. 2. Os sofrimentos e a morte de Jesus Cristo na cruz causados por nossas faltas. 3. A perda da graça santificante e do Céu que teria sido a recompensa da nossa santidade, enquanto o pecado no-lo tira e nos torna, pelo contrário, dignos das penas do Inferno, justo castigo.

Distinguem-se duas espécies de Contrição: uma melhor, chamada Contrição perfeita: é a dor de ter ofendido a Deus por ser infinitamente bom, infinitamente amável e porque o pecado lhe desagrada; outra, boa também, mas menos perfeita, é chamada Contrição imperfeita ou Atrição: é a dor de ter ofendido a Deus causada, sobretudo, pela vergonha do pecado ou o temor do Inferno. Ambas, para serem Contrição verdadeira, devem reunir as quatro qualidades acima mencionadas e vir acompanhadas de firme propósito; senão, nem lhes caberia o nome de Contrição.

A Contrição perfeita e a Contrição imperfeita se diferenciam de duas maneiras: 1.º No motivo. 2.º Nos efeitos.

1.° No motivo. Pois, a definição dada, resulta que a Contrição perfeita, sendo baseada na infinita bondade de Deus, tem motivo nobre, desinteressado: o amor de Deus; enquanto a Contrição imperfeita, fundada na fealdade do pecado, no receio de perder o Céu e merecer do Inferno, é menos nobre; tem um pouco de egoísmo: temor do castigo.

2.º Nos efeitos. Essas duas Contrições diferem essencialmente; pois a Contrição perfeita, por si mesma justifica o pecador, embora sem o sacramento de Penitência; apaga o pecado mesmo antes da absolvição, conquanto o pecador, levado pelo amor de Deus no seu mais alto grau, tenha intenção de cumprir a sua vontade, e, portanto, de confessar-se logo que puder.

A Contrição imperfeita não produz este resultado, não justifica o pecador por si mesma; não apaga o pecado, ainda que acompanhada do desejo de receber o sacramento da Penitência. Entretanto, dispõe o pecador ao perdão e torna-se suficiente quando seguida da absolvição sacramental, conquanto ainda, junto com ela, haja a esperança do perdão e vontade de não mais pecar, como positivamente o declara o Concílio Tridentino.

Do que foi explicado; pode-se inferir que, na falta de sacerdote e de absolvição, a Contrição perfeita alcança o perdão e introduz no Céu, enquanto a Contrição imperfeita nos deixaria a responsabilidade dos nossos pecados e o castigo que eles merecem.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Catecismo da Igreja Católica

Pe. André Beltrami, O pecado venial

São João Crisóstomo, Escritos

Santa Catarina de Sena, Escritos

Concílio de Trento, Sessão XIV, IV

Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a morte

Monsenhor Cauly, O Catecismo explicado

 

 

 

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Depois de autorizado, é preciso citar:

Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Circular nº 30 - 24/09/2011”.

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