REFEIÇÃO COM OS PECADORES

(Mt 9, 9-13)

 

 "9 Indo adiante, viu Jesus um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: 'Segue-me'. Este, levantando-se, o seguiu. 10 Aconteceu que estando ele à mesa na casa, vieram muitos publicanos e pecadores e se assentaram à mesa com Jesus e seus discípulos. 11 Os fariseus, vendo isso, perguntaram aos discípulos: 'Por que come o vosso Mestre com os publicanos e o pecadores?' 12 Ele, ao ouvir o que diziam, respondeu: 'Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. 13 Ide, pois, e aprendei o que significa: Misericórdia é que eu quero, e não sacrifício. Com efeito, eu não vim chamar justos, mas pecadores".

 

 

Em Mt 9, 9 diz: "Indo adiante, viu Jesus um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: 'Segue-me'. Este, levantando-se, o seguiu".

 

Nos tempos de Nosso Senhor Jesus Cristo, em toda parte mandava o Império Romano. Os súditos deviam pagar cada um o seu tributo conforme o que possuíam, mas esta obrigação tornara-se odiosa a todos pelo modo como as taxas eram pagas. Alguns ricos, com o seu dinheiro, compravam do governo o direito de receber os tributos de uma determinada região, e todos deviam levar o dinheiro a esses exatores, que se chamavam publicanos. Gente, ademais, odiada por todos porquanto, livre nos seus negócios, sem nenhuma fiscalização das autoridades romanas, fazia grandes injustiças, sugando o sangue à gente pobre, que devia calar-se e pagar.

Jesus, que tinha vindo para evangelizar os pobres e pregar a justiça, não podia aprovar essas desordens. Ora com a bondade e a mansidão, ora com a força das suas palavras, procurava chegar até ao coração daqueles publicanos, para os converter à justiça e ao amor. Mas todos o esquivavam, porque... seguir Jesus queria dizer renunciar ao dinheiro roubado, queria dizer ajudar os pobres, não pretender mais do que era justo. Isto custava esforço, e nenhum publicano sentia-se capaz de cumpri-lo.

Um dia, porém, o Mestre passa perto da banca de um publicano que estava justamente cobrando as taxas. Chamava-se Mateus. Jesus fita-o no rosto e lhe diz: "Segue-me". Sem hesitar, o publicano deixa tudo e põe-se a seguir Jesus.

Edições Theologica comenta: "Telônio': Posto público para o pagamento de tributos. Este Mateus, a quem Jesus chama, é o apóstolo do mesmo nome e autor humano do primeiro  Evangelho. É o mesmo que em Mc 2, 14 e em Lc 5, 27 é chamado Levi o de Alfeu, ou simplesmente Levi.

Deus é quem chama. Para seguir Jesus de modo permanente, não basta a própria determinação do homem, mas requer-se, absolutamente, o chamamento individual por parte do Senhor; isto é, a graça da vocação (cfr Mt 4, 19-21; Mc 1, 17-20; Jo 1, 39; etc.). Este chamamento implica a prévia escolha divina. Por outras palavras, não é o homem quem toma a iniciativa; pelo contrário, é Jesus quem chama primeiro e o homem corresponde a esse chamamento com a sua livre decisão pessoal: 'Não fostes vós que Me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi a vós' (Jo 15, 16).

Deve pôr-se em relevo a prontidão com que Mateus 'segue' o chamamento de Jesus. Diante da voz de Deus pode entrar na alma a tentação de responder: 'Amanhã, ainda não estou preparado'. No fundo esta e outras razões não são mais que egoísmo e medo, além de que o medo pode ser um sintoma mais do chamamento (cfr Jo 1). Amanhã corre-se o risco de ser demasiado tarde.

Como o dos outros apóstolos, o chamamento de São Mateus dá-se no meio das circunstâncias normais da sua vida", e: "Deus foi te procurar no exercício da tua profissão? Foi assim que procurou os primeiros: Pedro, André, João e Tiago, junto das redes; Mateus, sentado à mesa dos impostos... E - assombra-te! - Paulo, no seu afã de acabar com a semente dos cristãos" (São Josemaría Escrivá, Caminho, n° 799).

Nosso Senhor chama quem Ele quer; chamou do inocente e virgem até o perseguidor. É preciso que estejamos com o nosso coração aberto para o seu chamado; é preciso seguir prontamente ao Senhor, a exemplo de São Mateus. Nada de olhar para trás ou de criar obstáculos, mas sim, de escancarar o coração para o Senhor da Vida.

Por que hesitar em seguir ao Senhor que deu a Sua Vida por nós? Por que duvidar em seguir o Rei do céu e da terra?

Católico, se o Deus Eterno lhe diz "Segue-me"; não fique parado, não olhe para trás, não consulte ninguém, não deixe para amanhã... mas siga-O prontamente e com o coração inundado de amor por Aquele que cuida de ti e que te protege diariamente. Alguém poderia fazer-lhe mais feliz do que Ele?

São milhões aqueles que deixam de seguir a Cristo Jesus para se arrastarem atrás das criaturas falsas e perigosas. Quanta ingratidão! Quanta cegueira!

É encantador o exemplo de São Mateus, em deixar tudo para seguir a Cristo Jesus. Não pediu para se despedir dos familiares nem pediu um tempo para pensar: "A rapidez da narração do episódio bem exprime o chamado improviso e a pronta resposta. Tanto mais significativo é tudo isto, quanto pertence Mateus à classe dos publicanos - cobradores de impostos públicos - tidos como pecadores, por causa de seus lucros, muitas vezes injustos e, portanto, abominados e repelidos pelo povo. No entanto, escolhe Jesus entre eles um apóstolo! Mostra, a pronta adesão do publicano, que o Salvador é compreendido exatamente por esta classe desprezada, e ensina aos bons com que decisão se há de deixar a 'vida velha', para seguir a Cristo" (Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena), e: "O mundo não compreende esse impulso irresistível de certas almas que, abandonando tudo, se consagram exclusivamente ao serviço de Deus. Deixemo-lo zombar do que não entende, pois só os que têm fé conhecem o segredo destes mistérios da graça. Era preciso que Jesus fosse bastante poderoso, que fosse verdadeiramente Deus, para que assim se fizesse obedecer, tão prontamente e com tanta abnegação" (Dom Duarte Leopoldo).

São João Crisóstomo escreve: "Cristo, depois de ter realizado o milagre, partiu daquele lugar, a fim de não excitar mais a inveja dos Judeus. Este é o procedimento que nós devemos observar. Jamais devemos continuar ao lado daqueles que nos preparam laços e põem armadilhas. Por isso diz: 'E saindo Jesus daquele lugar (de onde havia realizado o milagre), viu um homem chamado Mateus, que estava sentado, arrecadando impostos" (Homilia in Mathaeum, Hom. 30, 1), e: "Os outros evangelistas (Mc 2 e Lc 5) não quiseram chamar-lhe por respeito e por honra do mesmo Mateus com o nome com que vulgarmente era conhecido, mas o chamaram de Levi, de sorte que teve dois nomes. Mas o mesmo Mateus, atendendo aquilo de Salomão: 'O justo é acusador de si mesmo' (Pr 18, 17), chama a si mesmo de Mateus e publicano. Todos os que lêem isso, devem deduzir, que ninguém deve se desesperar de sua salvação, se há deixado a sua má vida, posto que ele foi mudado de repente de publicano em Apóstolo" (São Jerônimo), e também: "Dizem as palavras, que estava sentado em um banco, manifestando-nos que estava em uma dessas casas onde se recolhem os impostos, pois a palavra grega telos, significa impostos" (Glosa), e ainda: "Brilha aqui o poder de quem chama... quando é chamado, trata de abandonar um ofício perigoso... Por isso continua: 'E lhe disse: segue-me'. Assim como admiramos a virtude de quem chama, admiremos também a obediência de quem é chamado. Ele não pôs resistência, não suplica voltar à sua casa nem manifestar a resolução à sua família" (São João Crisóstomo, Homiliae in Matthaeum, Hom. 30, 1), e: "Teve em pouco os perigos humanos que lhe poderiam sobrevir da parte de seus amigos, a quem havia abandonado sem dar-lhes explicações de seu paradeiro. Por isso diz: 'E levantando o seguiu'. E posto que renunciou aos bens do mundo, com justiça Deus o fez o dispensador de seus talentos" (Remigio), e também: "Porém, porque não chamou a Mateus, quando chamou a Pedro e João? Porque ainda não estava bem disposto e Aquele que conhece o fundo dos corações, só chama a quem compreende que por seus milagres e a fama de seu nome está em atitude de obedecer" (São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeum, Hom. 30, 1), e ainda: "Parece o mais provável que São Mateus fala aqui de sua vocação, recordando o que antes havia omitido, porque é provável que seu chamamento se verificou antes do sermão da montanha, posto que São Lucas coloca acima da montanha, aqueles doze eleitos, a quem chamou apóstolos (Lc 6)" (Santo Agostinho, de Consensu Evangelistarum, 2, 26), e: "Mateus conta entre os milagres sua vocação e em efeito o foi, porque de publicano foi feito Apóstolo" (Glosa), e também: "Porque não nos disse o modo e o tempo em que foram chamados os outros Apóstolos, e sim, somente a Pedro, André, Tiago, e João e Mateus? Precisamente porque todos estes procediam de ofícios baixos e de condições humildes. Nada há, com efeito, mais baixo que o ofício de arrecadador, nem mais humilde que a condição de pescador" (São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeam, Hom. 30, 1).

 

Em Mt 9, 10-11 diz: "Aconteceu que estando ele à mesa na casa, vieram muitos publicanos e pecadores e se assentaram à mesa com Jesus e seus discípulos. Os fariseus, vendo isso, perguntaram aos discípulos: 'Por que come o vosso Mestre com os publicanos e o pecadores?"

 

São Mateus ficou tão satisfeito de estar com Nosso Senhor, que quer oferecer um suntuoso banquete em honra d'Ele: "O novo apóstolo queria assim celebrar a graça da sua conversão" (Dom Duarte Leopoldo). E pensar que Cristo Jesus quis daquele homem uma reparação de caridade, de esmolas por todas as injustiças cometidas no passado! Todavia, observais: desde aquele momento, os publicanos tomam coragem, vencem a sua vergonha e começam a estar com Nosso Senhor Jesus Cristo.

O Pe. João Colombo escreve: "Vede como foi eficaz o exemplo de Mateus! Parecia que ele devesse ser lastimado por todos pelo fato de arruinar os seus negócios, e, ao contrário, ele se viu seguido por muitíssimos outros.

Cristãos, olhando em torno de nós, achamos pessoas que podemos comparar aos publicanos que só pensam nas coisas do corpo. Mas não concebamos a idéia de lhes fazer bem com muitas palavras, com longas pregações ou com conselhos estudados. Encaminhar uma alma à conversão, à graça de Deus, é dar a essa alma a vida que lhe falta.

Ora, só os vivos é que podem dar a vida: um morto não pode fazer nada. Mister se faz, pois, primeiramente em nós a vida espiritual realmente vivida, vida feita de fidelidade absoluta aos próprios deveres".

São Mateus ofereceu um banquete a Nosso Senhor. Quanta gratidão! Ofereçamos também nós um precioso "banquete" a Nosso Senhor, isto é: nossa força, a inteligência, o coração, nosso sangue... a própria vida.

Edições Theologica comenta: "A mentalidade desses fariseus, tão inclinada a julgar os outros e classificar facilmente como justos e pecadores, não concorda com a atitude e ensinamentos de Jesus. Já tinha dito: 'Não julgueis e não sereis julgados' (Mt 7, 1), e acrescentou ainda: 'Quem de vós estiver sem pecado seja o primeiro a lançar-lhe uma pedra' (Jo 8, 7).

A realidade é que todos os homens são pecadores e o Senhor veio para remir a todos. Não há, pois, razão para que se dê entre os cristãos o escandalizar-se pelos pecados de outros, visto que qualquer de nós é capaz de cometer as maiores vilezas se não for assistido pela graça de Deus", e: "Por causa das suas injustiças e exações  na cobrança dos impostos, os publicanos eram odiados e tidos por pecadores. Mateus era rico, e Nosso Senhor fez dele um apóstolo, para mostrar que, não obstante as suas preferências pelos pobres, também tem eleitos em todas as classes da sociedade" (Dom Duarte Leopoldo).

Nosso Senhor não participou do banquete com a intenção de apoiar os erros de São Mateus, mas sim, para conquistá-lo para o bem.

Sejamos também nós bondosos de coração. Quando encontrarmos pessoas desejosas de se aproximarem de Nosso Senhor, estendamos-lhes as mãos e as ajudemos a aproximarem do Deus Eterno. É grande covardia apagar a chama que está fumegando.

Santo Agostinho comenta: "São Mateus não explica aqui nada sobre a casa em que estava Jesus, donde poderia supor-se que o evangelista não seguiu nesta narração a ordem sucessiva dos acontecimentos, mas que intercalou, segundo se ia recordando, feitos que aconteceram em outros momentos. São Marcos e São Lucas, que referem este mesmo acontecimento, manifestou (Mc 2; Lc 5) que Jesus esteve sentado na casa de Levi (isto é, de Mateus)" (De Consensu Avangelistarum, 2, 27), e: "Mateus, com o objetivo de mostrar dignamente seu agradecimento pelo bem divino que havia recebido, preparou em sua casa uma grande acolhida a Cristo e ofereceu deste modo seus bens temporais Àquele de quem esperava os da eternidade. Isto é o que significa: 'E sucedeu, sentando-se Ele na casa" (Glosa), e também: "Mateus, ao ver-se tão honrado com a vinda de Jesus à sua casa, convida a todos os publicanos de sua mesma profissão. E isto é o que querem dizer as palavras: 'Eis que muitos publicanos" (São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeum, Hom. 30, 2),e ainda: "Se chamam publicanos todos aqueles homens que se ocupam daqueles negócios públicos... Foi um magnífico adiantamento, porque Aquele que havia de ser o Apóstolo e o Doutor das nações, devia nos mostrar em sua primeira mudança, seguido da multidão de pecadores, a quem Ele levava pelo caminho da salvação e conduzia à perfeição, primeiro por meio de seu exemplo e depois por sua palavra" (Glosa), e: "Tertuliano, apoiado nas palavras da Escrituta: 'Não haverá imposto em Israel' (como se Mateus não fosse judeu), disse que os publicanos eram os gentios. Não é admissível esta opinião, posto que Jesus não come com os gentios, com o objetivo de que não se interprete que ignora o conselho que deu a seus discípulos: 'Não andeis pelos caminhos dos gentios' (Mt 10, 5). Viram os publicanos, que Mateus, sendo publicano, se converteu de pecador em perfeito, teve meios de arrepender-se, e eles, consequentemente, não podiam desconfiar de sua salvação" (São Jerônimo), e também: "Os publicanos se aproximaram de Nosso Redentor, não só para falar-lhe, mas para comer com Ele. Porque não somente corrigia muitas vezes Jesus aos que estavam mal dispostos, com seus argumentos, com suas obras e com suas repreensões... mas também os auxiliava com a comida; ensinando-nos com esse proceder que em qualquer tempo e de qualquer obra podemos tirar proveito. Os fariseus ao ver isto se indignaram e por isso se diz deles: 'E vendo-o os fariseus, diziam aos discípulos de Jesus: Por que está na companhia dos publicanos?' etc. Deve notar aqui, que os fariseus, quando surpreendiam os discípulos de Cristo em algum pecado, se dirigiam a Cristo, como se vê nestas palavras: 'Eis que teus discípulos executam obra proibidas em dia de sábado' (Mt 12, 2). Desta maneira tratavam de desonrar a Cristo diante de seus discípulos. Fazia tudo isso com malícia e com o desejo de separar do mestre os corações de seus discípulos" (São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeum, Hom. 30, 2), e ainda: "Os fariseus cometiam dois erros: cheios de orgulho se julgavam justos a si mesmos, estando muito longe da justiça e tinham por maus a todos aqueles que, arrependidos de seus pecados, se aproximavam da virtude" (Rábano), e: "São Lucas refere com termos diferentes, este mesmo acontecimento; segundo ele, os fariseus lançam em rosto aos discípulos: 'Por que comeis e bebeis com os publicanos e com os pecadores?' (Lc 5, 30). Dando a entender deste modo, que a falta era igualmente extensiva ao Mestre e aos discípulos: porque o que se dizia aos discípulos, com maior razão se deve lançar em rosto ao Mestre, posto que aqueles não faziam mais que imitar-lhe, copiando sua conduta. O pensamento, por conseguinte, é o mesmo e tanto mais certo, quanto que, sem alterar a verdade, está expresso em termos diferentes" (Santo Agostinho, de Consensu Evangelistarum, 2, 27), e também: "Não aproximam de Jesus os que continuam em seus vícios antigos, como opinam os fariseus e os escribas, senão os que fazem penitência deles, isto é, que significam aquelas palavras de Cristo: 'Porém ouvindo-os, disse Jesus: não é necessário', etc., etc" (São Jerônimo).

 

Em Mt 9, 12-13 diz: "Ele, ao ouvir o que diziam, respondeu: 'Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Ide, pois, e aprendei o que significa: Misericórdia é que eu quero, e não sacrifício. Com efeito, eu não vim chamar justos, mas pecadores".

 

É para os discípulos a pergunta, mas intervém Jesus diretamente:  "Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Ide, pois, e aprendei o que significa: Misericórdia é que eu quero, e não sacrifício".

Os fariseus, que se tinham por perfeitos conhecedores da Escritura, são enviados a estudar o sagrado texto, para compreender a significação da frase de Oséias! E para dar-lhes condições de justa interpretação, acrescenta Jesus: "Não vim chamar os justos, mas os pecadores" (Mt 9, 13).

O Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena escreve: "Deus não muda: o que disse a Israel, por boca do profeta, repete agora pelos lábios do Filho, vindo para manifestar sua misericórdia infinita e ensinar aos homens que a piedade para com Deus só é sincera quando acompanhada pela piedade e bondade para com o próximo. Ao escolher Jesus, entre cobradores de impostos, um apóstolo, mostra que pode Deus chamar quem quer, e seu chamamento pode transformar num instante o homem aberto à graça. E, sentando-se à mesa com os pecadores, ensina que ninguém deve desesperar da salvação: podem todos confiar naquele que veio buscar, não os sãos, mas os doentes, não os justos, mas os pecadores, exatamente porque é médico e salvador", e: "Vós, ó Cristo, não restaurais o velho homem, mas criais o novo... E, sendo este nova criatura, vos oferece um banquete, para vos alegrardes com ele e para ter sua parte de felicidade convosco. Imediatamente vos segue cheio de júbilo, de entusiasmo, dizendo-vos: Publicano, já não sou... Despojei-me de Levi, para me revestir de vós. Também eu quero, com ele, abandonar minha antiga vida e seguir-vos a vós só, Senhor Jesus, que minhas feridas curais! Quem poderá separar-me do amor de Deus que está em vós?... Ligado estou à fé, como que cravado nela, preso estou pelos sagrados vínculos do amor. Como cautério serão, para mim, todos os vossos mandamentos que tratei, sempre, sobre mim... dolorosa é a medicina, mas tira a infecção da chaga. Tirai, portanto, Senhor Jesus... a podridão de meus pecados e conservai-me unido a vós pelos vínculos do amor! Cortai tudo que está infeccionado. Vinde, já, destruir as paixões ocultas, secretas, variadas; cortai o mal, para que não se propague por todo o corpo... Encontrei um médico que habita no céu, mas distribui seus medicamentos na terra. Minhas feridas só ele pode curar, pois não as tem em si. Do meu coração pode tirar a dor; da alma, o pavor, porque as coisas mais ocultas conhece" (Santo Ambrósio, Comentário ao Evangelho de São Lucas 15, 27).

Edições Theologica comenta: "Ninguém deve desanimar ao ver-se cheio de misérias: reconhecer-se pecador é a única atitude justa diante de Deus. Ele veio buscar a todos, mas o que se considera justo, por esse mesmo fato, está a fechar as portas a Deus, porque na realidade todos somos pecadores. A frase de Jesus, tomada de Oséias 6, 6, conserva a expressão hiperbólica do estilo semítico. Uma tradução mais fiel ao sentido seria: 'quero mais misericórdia que sacrifício'. Não é que o Senhor não queira os sacrifícios que Lhe são oferecidos, mas insiste em que estes hão de ir sempre acompanhados pela bondade do coração, visto que a caridade há de informar toda a atividade do cristão e com maior razão o culto a Deus".

Rábano escreve: "Se chama a si mesmo Médico, Aquele que se valendo de uma maravilhosa arte, para curar foi ferido por causa de nossas maldades, para que nós ficássemos sãos da ferida de nossos pecados. Com razão chama sãos àqueles que querendo estabelecer uma justiça própria, não se sujeita à verdadeira justiça de Deus (Rm 10) e enfermos àqueles que, vencidos pela dor de suas faltas e não acreditando na purificação da Lei, se submetem pelo arrependimento à graça de Deus", e: "Depois de haver-lhes falado em linguagem simples, lhes cita aquela passagem da Escritura: 'Ide e aprendei o que significa: Quero a misericórdia e não o sacrifício" (São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeum, Hom. 30, 2), e também: "Valendo-se do testemunho dos Profetas, afronta aos escribas e fariseus, que se considerando como justos, tratavam de evitar todo contato com os pecadores e publicanos" (São Jerônimo), e ainda: "É como se dissesse: 'Por que me acusais de chamar os pecadores à penitência? Pela mesma razão deveis acusar a Deus Pai, porque Ele deseja, como eu, a emenda dos pecadores' e desta maneira lhes demonstra que, não só não era proibido o que eles repreendiam, senão que, segundo a Lei, era uma coisa superior ao sacrifício; porque não disse a Lei: 'Quero a misericórdia e o sacrifício, senão que mando aquela e excluo esta" (São João Crisóstomo, Homiliae in Matthaeum, Hom. 30, 3), e: "Deus, todavia, despreza o sacrifício separado da misericórdia, e os fariseus faziam  muitas vezes sacrifícios no templo, com o objetivo de aparecer justos ao povo, porém não se exercitavam nas obras de misericórdia, que são a prova da verdadeira justiça" (Glosa), e também: "E assim adverte aos fariseus que mereçam a recompensa divina mediante as obras de sua própria misericórdia e que não confiem que será agradável a Deus o oferecimento dos sacrifícios quando não se faz caso das necessidades dos pobres" (Rábano), e ainda: "Acrescenta São Lucas a penitência (Lc 5, 32), o que significa, desenvolvendo seu pensamento, que ninguém deve julgar que Cristo ama os pecadores só por ser pecadores, ademais de que a comparação com os enfermos nos dá uma inteligência clara do que Deus quer chamar os pecadores como o médico aos enfermos, isto é, livrá-los do pecado como de uma enfermidade, o que se consegue pela penitência" (Santo Agostinho, de Consensu Evangelistarum, 2, 27), e: "Parece que Jesus fala aqui aos fariseus com a mesma ironia que quando disse: Se o homem já é como um de nós (Gn 3, 22), porque na terra não havia nenhum justo, que é o que dá a entender São Paulo nas palavras: 'Todos pecaram e necessitam da glória de Deus' (Rm 3, 23), palavras que moderaram a pretensão daqueles que haviam sido chamados; porque elas vem dizer: 'Estou tão longe de detestar os pecadores, que só por eles é que vim" (São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeum, Hom. 30, 3), e também: "Ou também porque os justos que havia, como Natanael e João Batista, não haviam de ser chamados a fazer penitência. Ou também: 'Não vim chamar aqueles justos falsos, como os fariseus, que se orgulham de sua justiça, senão aqueles que se reconhecem como pecadores" (Glosa).

Esse trecho do Evangelho de São Mateus mostra-nos como o Senhor está mais perto dos que mais precisam d'Ele. Ele veio curar, perdoar, salvar, não apenas conservar os sãos. Ele é o Médico divino que cura antes de tudo as doenças da alma. Não têm necessidade de médico os sãos, mas os enfermos, diz aos que o criticam por comer com publicanos e pecadores: "Quando os assuntos da nossa alma não andam, quando perdemos a saúde - e nunca estamos inteiramente bons -, Jesus dispõe-se a ajudar-nos mais. Não se afasta de nós, não dá ninguém por perdido, nem sequer diante de um defeito, de um aspecto em que podemos e devemos melhorar, porque nos chama à santidade e tem preparadas as graças de que precisamos. Só o doente pode tornar ineficaz, negando-se a recebê-los, os remédios e a ação do Médico que tudo pode curar. A vontade salvadora de Cristo para cada um dos seus discípulos, para nós, é a garantia de alcançarmos o que Ele mesmo nos pede. A virtude da esperança faz-nos descobrir que as dificuldades desta vida têm um sentido profundo, que não acontecem por acaso ou por força de um destino cego, mas porque Deus as quer ou pelo menos as permite para tirar bens maiores dessas situações. Fortalecem a nossa confiança n'Ele; fazem crescer em nós a consciência de que somos filhos de Deus, fomentam um maior desprendimento da saúde, dos bens materiais, purificam-nos o coração de intenções não totalmente retas, levam-nos a fazer penitência pelos nossos pecados e pelos de todos os homens... O Senhor diz-nos a cada um que prefere a misericórdia ao sacrifício, e se alguma vez permite que sejamos atingidos pela dor e pelo sofrimento, é porque convém, é porque há uma razão mais alta - que às vezes não compreendemos -, que redundará em benefício de nós mesmos, da família, dos amigos, de toda a Igreja; é porque quer para nós um bem superior, como a mãe permite que o filho passe por uma operação dolorosa para recuperar plenamente a saúde. São momentos para crermos com fé firme, para avivarmos a esperança, pois só esta virtude nos ensinará a encarar como um tesouro aquilo que humanamente se apresenta como um fracasso ou uma desgraça. São momentos para nos aproximarmos do sacrário e dizermos devagar ao Senhor que queremos tudo o que Ele queira" (Pe. Francisco Fernández-Carvajal), e: "Este é o nosso grande engano, não nos abandonarmos inteiramente ao que o Senhor faz, porque Ele sabe melhor o que nos convém" (Santa Teresa de Jesus, Vida, 6, 3).

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 02 de junho de 2008

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. "Refeição com os pecadores"

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