DEUS EXISTE

(Rm 1, 20)

 

 "Sua realidade invisível - seu eterno poder e sua divindade - tornou-se inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas, de sorte que não têm desculpa".

 

 

Lucho, irmão de Santa Teresa dos Andes dizia-lhe com a intenção de desanimá-la: "Ruanita, porque entrar em um mosteiro, sendo que Deus não existe?"

A santa, com o coração cheio de fé lhe dizia: "Ele existe Lucho, Ele existe, Ele existe...".

Antes de entrar no mosteiro, Santa Teresa dos Andes, com o coração desapegado de Lucho, escreve: "Nosso Senhor nada de seu reservou para Si ao amar-me no madeiro da cruz. E eu hei de entregar-me com meias medidas? Acharias generoso de minha parte reservar-me àqueles a quem estou mais ligada? O que ofereceria então? Não. O amor que lhe tenho, Lucho querido, está acima de todo o criado, e ainda pisoteado meu próprio coração, despedaçado pela dor, não deixarei de dizer-lhes adeus, porque o amo com loucura" (Carta 81).

Católico, Deus existe. Jamais duvidemos da existência do nosso Criador.

São milhares os católicos que dizem da boca para fora: "Vai com Deus", "Fique com Deus", "Deus lhe pague", "Se Deus quiser"... mas quando são colocados à prova, eles escancaram a boca contra Nosso Senhor. Será que eles acreditam realmente na existência de Deus? Possuem fé ou apenas uma casca? O mundo está cheio desses DEVOTOS de momento.

 

DEFINIÇÃO DE DEUS

 

Podemos definir Deus dizendo que Ele é um espírito infinitamente perfeito, que existe por si mesmo e de quem todos os outros seres recebem a existência. Diz-se:

 

a) Espírito, isto é, um ser imaterial, dotado de entendimento e de vontade como a nossa alma, embora infinitamente mais perfeito.

b) Infinitamente perfeito, porque tem todas as perfeições possíveis, em grau sumo e ilimitado.

c)  Que existe por si mesmo, porque não recebeu de ninguém a existência.

d) E de quem todos os outros seres recebem a existência. É Ele o Criador de todos os seres; e, ao invés, não foi feito por ninguém, visto que é Ele o Ser necessário que existe desde toda a eternidade.

 

DIFERENÇAS ENTRE DEUS E A CRIATURA

 

As criaturas não possuem o seu ser por necessidade de natureza; de fato, houve um momento em que não existiram, e, ainda que atualmente existem, podiam não ter existido. Têm o ser recebido de outro (em última instância, de Deus), consoante o grau e os limites da sua própria natureza. Pelo contrário, Deus existe por Si mesmo, com necessidade absoluta; é o Ser sem limites. Tudo aquilo que é algo - bondade, sabedoria, poder, beleza - se encontra n'Ele, e não de qualquer maneira, mas em grau infinito.

 

 

I. EXISTÊNCIA DE DEUS

 

Idéia de Deus. - Observa-se no mundo um fato realmente inegável, a saber, que toda a humanidade possui a idéia de um Ser superior, Causa primeira do universo e Senhor soberano do homem. E, não somente todos têm esta idéia de Deus, senão que também todos crêem na sua existência e todas as línguas conhecidas têm uma palavra para o nomear.

Vamos provar como este fato de uma afirmação universal da existência de Deus é verdadeiro e depois demonstraremos que ele, só por si, constitui uma prova da existência de Deus.

Mas, se assim é, em que se funda então a humanidade para tão unanimemente crer na existência de Deus, ou qual é a razão desta crença? Respondemos com São Paulo e com o autor do livro da Sabedoria (cap. 13) , que a existência de Deus é urna consequência lógica da existência do mundo sensível e do universo.

Divisão. - Para a prova da existência de Deus fundar-nos-emos, pois: 1.° Indiretamente na afirmação universal do gênero humano; 2.° Diretamente na existência do universo e na ordem admirável, que nele campeia; 3.° Nas consequências    absurdas    e   desastrosas,    que   derivam    do ateísmo.

Quanto àquela afirmação universal da existência de Deus, pode ela apresentar-se por duas formas: uma explícita e formal, quando vem expressamente formulada nas profissões de fé ou em práticas religiosas; e outra implícita, quando, apesar de não vir enunciada em termos precisos, se acha contudo encerrada na afirmação geral de outra verdade, de que, convindo, a poderemos considerar como separada. Passemos desde já a estudar esta dupla afirmação, explícita e implícita, do gênero humano.

 

PRIMEIRA PROVA

 

AFIRMAÇÃO EXPLÍCITA DA EXISTÊNCIA DE DEUS

 

Temos nós  que provar duas proposições:

1) O gênero humano afirma explicitamente a existência de Deus.

2) As propriedades características desta afirmação e os frutos, que dela procedem, nos demonstram claramente que ela não pode ser falsa.

 

1. - O gênero humano afirma a existência de Deus. - A universalidade da crença em Deus é um fato evidentemente atestado pela história, pelas narrações dos viajantes e pelo veredicto de uma ciência nova, a chamada ciência das religiões.

Verdade é que o genuíno conceito de Deus se foi continuamente adulterando; e não menos verdade é que os homens estão longe de conformar os seus procedimentos com as normas por essa crença exigidas nas diversas circunstâncias, em que se encontram, na sua vida. Mas, e isto só basta para a nossa tese, nas mais graves conjunturas dela, nesses momentos em que, abafadas as paixões, a consciência levanta mais alto a sua voz, o gênero humano, reconhecendo a existência de um Ser supremo, para ele apela como para seu Senhor e Juiz.

A) Afirmam a existência de Deus os povos bárbaros: Para a demonstração desta verdade seria mister recorrer a todos os autores antigos, que nos deixaram noticias sobre os primitivos povos: Homero, Hesiodo, Herodoto, etc.; mas é impossível. Ver-se-ia como deste concerto universal de vozes só algumas se ergueriam discordantes, mas estas mesmas renderiam testemunho à universalidade da crença em Deus .

Mas, dir-se-á talvez, estes autores só conheciam uma parte restrita do gênero humano. Ainda que assim fosse, ao menos hoje se conhecem completamente, ou pouco menos, todos os povos do mundo; pelo que se pôde universalizar a todos eles a seguinte afirmação sumária de Levingstone, relativa à África: "Por degradadas que se encontrem as raças africanas, é escusado falar-lhes da existência de Deus ou da Vida futura. São universalmente reconhecidas estas duas verdades em toda a África". Também no interior das cavernas pré-históricas, os vestígios ou sinais dos cultos primitivos, nos revelam a crença do gênero humano na existência de Deus. E por isso é que Tiele, um dos sábios mais versados na ciência das religiões, chega a afirmar que a religião é "um fenômeno universal na humanidade".

Objeção. - Um viajante no século XVIII julgou ter encontrado povos degradados, embrutecidos e privados de qualquer noção de Deus. Houve transportes de júbilo até ao delírio no campo do ateísmo. Afinal não era a crença em Deus universal a todo o gênero humano!

Resposta. - Serve-nos muito bem o sucedido ao nosso intento, porque vem corroborar o grande valor demonstrante, que tem a afirmação do gênero humano. Tanto medo se tem dela, que se acolhe com transportes de júbilo o testemunho de um viajante, forçosamente mal informado, pois que nem sequer conhecia a língua e costumes dos naturais da região, a que se referia. Bem efêmeros foram, contudo, estes triunfos; porque teve de  reconhecer-se depois  que,  em matéria, de religião, levavam aqueles selvagens vantagem a mais de um povo civilizado.

Muito digno de notar-se é este testemunho dos povos bárbaros, pois mostra até onde chega o instinto da natureza humana; contudo, o testemunho dos povos civilizados é muito mais avantajado em valor.

B) Afirmam a existência de Deus os povos civilizados. - Por entre as ruínas dos povos desaparecidos do mundo, nas inscrições misteriosas dos monumentos egípcios e babilônicos, a cada página da história dos grandes povos antigos se depara com o nome de Deus. A Grécia levantava aras a todas as divindades e até ao Deus desconhecido. Roma, no seu Panteão, dava acolhimento a todos os deuses do mundo avassalado; e toda a vida pública e privada do povo-rei tinha por base a religião. E por isso é que, quando já mais tarde, o cristianismo começou a fazer ruir o paganismo, bastou acusarem de ateus os primeiros cristãos, para contra eles se desencadearem todas as paixões populares.

Sobrevieram depois as hordas bárbaras, saídas das florestas germânicas, e repartiram entre si o esfarrapado Império Romano; interveio imediatamente a Igreja, que conquistou esses ferozes conquistadores e os fez prostrar aos pés da cruz. E foi este o começo desse grande período de fé universal, a que se chamou Idade Média.

Viu a era moderna surgir o filosofismo; mas nunca os seus corifeus, embora insultassem a Cristo, ousaram negar a existência de Deus. Exilou a Revolução francesa os sacerdotes, derrubou os altares cristãos, mas apressou-se a proclamar pela boca de Robespierre, guindado a Grão-Sacerdote, que "a nação cria no Ser supremo". Sobreveio, porém, Napoleão, que acudiu logo a desembaraçar dentre as suas ruínas a religião da "imensa maioria dos franceses".

Ainda mesmo hoje em dia, são os ateus, nos países abalados pela impiedade, uma insignificante minoria. "Nem mesmo um ateu para cada cem pais de família pode servir de base para os vossos cálculos", dizia o racionalista Júlio Simon aos partidários da escola neutra. E ainda se concedia demasiado, opinava o mesmo autor, em admitir-se um partidário ou dois da escola neutra para cada um dos departamentos franceses. Uma coisa parecida se passa nos outros países civilizados: na Inglaterra, na Alemanha, na Rússia, na Espanha, na Bélgica, etc., como seria fácil verificar.

Examinem-se os testemunhos dos autores menos suspeitos, e ver-se-á como todos reconhecem uma ou diversas religiões professadas pela humanidade.

Assim que, ninguém, ante um acordo de pareceres tão grande e tão imponente pela sua unanimidade, ousará pôr em dúvida a seguinte conclusão de Quatrefages: "Eis-nos ante um fato realmente importante: O ateísmo, quando se encontra, é em estado errático. As massas populares sempre e em toda a parte lhe são estranhas; nem uma só das grandes raças humanas, e nem sequer alguma das menos importantes divisões delas professou o ateísmo". Sim, o fato é verdadeiramente notável. Onde se viu jamais uma semelhante unanimidade de pareceres em assunto tão grave? Não será, porventura, a própria natureza, que, inclinando-se ante a evidência da verdade, lhe rende esta solene homenagem?

Baseia-se a força demonstrante deste testemunho universal no seguinte princípio de Santo Tomás de Aquino: "É impossível que seja falso um asserto, que todos os homens por unanimidade dão como verdadeiro. Uma opinião errônea só, de fato, se há de atribuir a um lapso da mente, e não à natureza do espírito, considerada em si mesma. O caráter próprio da opinião errônea tem que ser, por conseguinte, acidental; ora, o que é acidental, jamais podo ser universal. O que, portanto, o consenso dos homens, em matéria de religião e de moral, dá por verdadeiro, de nenhum modo se pode ter por falso" (Contra Gent. II, 34).

 

Objeção. - Se bem se considera, não basta este testemunho do gênero humano só por si para demonstrar a existência de Deus. É coisa sabida que a idolatria reinou durante longos séculos em quase todos os povos. "Tudo era deus, exceto o próprio Deus", disse Bossuet. Ora, ter por deus um pedaço de pau ou negá-lo vem a ser equivalentemente a mesma coisa.

Resposta. - 1) Já Cícero respondeu muito bem a esta dificuldade. Embora entre os homens haja divergência quanto à natureza de Deus, contudo quanto à sua existência ninguém há que o ponha em dúvida. Pelo fato de se errar quanto à natureza de um ser, não se nega a existência desse ser. Nega, porventura, a existência da eletricidade um homem ignorante, só porque faz da mesma eletricidade um conceito errôneo? Se assim fora, também os físicos haviam de pôr em dúvida a existência dela, porque ainda estão muito longe de se porem de acordo quanto à sua natureza.

2) Tão evidente é a existência de um Ser supremo, que, não obstante as deturpações, por que passou através dos séculos a idéia de Deus, persistiu, contudo, sempre reconhecida por todo o gênero humano.

Esta solução tem igualmente valor para as dificuldades tiradas do panteísmo.

 

2. - As propriedades e frutos desta afirmação provam a verdade dela.

 

1) As propriedades características da afirmação geral da existência de Deus são: A universalidade e a espontaneidade.

a) Universalidade. - Desse assunto já nos temos ocupado. E realmente tem grande peso em seu favor uma opinião, que a grande maioria dos homens, se não todos, admitem. "Em vez de supormos que toda a gente se engana, somos antes levados a crer que toda a gente é que tem razão" (P. Monsabré).

b) Espontaneidade. - "Haveis notado, que entre os nomes, que uma criança mais facilmente aprende e retém, como são os do pai e da mãe, tem a primazia o santo nome de Deus? Reparastes como não só o aprende e retém com facilidade, senão que também lhe compreende o significado, pois que lhe liga uma importância, que não dá a uma multidão de outros nomes, que parece e deveriam interessar mais?" (Pe. Olivier).

"Sinto que há Deus, e não sinto que o não haja; isto me basta e todo o raciocínio dos homens para mim é inútil; concluo que Deus existe, por esta conclusão estar na minha natureza; os seus começos vieram-me tão espontaneamente com a infância e conservei-os tão naturalmente na idade madura, que não são para eu os ter por falsos" (La Bruyére).

Conhecidas são a este propósito as eloquentes palavras de Tertuliano: "Quereis que vos prove a existência de Deus pelo testemunho da vossa alma? Apesar da prisão ao corpo, que a oprime; não obstante os preconceitos da educação, que a cativam; mau grado as paixões, que a enervam e os ídolos, que a degradam; logo que torna em si, logo que sai do seu torpor, da sua letargia e recobra a saúde, nomeia a Deus: Grande Deus! Santo Deus! Queira Deus! São as exclamações que saem espontaneamente dos lábios de cada um. Ó testemunho da alma por natureza cristã!"

Pouco faz ao caso que ou a educação ou o ensino também tivessem parte na idéia da existência de Deus. O fato é que apenas esta idéia desperta numa alma, se lhe impõe irresistivelmente por estar de perfeito acordo com as aspirações da natureza humana. Ora, não se pode admitir que a nossa natureza espontaneamente propenda para o erro.

2) Os frutos desta afirmação. - Pode-se aplicar o que Nosso Senhor Jesus Cristo diz dos homens à própria doutrina deles: "Pelos seus frutos os conhecereis" (Mt 7, 16). Para a humanidade foi sempre a crença em Deus, no Deus verdadeiro, sobretudo, a fonte de felicidade, a única verdadeira consolação nos infortúnios e o amparo eficaz da virtude. Em contraste com estes incentivos da crença em Deus, aí estão hoje em dia patentes aos olhos de todos os frutos abomináveis do ensino ateu; a criminalidade dos menores, os suicídios, a corrupção, que à maneira de maré, enchente de imundícias, tem nos últimos tempos subido, como confessam autoridades nada suspeitas nesta matéria.

Se Deus não existisse, a religião seria uma pura mentira ou um convencionalismo social; ora, como é possível que uma mentira dê origem às virtudes heróicas dos santos, à paz, à alegria das almas; a uma inocência, por exemplo, como a de um Estanislau ou uma caridade como a de São Vicente de Paulo? Seria uma coisa incrível. Mas Deus existe e a religião é divina; e por isso, onde ela é venerada, também com ela é venerada a virtude: "Sim, lei divina é essa que os melhores dos homens professam" (Schiller). "Tenho observado, que os melhores dos homens só se acham entre os que acreditam" (Frederico Bastiat).

Primeira objeção. - A crença na existência de Deus é um preconceito de educação.

Resposta. - 1) Não se pode negar que a educação tem uma grande parte na origem das idéias. A experiência quotidiana nos mostra, com efeito, quão arraigadas ficam sempre as idéias recebidas durante a infância. Não é, contudo, a educação que dá origem às idéias, mas desenvolve-as apenas. Não dá, pois, explicação ao conselho do gênero humano em crer em Deus.

2) Além disto, o que é preconceito ou como que costume, varia de povo para povo e de século para século. A crença em Deus, pelo contrário, encontra-se por toda a parte e, sempre a mesma. Como é, pois, que a universalidade e perpetuidade haviam de ser atributos só deste preconceito? O que é certo é que, independentemente de qualquer educação, existem no íntimo da alma os germens pelo menos desta crença.

3) Se enfim esta crença não fosse mais que um preconceito, como é que a ciência, segundo o testemunho dos sábios mais eminentes, a vem confirmar mais, em vez de acabar com ela?

Segunda objeção. - Foi do temor que derivou a crença na existência de um Deus: "Os homens, tomados de terror ante os grandiosos fenômenos da natureza (o raio, os movimentos sísmicos, etc.), não lhes descobrindo a causa, atribuíram-nos a um Ser superior", assim pensava Lucrécio.

Resposta. - 1) Mas, sendo assim, como é que então todos os povos tem a idéia de um Deus bom e misericordioso? Donde vem reconhecer o selvagem ignorante, a par dos gênios malfazejos, por ele esconjurados, uma divindade também tutelar? E que o pagão chame a Júpiter Deus, máximo, assim como os cristãos qualificam a Deus como Sumamente Bom?

2) Acresce ainda que este temor, se querem que ele seja religioso, já evidentemente há de pressupor à idéia de Deus.

3) E, finalmente, note-se que, conhecida a causa natural dos fenômenos, se há de forçosamente desvanecer o temor por eles causado, e, por conseguinte, também a crença em Deus, porquanto se supõe não ter ela outro fundamento. Ora, como nos ensina a história, os grandes sábios à medida que iam conhecendo melhor as maravilhas da natureza, mais humildemente iam também reconhecendo a Deus como seu Autor.

Terceira objeção. - A religião é uma invenção dos legisladores e dos padres.

Resposta. - 1) Sendo assim, antes mesmo de se inventar a religião, ela já tinha padres.

2) Quanto aos legisladores, bem viram eles a influência da religião sobre os povos, o que prova que a idéia religiosa já preexistia, anterior à sua legislação. Tudo o que puderam fazer foi só instituir algumas festas e cerimônias, impor tal ou tal forma ao culto público, etc. Sabe-se que os Imperadores romanos procuraram fazer-se passar por deuses, mas jamais houve algum homem, que se dissesse ter inventado a Deus.

Quarta objeção. - Durante longos séculos andaram universalmente enganados os homens, por exemplo, quanto no movimento do sol e dos astros. É, pois, natural que também errassem sobre a existência de Deus.

Resposta. - Não há paridade nenhuma entre os dois erros, como é fácil de ver. De um lado trata-se de um fato completamente estranho à vida social e moral dos homens, ao seu último fim e à sua felicidade; e do outro se trata de uma verdade transcendental, cujo menosprezo seria das mais terríveis consequências, verdade de que as paixões, podendo, quereriam ver-se livres a todo o custo. No primeiro caso dá-se uma ilusão por sua natureza facilmente explicável; no segundo caso dar-se-ia um erro inevitável e essencialíssimo, que redundaria em descrédito da própria razão, mesmo quanto a verdades das mais elementares.

 

Conclusão. - Não é, pois, possível que se rejeite o testemunho universal e espontâneo do gênero humano, testemunho dado tanto pelas massas populares como pela inumerável multidão dos sábios e dos santos. Nem também é possível deixar de reconhecer-se a verdade da crença em Deus à vista dos frutos maravilhosos, que ele nunca cessou de produzir. Sempre, para citar um caso só, a abnegada dedicação das Irmãzinhas dos Pobres será uma demonstração da existência de Deus, não menos convincente nem menos vitoriosa que os mais irrepreensíveis raciocínios.

 

 

SEGUNDA PROVA

 

AFIRMAÇÃO IMPLÍCITA DA EXISTÊNCIA DE DEUS

 

1) O gênero humano afirma a existência de uma lei moral.

2)  Essa lei moral é uma realidade.

3) Mas não é possível existir a lei moral sem Deus existir; logo Deus existe.

1. O gênero humano afirma a existência de uma lei moral. - A honradez, a justiça, o dever e o direito, o bem e o mal moral, a virtude e o vício, são noções comuns, reconhecidas por todos como verdadeiras e como afirmadas tanto pela consciência de cada indivíduo como pela vida prática das sociedades humanas. Honrar a mãe ou matá-la, respeitar os bens de outrem ou roubá-los, guardar a palavra dada ou violá-la, nunca foram coisas, para um homem de juízo, igualmente boas ou igualmente más em moral. Podem, sem dúvida, os povos divergir quanto à apreciação moral de tal ou tal ato, e assim poderá ser além dos Pirineus olhado como verdade o que, aquém deles, será considerado como um erro. Mas estas divergências acidentais não obstam a que todos os povos, apesar das suas aberrações, das suas fraquezas e dos seus crimes, não creiam na existência do bem e do mal; não impedem que eles tenham vergonha de ser criminosos ou que pelo contrário se prezem de ser virtuosos. Todos os povos admitem este axioma: Faze o bem e evita o mal.

2. Esta lei moral é necessária. - Se se recusasse o valor do testemunho humano sobre a existência da lei moral, forçosamente se haviam de admitir as seguintes consequências:

1) A razão humana havia de enganar-se invencível e necessariamente nas questões mais fundamentais e essenciais à vida, e só pensariam retamente as que rejeitassem todas as leis, todos os direitos e toda e qualquer obrigação, isto é, os que a sociedade humana repele como monstros horrendos.

2) A sociedade, que é indispensável aos seres humanos, e que tem por base a lei moral, não teria por fundamento mais que uma abominável mentira. Poder-se-ia porventura imaginar uma sociedade, formada por homens, que olhassem o perjúrio e os demais crimes como coisas indiferentes e que não quisessem ter por lei ou norma de vida senão o prazer e que não reconhecessem outro poder ou autoridade senão a força bruta?

3) Seria mister admitir-se uma de duas consequências igualmente funestas: ou considerar como normal uma sociedade humana, em que se vivesse sem lei moral e em completa desordem, ou crer que esta mesma sociedade para subsistir precisasse estar persuadida, baseando-se numa falsidade, de que existe uma lei moral.

 

3. Esta lei moral é obrigatória. - Ainda os idealistas mais céticos quanto aos seus deveres, nunca o são, pelo menos, quanto aos seus direitos: o direito de propriedade individual ou coletiva, o direito à reputação, ao respeito, etc. Ora, a que ficaria reduzido qualquer direito, se qualquer pessoa o pudesse livremente violar? Não seria um contra-senso? O direito, que eu tenho, de possuir um campo necessariamente implica a obrigação de os meus vizinhos me respeitarem essa posse. Sempre um direito pressupõe uma obrigação.

4. Mas sem Deus não existe lei moral obrigatória. Porque, com efeito:

A. Só Deus pode obrigar. a) A razão não pode realmente impor uma obrigação, segundo pretende Kant com os seus sequazes, partidários da moral independente.

A razão não é senão uma parte do homem; que direito pode ela, pois, ter sobre o homem por inteiro? Poderá ela dar conselhos, que será prudente seguir; mas em virtude de que princípio poderia ela obrigar? Menosprezando as suas luzes, poderemos nós ser uns insensatos, mas nunca uns revoltados. Ninguém se revolta senão contra quem é seu superior: "Que poder tem sobre mim uma lei, que eu não sei de quem e porque titulo me vem? Que força pode ter uma lei que eu posso muito bem quebrantar, por não haver um juiz que por isso me peça contas, nem um Senhor para me punir e nem um Pai para me recompensar?" (Van Tricht). O próprio Schopenhauer claramente o confessa quando diz: "A idéia do dever só pertence à moral Teológica". E é grande o número dos racionalistas que neste ponto o acompanham, e por isso é que não cessam de excogitar sistemas para salvaguardarem a sua moral independente (Guyau, Greusson, etc.). b) As relações essenciais das coisas também não podam impor obrigação. Só, está claro, para elas se pode tomar em conta os outros homens, ou os animais ou a natureza. Somos nós, porventura, inferiores a estes seres? Mas com que razão lhes deveríamos nós então em certos casos sacrificar até a nossa própria vida e a nossa honra? c) Nem tão pouco a sociedade pode apresentar uma base para esta obrigação. É uma consequência da argumentação precedente, pois que a sociedade se compõe de homens que, tendo a mesma natureza, não nos são superiores. O Estado, pelo fato de ser Estado, não pode ser fonte de obrigação; porque primeiramente a vontade do Estado é uma coisa tão volúvel, que não pode servir de fundamento a uma lei, que a razão não poderia conceber sem o caráter de uma absoluta imutabilidade. O Estado, além disto, também está sujeito à obrigação de promulgar leis justas; ora, quem diz leis justas ou legislador justo, já supõe uma justiça anterior a toda a lei humana, com a qual se deve conformar o próprio legislador.

Do sobredito se deduz, pois, que o único autor possível da lei mortal é Deus, cuja vontade se impõe necessariamente ao homem.

B. Toda a lei exige forçosamente uma sanção, e a lei moral só Deus lhe pode dar uma sanção suficiente. a) A experiência nos demonstra, com efeito, que os homens não tem ordinariamente ao seu dispor a necessária sanção. Quem é que, de fato, pode recompensar satisfatoriamente o mérito das suas boas ações? Pode, sim, a sociedade, em certos casos, obrigar-nos a observar a moral; dispõe ela para esse fim da opinião, de certo número de recompensas e da força. Mas em compensação é impotente para sancionar os atos internos; e além disto acontece-lhe galardoar o mal, proscrever o bem ou deixar impune o crime e esquecida a virtude. b) E não se diga que o testemunho da boa consciência é o prêmio dos que fazem o bem, porque esta recompensa, não está em proporção com os sacrifícios por vezes heróicos, que o dever impõe. E um homem que morre vítima do seu dever, poderá, porventura, lograr o testemunho da sua consciência?

A não ser, portanto, que se admita uma lei sem legislador, ou uma obrigação desprovida de sanção, temos direito para propor o seguinte dilema: Ou negar a lei moral ou afirmar a existência de Deus. Mas negar a lei moral, e negar que ela seja obrigatória, é igualmente impossível e absurdo; logo Deus existe.

 

TERCEIRA  PROVA

 

A  EXISTÊNCIA   DO   MUNDO   VISÍVEL

 

 

Na sua Carta aos Romanos condena São Paulo os pagãos, que conhecendo a Deus, não Lhe deram a glória como a Deus, pois que "substituíram a majestade do Deus incorruptível por imagens, que representavam o homem corruptível, aves, quadrúpedes e répteis". Com semelhantes procedimentos, diz o Apostolo, "tornaram-se inescusáveis, porquanto o que de Deus se pode conhecer o lêem eles em si; foi Deus quem lho manifestou. As suas perfeições infinitas, o seu eterno poder e divindade tornaram-se de fato, desde a criação do mundo, patentes à inteligência por meio das obras d'Ele" (Rm 1, 20).

Tanto aos ignorantes como aos sábios "contam os céus a glória de Deus" (Sl 18, 2). Uma inteligência pouco culta, mas reta, reconhece logo à primeira vista quanto é absurdo que haja "um relógio a andar, sem ter existido um relojoeiro" (Voltaire). Mas, ainda que não seja mister ser grande filósofo para da obra subir ao obreiro, da criatura ao Criador, é bom, contudo, certificar-nos de que a ciência, a verdadeira ciência, ratifica as conclusões do senso comum.

Existe um ser eterno. Eis uma verdade, que não é nem pode ser contestada por ninguém, nem sequer pelo mais obstinado positivista. E, realmente, de um puro nada também nada jamais poderia sair: "Se num determinado momento nada existe, nada eternamente existirá" (Bossuet). Ora, o universo existe. Logo temos que formular a seguinte questão nestes termos: Ou este ser, este universo com suas leis é o ser eterno, ou então forçosamente se há de admitir fora dele um outro ser distinto, que, por um ato criador livre e voluntário, lhe outorgasse a existência.

A opção necessariamente tem que recair sobre a última parte da disjuntiva, porque os seres, que com os nossos próprios olhos vemos, têm começo, transformam-se e desaparecem, e claramente se vê que eles poderiam não ter existido. Não têm, por conseguinte, em si a razão de ser da sua existência; não são necessários, mas contingentes, isto é, não exigindo por sua natureza o existirem, só podem ter a existência mediante uma Causa estranha. Se esta causa estranha fosse por sua vez produzida por outra, anterior a ela, e esta anterior por outra antes dela, e assim sucessivamente, por força havíamos de chegar a uma causa não produzida e necessária, a qual por sua natureza e em sua essência possua a razão da sua existência.

Debalde se recorreria a uma série infinita de seres contingentes, que uns aos outros sucessivamente se dessem a existência, porque, não tendo nenhum destes indivíduos em si a razão última da sua existência, nem também a pode ter toda a série. Nunca cinquenta cegos poderão jamais dar um vidente. Acumulai quantos zeros quiserdes, que nunca obtereis uma unidade. É, pois, necessário buscar fora da série esta razão última, e chegar a um ser, que não seja efeito de uma outra causa, mas que tenha a existência por virtude da sua própria natureza, e que, por conseguinte, exista necessariamente e desde toda a eternidade. A este Ser é que nós chamamos Deus. Assim que, a existência dos seres contingentes, de que se constitui o universo, nos força a concluir que Deus existe.

Inutilmente apelam também os materialistas para a eternidade da matéria, que eles proclamam como necessária e dão como princípio de tudo quanto existe. Porquanto:

a) Repugna realmente a razão admitir que a matéria seja necessária ou que não possa não existir. Não se pode conceber um círculo quadrado, porque implica contradição nas idéias; mas não há nenhuma dificuldade em imaginar-se menos um grão de areia na terra ou menos uma montanha. E tão pouco exige a razão à eternidade para a matéria, e tanto olha como possível a aniquilação dela, que se considerou como uma das mais belas descobertas da ciência moderna o princípio da conservação da matéria, que passou despercebido até ao fim do século XVIII.

b) Mas, ainda mesmo que a matéria fosse eterna, o que os materialistas nunca provaram nem jamais provarão, porque se limitam só a experiências, não se seguiria daí que essa matéria pudesse ser a razão suficiente ou causa das magnificências do universo, e menos ainda da vida e da inteligência. A causa total de um ser deve em realidade possuir, ao menos equivalentemente, a perfeição do ser causado. Se assim não fora, como poderia ela transmitir-lhe o que não tem? Como daria vida à planta, sensação ao animal e, sobretudo, inteligência ao homem, que são coisas incomparavelmente superiores à força bruta?

Inútil seria também que, por fugir à conclusão, se supusesse na matéria uma não sei que força evolutiva. Desembaraçada do palavreado científico, em que a costumam apresentar disfarçada, vem afinal esta hipótese a fazer derivar o mais do menos, o mais perfeito do menos perfeito, e a pôr-se assim em completa oposição com o princípio da razão suficiente.

Pode a prova, que acabamos de dar, apresentar-se ainda sob outras formas, tomando-se por base principalmente o movimento e a vida, que no mundo se nos deparam.

1.°  O  movimento.   - A  matéria  é  essencialmente  impotente para dar a si mesma o movimento. É esta indiferença absoluta para o movimento ou repouso, que se chama inércia da matéria, um princípio fundamental, admitido como postulado necessário por todos os sábios físicos e mecânicos. Ora bem, a matéria encontra-se por toda a parte em movimento; logo existe um motor, distinto da matéria. A causa primeira e suficiente do movimento no mundo, é a que os homens chamam Deus. Logo Deus existe.

2.° A vida. - O mesmo raciocínio se pode aplicar à matéria orgânica, para provar a existência de Deus pelos seres vivos.

Todo o ser vivo recebeu de outro a forma de movimento, a que se chama vida; o vegetal provém de um vegetal, e o animal de um animal. É esta uma lei constante, confirmada pela experiência. Subindo-se a série ascendente dos seres vivos, forçosamente se há de chegar a um primeiro ser que não recebeu de outrem a vida, mas que é a causa inteligente e poderosa, pela qual a vida teve começo, e mediante as leis da qual persevera e continua a transmitir-se. A esta causa primeira, necessária e eterna, a única que pode dar a explicação da vida sobre a terra, é que nós chamamos Deus. Deus, portanto, existe.

 

QUARTA PROVA

 

AS  PERFEIÇÕES  E  A   ORDEM DO  MUNDO

 

Leva-nos a existência do mundo e do movimento, e especialmente a existência dos seres vivos, a proclamar que um Ser necessário, eterno e soberanamente poderoso foi o Criador de tudo.

Mas é igualmente incontestável:

1. Que em todo o universo se patenteia uma ordem admirável.

2. Que esta ordem não pode provir, como efeito, senão de uma causa inteligente.

3. Que esta inteligência só pode ser a divina. Portanto Deus existe.

 

1. Existe no universo uma ordem admirável. - Falta-nos o espaço para darmos aqui uma idéia bastante desenvolvida dos esplendores e harmonias da criação. A simples leitura de um manual científico seria para um espírito atilado mais eloquente que as mais belas descrições poéticas. Para se fazer uma pequena idéia apenas do que seja essa ordem, fixemos por um pouco a atenção sobre algumas destas maravilhas, a começar pelas astronômicas.

A. O mundo sideral. 1. Sua imensidade. - Muito dilatada nos parece a terra, e, contudo, não tem mais de 40.000 km de circunferência. Precisar-se-iam 1.234 planetas do tamanho dela para se poder comparar com Júpiter, e 1.270.000 para ela igualar ao sol; e a estrela Sírio é treze vezes maior que o sol.

Por meio da luz, emitida pelos astros, é que nós podemos avistá-los, medir-lhes a distância e seguir-lhes os movimentos. É sabido que esta luz percorre umas 75.000 léguas por segundo; contudo, são necessários 8 minutos e meio para nos chegar a do sol; 14 anos a do Sírio; e 31 anos a da estrela polar. E, segundo Herschell, precisar-se-ia um milhão de anos para a luz das estrelas mais longínquas chegar até à terra.

2. O número dos astros. - E qual é o número dos astros, que povoam o firmamento? Só na via-láctea, de que faz parte o nosso sistema solar, contou Herschell, munido do telescópio, mais de 18 milhões. E, todavia, ainda existem muitas outras nebulosas resolúveis, cujas distâncias são de certo entre si comparáveis às suas dimensões.

3. Maravilhosa harmonia dos astros. - Tudo na abóbada celeste está em movimento; e, contudo, há neste enorme conjunto de estrelas, de planetas com os seus satélites, de cometas... uma ordem tão grande, que Newton, estudando os fenômenos da gravitação universal, pôde formular esta lei: Os corpos celestes atraem-se na razão direta das suas massas e na inversa do quadrado das distâncias. Por toda a parte reina a unidade na diversidade, convém, a saber, a ordem. "Este princípio, não só se harmoniza com todos os fenômenos observados, senão que permite descobrir efeitos, que a observação ainda não manifestara, como aconteceu com a descoberta de Netuno, feita, em virtude dele, por Le Verrier" (M. Petit).

Tudo no universo segue uma organização admirável tanto pela sua variedade como pela sua simplicidade. Os movimentos, aparentemente complicadíssimos, resultam de impulsos primitivos, combinados com os de uma força única que emana de cada uma das moléculas da matéria. No nosso sistema solar, por exemplo, o movimento próprio e inicial de cada planeta, movimento, que o leva em linha reta, contrabalança incessantemente a atração, que a cada instante do seu curso o atrai para o sol. E assim é que, por meio desta mecânica, milhões de massas colossais giram na amplidão dos espaços, sem que o universo venha a ruir e a alargar-se em suas próprias ruínas.

Nem é menos para admirar o movimento que é peculiar à terra. Sabemos, com efeito, que ela gira sobre si mesma em volta do seu eixo durante o espaço de 24 horas. Recebe ela por este movimento diurno a luz do sol de modo a formar a ininterrupta sucessão dos dias e das noites. A este movimento de rotação em volta do eixo acresce ainda o de translação no espaço. Sob o impulso desta força é que ela anualmente descreve em volta do sol uma imensa elipse, cujo maior diâmetro é de 75 milhões de léguas. Deste movimento engenhoso e constante, combinado com uma ligeira inclinação do eixo da terra, relativamente à direção dos raios solares, é que procedem as quatro estações do ano.

B. Os três reinos da natureza e sua mutua dependência. A parte do universo mais acessível à nossa observação é o nosso pequeno mundo, que compreende a terra, o sol e a lua. O que, mormente nos chama logo a atenção são as três categorias, profundamente distintas, que se notam nos seres criados, a que chamamos reino mineral, reino vegetal e reino animal. Não há proporção entre o primeiro destes reinos e os outros dois. O mineral compreende o sol inteiro, a lua e a quase totalidade da terra, porque a vida manifesta-se apenas sobre uma parte da crosta terrestre. Mas tudo no universo está relacionado. O reino mineral é o fundamento e como substrato indispensável aos dois reinos orgânicos. Não bastaria dizer-se que os vegetais e animais seriam muito outros, pois que nem mesmo existiriam, se a terra ou o sol sofresse qualquer modificação, um tanto importante.

A gravidade, ou por si ou por meio da pressão atmosférica, desempenha um papel proeminente nos movimentos dos líquidos de todo o organismo, isto é, nas funções mais essenciais à vida vegetal e animal. Ora, a gravidade está intimamente relacionada com a massa terrestre, de modo que, se esta massa aumentasse ou diminuísse, esta mudança ocasionaria também mudanças proporcionais não só nos diferentes tecidos, que compõem o corpo dos seres vivos e no sistema muscular, mas também na circulação dos líquidos nutritivos do organismo. Os seres organizados deviam, por conseguinte, ser organizados segundo outro plano, sob pena de morte. Tal é a importância de uma só das leis físicas!

Pode-se, pois, dizer que não só o sol e a lua, mas também os rochedos áridos e os desertos arenosos exercem influência sobre o nosso andar, sobre os movimentos dos nossos braços, sobre a respiração e circulação do nosso sangue e até sobre as nossas sensações e sobre a nossa vida material.

A importância dos fenômenos solares não é menor, e é mais fácil de verificar. Apagai o sol e não tereis mais calor, nem vapor aquoso, nem correntes atmosféricas, nem chuvas, nem águas correntes, nem líquidos; por toda a parte a morte se sucederá à vida.

São, portanto, o sol e a terra indispensáveis à vida orgânica sobre o globo. A lua por sua vez concorre poderosamente para os fenômenos da vida numa parte considerável da nossa terra; ela é que dá origem aos movimentos oceânicos, chamados marés, e com o concurso das correntes atmosféricas favorece a oxigenação das águas marítimas. Sem esta dissolução do ar nos oceanos todos os animais marítimos estariam condenados a perecer.

Também por sua parte os dois reinos orgânicos têm relações íntimas entre si. Os animais precisam das plantas, porque aspirando eles incessantemente o oxigênio da atmosfera e expirando o ácido carbônico, elas pelo contrário apoderam-se do carbônio contido no ácido carbônico e restituem o oxigênio à atmosfera.

Coisa notável! A paleontologia nos mostra que o homem, a criatura racional, o ser por sua razão imensamente superior aos mais perfeitos animas, só apareceu sobre a face da terra, depois que ela se achava já preparada para o receber, e quando todas as coisas necessárias à vida nela existiam em abundância. Devem de fato os minerais, os vegetais e animais, a seu modo, prestar-lhe os seus serviços. "O homem, como soberano que é, encontra nos diferentes reinos da natureza a morada em que habita, as roupas com que se cobre, os enfeites com que se adorna, os alimentos de que se nutre, os aromas que respira, os remédios que para seus males precisa, os confortos que nas fadigas o aliviam, os instrumentos que para os seus trabalhos necessita, e os materiais que para as suas invenções se exigem... Aí se lhe oferece vasto campo para a sua atividade intelectual, satisfação para os caprichos da imaginação... Acrescentemos ainda que ele sabe descobrir as forças ocultas da natureza e trazê-las sujeitas aos seus intentos; assim faz da eletricidade a mensageira rápida do seu pensamento, e deste mesmo agente e da água evaporada tira forças que centupliquem o seu poder de trabalho" (P. Monsabré).

Ocupa, por conseguinte, o homem o ápice de uma pirâmide, cuja base é formada pelo reino mineral, sendo o primeiro segmento formado pelo reino vegetal e o segundo pelo animal. Pode cada um destes segmentos, partindo do vértice ir renovando sucessivamente e desaparecendo, sem que o resto da pirâmide venha a sofrer nada. Com a ordem invertida é que as coisas se passariam muito diferentemente, porque a supressão da base ou de um segmento intermédio faria ruir o que se acha por cima.

É, pois, rigorosamente verdade dizer-se que a terra, o sol, todas as plantas e todos os animais foram criados para o gênero humano. A terra, a água e o ar são necessários ao desenvolvimento e à vida dos vegetais; a terra, a água, o ar e os vegetais são necessários ao desenvolvimento e à vida dos animais; a terra, a água, o ar, os vegetais e os animais são indispensáveis ao desenvolvimento harmônico do homem, considerado aqui como animal, mas animal, em que superintende a razão. Sem o concurso de tudo isto não poderia o rei da criação viver nem desenvolver as suas faculdades; mas por isso mesmo é que tudo no universo é tributário do homem, e por isso é que também a ciência nos mostra ter ele aparecido somente depois que tudo estava preparado para a sua vida.

Tiremos, pois, com M. de Lapparent a seguinte conclusão evidente: "Entre todos os sinais, pelos quais num conjunto de coisas se pode reconhecer a ordem e a harmonia, nenhum há tão característico como a unidade".

Que esta noção de unidade se nos imponha pelo espetáculo da natureza e que ela se nos vá tornando cada vez mais clara, à medida que a ciência vai progredindo, é coisa que não admite dúvida: "A ciência caminha para a unidade da simplicidade" (M. Poincaré). "As descobertas modernas, espontaneamente orientadas para um mesmo rumo, levam pelos mais diversos caminhos à mesma noção de unidade. E reconhecer que o progresso da ciência nos leva a esta unidade e simplicidade não será já proclamar a evidência dos sinais, pelos quais se revela a Sabedoria soberana que tudo ordenou?" (De Lapparent).

Virando já a vista do conjunto para cada uma das particularidades, veremos que a constituição do homem ou de um animal qualquer, a sábia disposição dos seus membros, o exercício dos seus órgãos e a variedade das suas funções nos força a reconhecer nele a obra de uma suprema inteligência, a obra de Deus.

C. As maravilhas do composto humano. Apresenta-se realmente o homem como a obra prima entre os seres da natureza sensível e como o rei da criação; não é, portanto, sem motivo que dele se faz um reino à parte, o reino humano.

Reúne ele e resume em si as qualidades dos reinos inferiores; mas possui, além disso, a inteligência e o livre arbítrio, e por consequência a moralidade e o sentimento religioso. E são estas qualidades espirituais que o elevam acima da matéria e lhe permitem alcançar a razão das coisas, e por este modo o levam ao conhecimento de Deus por meio da criação.

O animal vê, como nós, um relógio, colocado ante seus olhos, mas não vê além desse objeto material; e jamais pensará em atribuí-lo a um relojoeiro. Mas o homem, por ignorante que seja, logo que nota o organismo do relógio e se convence de que as diferentes peças concorrem para imprimir aos ponteiros um movimento regular, que se destina a marcar as horas, pensa imediatamente num ser inteligente, que houve de moldar e dispor convenientemente o maquinismo do relógio, a fim de, por ele, medir o tempo. De um modo semelhante discorre ele ao contemplar a ordem admirável que reina na região dos astros e no universo, e daí conclui com muito maior força de razão que esta ordem complicada e constante exige uma inteligência suprema e onipotente, que tudo dispôs.

É impossível que não se tire a mesma conclusão, quando se estudam os membros e órgãos, de que estamos providos, os olhos, por exemplo, e os ouvidos, que nos levam ao conhecimento do mundo exterior, e as mãos, que, pela sua forma, flexibilidade, força e mobilidade nos tornam aptos para um sem número de obras por vezes delicadíssimas.

Detenhamo-nos um pouco no exame do órgão da vista humana. Atente-se na multidão de requisitos que se devem achar reunidos e adaptados uns aos outros, para se realizar este único fenômeno a que chamamos visão.

A natureza regulou as formas, a disposição e as respectivas densidades nas diferentes partes do olho, de modo a tornar este órgão um perfeitíssimo instrumento de óptica.

a) Precisava-se primeiramente um nervo dotado de uma sensibilidade peculiar, que de nenhum modo se pudesse confundir com a sensibilidade tátil ou de outro órgão.

A retina, formada pela expansão do nervo óptico, é o mais admirável conjunto de terminações nervosas que a economia humana nos apresenta. Distinguem-se nela até oito camadas, das quais a mais interna, a que recebe a ação da luz, é formada por uma multidão de fibras finíssimas, que se erguem como os fios delicadíssimos do veludo, das quais umas, com a forma de fios muito tênues, são chamadas bastõezinhos, e outras, um pouco mais grossas, se chamam cones. Estão estes bastõezinhos e cones apinhados, lado a lado uns dos outros, com muita regularidade, no fundo do olho, onde formam uma espécie de mosaico de grande delicadeza. Como a sua grossura não vai  além de dois centésimos de milímetro (ou um centésimo da grossura de um cabelo),
podem-se calcular 30 a 40 mil por milímetro quadrado; e pode-se também em geral dizer que a retina recebe por segundo mais de 500 trilhões de vibrações luminosas. Qual não é, pois, a extremada sensibilidade e a inconcebível delicadeza da membrana retiniana, que sem fadiga recebe continuamente e por toda a vida essas inúmeras vibrações, e por meio delas as cores, as formas, as menores particularidades dos objetos! E dizer-se que a vista abrange quase metade do horizonte, e que o olho recebe os cambiantes da luz, desde a mais leve e delicada fosforescência, até à luz do sol deslumbrante! 

A este nervo óptico deve adaptar-se um instrumento, que divida e distribua os raios luminosos sobre os diversos pontos da retina: "Se a superfície, que recebe a luz radiante de um ponto, é a superfície lisa da retina, a luz desse ponto faz nascer a sensação de luz, mas não forma imagem" (Muller). Para que a luz do exterior excite no olho a imagem correspondente aos corpos, que a emitem, precisa-se a presença de diversos aparelhos. É mister que a luz emanada dos diferentes pontos exteriores atue somente sobre determinados pontos da retina e dispostos segundo uma determinada ordem e de modo que se oponham a que um ponto desta membrana seja conjuntamente iluminado por diversos pontos do mundo exterior. Soube a natureza alcançar este maravilhoso resultado. A membrana sólida, que reveste o órgão visual, é transparente numa parte da sua superfície, chamada córnea, que tem a forma de um vidro de relógio, e tem por fim dar passagem aos raios luminosos. Atrás dessa abertura, encontram-se meios convergentes, que reúnem os raios luminosos de forma que produzam a imagem dos objetos. É no fundo desta câmara escura e no mesmo eixo da córnea transparente e do cristalino que se encontra a expansão do nervo óptico ou retina.

b) Muitos obstáculos deviam encontrar a visão nítida dos corpos; mas a natureza se encarregou de arredá-los todos. Dois defeitos impedem nos nossos instrumentos ópticos a visão nítida e bem contornada das imagens: o primeiro é o da aberração de esfericidade, que, em razão da forma esférica das lentes, não permite que concorram sensivelmente num ponto comum senão os raios muito vizinhos do eixo. Para se obviar a este inconveniente coloca-se ante a lente um diafragma, que, estreitando a entrada, só permite a passagem aos raios pouco afastados do centro. Este meio empregou também a natureza na fabricação do olho: o íris, anteposto ao cristalino, faz as vezes de um verdadeiro diafragma. - O segundo defeito provém da diferente refrangibilidade dos raios luminosos. Os raios simples de cor diversa quebram-se, formando ângulos diferentes, de modo que uma única lente não os pode fazer convergir para um mesmo ponto; e daqui é que provêm as franjas irisadas, que desfiguram as imagens nos óculos ordinários. Alcançaram os oculistas corrigir este defeito combinando lentes com vidros diferentes e de diferente curvatura. No olho a disposição e as densidades do humor aquoso, do vítreo e do cristalino produzem um efeito parecido.

c) Deve, por fim, poder um instrumento óptico alongar-se ou encurtar-se, segundo as distâncias, para conservar à visão o mesmo grau de nitidez. Ora, é o que se passa no olho humano, que por si mesmo, se adapta às distâncias, mediante um mecanismo interno, que faz variar a curvatura do cristalino e, consequentemente, a refração dos raios luminosos.

Razão tinha, pois, Newton para, depois de ter estudado este órgão, exclamar: "Podia Aquele, que construiu o olho, ignorar as leis da óptica?"

Digamos também algo sobre o ouvido. Só apontaremos uma particularidade neste órgão, onde tudo, como na vista, denota uma arte maravilhosa. Há no ouvido interno, situado na cavidade do osso temporal, além de outras peças engenhosamente combinadas, um tubo enrolado duas vezes e meia sobre si mesmo, semelhando à concha do caracol, donde lhe vem o nome. Estão as espiras deste caracol divididas por membranas, às quais se adapta uma série de fibras chamadas fibras de Corte, que são tensas como cordas vibrantes, cujo numero orça por umas 60 mil. Cada uma delas está provida de um aparelho, que as pode esticar mais ou menos. São elas desiguais e vão diminuindo em comprimento desde um milímetro até um vigésimo de milímetro. Temos, pois, em cada ouvido uma espécie de piano microscópico, em que três mil cordas podem vibrar a uníssono com os sons exteriores. E, como o nervo acústico se vem ramificar nestas cordas delicadas, por meio delas recebe todos os sons musicais dos instrumentos músicos com os seus timbres e as menores particularidades sonoras.

Quanto não poderíamos dizer também sobre as maravilhas, que encerram a garganta, o estômago, os pulmões, e cada uma das partes do corpo humano? Notemos somente que o interior do estômago está atapetado por uns 5 milhões de glândulas mucosas, que são outras tantas urnas microscópicas, que incessantemente segregam o suco gástrico, e o derramam nos alimentos, para os preparar e tornar aptos a fornecerem um sangue nutritivo.

É nos pulmões que o sangue se renova, devolvendo ao ar os elementos que ele arrasta e que são impróprios à vida. E que delicadeza nesta continua mudança! Nem uma gota de sangue nem uma bolha de ar, que bastaria para causar a morte, pode atravessar a membrana extremamente fina que separa os alvéolos pulmonares. E o seu número eleva-se a 1.800 milhões! E, notemos de passagem, os vasos capilares, que distribuem o sangue, são tão numerosos, que bastaria a picada de uma agulha para rasgar algumas centenas deles. Encerra o corpo humano cerca de 800 bilhões de células e todas concorrem para as funções vitais. Há, pois, nele 800.000.000.000 de partes variadas e complexas, que atuam com um comum acordo maravilhoso e harmônico, e isto durante toda a nossa vida!

Não se acha sozinho o homem sobre a face da terra, senão que se vê rodeado de um sem número de organismos vivos, em que a ciência moderna descobriu maravilhas não menos para admirar. Citemos apenas uma particularidade. M. Blanchard, professor no Museu de Historia Natural de Paris, no princípio do seu livro sobre Les Métamorphoses et les moeurs des insectes, diz o seguinte: "O estudo comparativo dos insetos mostrou neles, como nos demais seres vivos, regras fixas e um plano de organização comum; provou a correlação constante de todas as partes do corpo dos articulados. Qualquer diversidade na forma de um apêndice é o sinal de um hábito, de um instinto especial, de uma particularidade nas condições da existência. O simples exame da mandíbula ou da maxila de um inseto ou, melhor ainda, de uma das suas patas, pode bastar para dar uma idéia das formas gerais do animal e para nos revelar o seu gênero de vida".

Não menos admirável é o que se observa nos instintos desses mesmos insetos, mormente no que respeita à conservação da espécie.

 

II. Esta ordem no mundo é obra de uma inteligência. - Para qualquer homem se torna evidente e certíssima esta conclusão, com tal que a irreflexão ou a má vontade, interessada em inventar sofismas, lhe não venham vendar ou entenebrecer o brilho desta verdade. Nenhum entendimento humano, a não ser fazendo-se violência a si mesmo, ousará jamais recusar uma sabedoria profunda ao autor das harmonias do universo. Simplicíssimo é realmente o raciocínio, que se precisa fazer, para sobre este ponto se alcançar uma convicção plena.

 

a) Demonstração direta. - É sinal manifesto de uma causa inteligente a realização de um plano magnífico, de antemão concebido, plano resultante de uma sábia combinação de elementos diversos e infinitamente numerosos, mormente quando ele se desenvolve de um modo constante e durante muitos séculos. Ora, este plano se nos patenteia por todo o universo, tanto no mundo dos astros como sobre a face da terra, e de um modo ainda mais especial no próprio ser humano. Bastaria mesmo a análise atenta de um só organismo para forçosamente se deduzir esta conclusão.

A razão é porque só uma inteligência é capaz de fazer com que um grande número de elementos dispersos e por si indiferentes a toda sorte de posições, se reúnam e se disponham com ordem e simetria, para assim concorrerem a um fim comum, a um resultado evidentemente útil. Só, de fato, uma inteligência pode de antemão determinar o intento, que se propõe realizar, e conhecer a aptidão e a proporção dos meios tendentes a alcançar esse fim, e unir finalmente esses elementos de modo a obter a realização do plano útil, previamente formado, e mais ainda a obtê-la com estabilidade.

E, note-se que não se trata de explicar a existência de um órgão só, o da vista, por exemplo, uma só vez fortuitamente obtido depois de um número de combinações sem resultado; mas a existência de todos os organismos que existem, isto é, de todos os vegetais, de todos os animais e de todos os homens da terra. Ora, só quanto às espécies, se contam já para cima de 100 mil no reino animal; e no vegetal o seu número vai ainda muito além. E quanto aos indivíduos compreendidos em cada uma das espécies, quem os poderia contar?

Além disto, os seres organizados, que hoje vivem, foram precedidos por outros a eles semelhantes, em número incalculável, desde a sua primeira aparição sobre a terra. E este prodigioso trabalho de organização efetuou-se ininterrupto, durante milhares e milhares de anos ou séculos, e sempre por meio de elementos materiais por si indiferentes a uma determinada ordem.

Demonstra-nos, além disto, a observação que os seres organizados, mas ainda em gérmen, têm uma forma muito diversa da adulta. Daqui se segue que cada indivíduo, que aparece no mundo, de novo nos apresenta à solução todo o problema de uma construção nova e sobremaneira complicada. E, entretanto, segundo os materialistas, este trabalho, por exemplo, da fabricação do olho humano, tão perfeitamente executado, seria obra realizada por milhões de átomos ou íons, nenhum dos quais sabe o que faz nem porquê nem como o faz. Segundo eles, uma inumerável multidão de átomos ter-se-ia combinado e coordenado todos segundo uma ordem perfeita e grandemente útil, de um lado em células nervosas e de outro em células motoras ou glandulares, sem intervenção de inteligência alguma; e estas células, assim constituídas, ter-se-iam agrupado em forma de cérebro para os vertebrados, na de cadeia ganglionar para os anelados, na de sistema difuso para os moluscos, dando sempre e infalivelmente a cada ser a forma típica, que lhe corresponde segundo a espécie a que pertence. Equivaleria isto a dizer-se que milhões de cegos, partindo e caminhando, sem guias, de todos os pontos da terra, se teriam ido todos postar, segundo uma ordem muito complicada, mas muito regular, na praça da Concórdia em Paris, e a crer-se, mais ainda, que este portentoso fenômeno se teria repetido, não uma, senão milhões e milhões de vezes.

Qual dentre os ateus ousaria dizer a sério que qualquer dos nossos instrumentos de óptica se podia fazer por si mesmo, sem a intervenção de um obreiro inteligente? Há numa máquina de costura ou de escrever muito menos peças, destinadas e apropriadas ao fim que nelas se tem em vista, do que no ouvido ou no aparelho da circulação sanguínea; e, contudo, que trabalho e inteligência se não precisou para a construção dessa maquina?

Esta necessidade de uma inteligência se vê, talvez mais palpavelmente, quando se pensa no que passa dentro do ovo de um pássaro durante o tempo da incubação. Temos ali uma maquina viva, que, sem a ave o saber, se vai formando, num estreito recinto, separado do mundo exterior por uns véus impenetráveis. Quantas adaptações ali se vão realizando com relação aos futuros meios, que ainda não exercem influência alguma sobre o trabalho embrionário! Fora brilha a luz; e já dentro, no seio das trevas, se vão construindo esses tão delicados instrumentos chamados olhos. Fora há vegetais e animais, que hão de servir de alimento; dentro já se estão fabricando os tubos, as retortas, os aparelhos complicados, que vão servir à digestão e à assimilação. Fora há os elementos inteiramente diversos, a terra, a água e o ar; dentro se formam já os órgãos da locomoção terrestre, aquática e aérea. A harmonia preestabelecida é completa e tão perfeita que nada nela falta nem superabunda.

 

b) Demonstração indireta. - Se a causa da ordem que se patenteia no mundo, e, mormente em cada um dos seres vivos, não é uma inteligência ordenadora, qual poderia então ser essa causa?

1. O acaso? Mas o que é o acaso, senão uma palavra que apenas serve para capear a nossa ignorância? Nunca este imaginado organizador deslocou jamais de seu lugar um pequeníssimo átomo. E dado que ele pudesse produzir algo, seria, quando muito, só a desordenam e o caos. Como poderia ele, cego e inconstante como é, realizar maravilhas de ordem e de perfeição, e não só por urna vez e ocasionalmente, senão universalmente e com perpetuidade através dos séculos? Equivaleria a dizer-se que dos caracteres da imprensa, lançados     à-toa para o ar, iria sair composta a Eneida, a Iliada ou a Athalia: "Se o concurso fortuito dos átomos pudesse fabricar um mundo com tanta beleza, porque não poderia também fazer coisas incomparavelmente mais fáceis como um pórtico, um templo, uma casa, uma cidade? Pode porventura ser homem, que raciocina, quem atribui não a uma causa inteligente, mas ao acaso, os movimentos do céu tão concertados, o curso dos astros tão regular, coisas em seu conjunto tão bem combinadas, tão bem proporcionadas e guiadas com tanta inteligência, que a nossa inteligência ante elas fica confundida? Quando vemos mover-se artificialmente qualquer máquina, uma esfera, por exemplo, ou um relógio ou coisas parecidas, não pomos em dúvida a intervenção do espírito para a realização deste invento: e havemos de pôr em dúvida que o mundo seja governado, não digo somente por uma inteligência excelente, mas por uma inteligência divina? (Cícero, De Nat. deorum).

2. Será porventura a natureza? Mas o que se quer designar por meio desta palavra?

a) Será o conjunto de todos os seres, que constituem o universo visível? Mas nesse caso já a natureza pressupõe a ordem preestabelecida; provém dela, e não a produziu.

b) Será porventura o sistema das leis, que regem os fenômenos e os seres? Mas um sistema de leis pressupõe um legislador. Qual é ele?

c) Será, talvez, o primeiro princípio das operações e das propriedades dos seres, princípio universal, como a alma, a razão universal dos estóicos; ou a força, a energia, a vontade, a idéia, dos panteístas modernos; ou o princípio particular individuante de cada ser?

Mas ou esse princípio seja geral ou particular, nunca poderá dar a razão da ordem, que se patenteia em todo o universo, se não for dotado de inteligência ou não for por ela guiado.

d) Será enfim a evolução, que produz essa admirável harmonia, que vemos por todo o universo e em cada um dos seres, que dele fazem parte? Mas porque há nele evolução? E, se nele não há uma inteligência para a conceber e organizar, como é que essa evolução tem por termo uma harmonia e ordem admiráveis, e não se encaminha antes para a desordem e para o caos? Dirão talvez que a natureza tende forçosamente para o seu fim. Seja assim, mas à semelhança uma bala, que necessariamente vai dar no alvo, com tal que seja lançada por mão inteligente, com determinada carga de explosivo, com um peso certo do projétil e por meio de um adaptado sistema de espingarda e boa pontaria. Então sim, vai a bala forçosamente bater no ponto de antemão fixado.

III. Esta causa inteligente ordenadora do mundo só pode ser Deus. - Tal é a conclusão que se deduz de tudo o que acabamos de dizer. A ordem perfeitíssima, que temos observado e admirado no mundo, nos força a admitir a existência de um ordenador, soberanamente inteligente e poderoso. Ora, a este Ser, juntamente causa e Senhor de todas as coisas, é que os homens chamam Deus; logo Deus existe.

Só, portanto, nos resta analisar, como faremos depois, o conceito de Deus, a sua natureza e atributos, mostrando como Ele é único, independente, perfeito, essencialmente bom, etc.; e como todos nós lhe devemos respeito, obediência e amor como a supremo Senhor e Pai de todos nós.

 

QUINTA  PROVA

 

CONTRADIÇÕES   DO   ATEÍSMO   E   SUAS FUNESTAS   CONSEQÜÊNCIAS

 

Sempre as contradições e funestas consequências de uma doutrina serviram como demonstração da falsidade dela. Não é menos eficaz este gênero de provas, posto que indiretas. Convirá, pois, dar aqui em resumo algumas das contradições e consequências funestas do ateísmo, se bem que já antes deixamos entrever não poucas delas.

Chama-se ateísmo a negação direta e formal de toda a divindade. Costuma-se ele dividir em ateísmo teórico e ateísmo prático, ou ateísmo de entendimento e ateísmo de coração. Mas raramente anda um desacompanhado do outro, porque o ateísmo nas idéias tem quase sempre começo no coração ou numa vida, que corre desregrada, como se Deus não existisse. A perversidade do coração traz consigo perversão das idéias; porque, quando o homem se entrega às paixões desregradas, não vê em Deus mais que um juiz justiceiro, e por isso bem quisera que Ele não existisse: "Só nega a Deus quem está interessado em que Ele não exista" (Santo Agostinho). "Quisera ver um homem sóbrio, comedido, casto e reto, assegurar que não há Deus, ao menos este falaria desinteressadamente; mas um homem assim não se encontra" (La Bruyère). "Conservai a vossa alma em estado que não tenha que temer a Deus, e jamais duvidareis da sua existência" (J. J. Rousseau). O que o coração corrupto começou é o que o orgulho do espírito facilmente depois leva a cabo. O espírito de independência, a revolta contra o jugo da autoridade, a curiosidade perversa, estimulada pelas más leituras, o respeito humano que faz ter vergonha do que é verdadeiro e bom, o hábito que se contraiu de menosprezar a verdade conhecida; tudo isto acaba afinal por obscurecer as luzes da fé e até as da razão.

Nós, porém, só temos que ocupar-nos aqui do ateísmo teórico. Os que assim negam a Deus reconhecem pelo menos a existência de uma ordem admirável no mundo. E qual pode ser, pois, para eles a razão suficiente desta existência e desta ordem? Como a não querem achar fora do mundo material, numa inteligência superior e num poder criador, força é que a busquem na mesma matéria e que a atribuam ao acaso ou necessidade cega. Concebem eles esta matéria primordial e eterna como uma massa informe de átomos em número infinito e infinitamente pequenos, sem extensão, sem vida, sem determinação de espécie alguma. Uniram-se, dizem eles, e combinaram-se e terminaram por constituir todos os seres, de que consta o universo.

É, portanto, a estes átomos e ao cego e impotente acaso que se hão de atribuir as inúmeras maravilhas da natureza, da arte e do próprio gênio:   "Quando vós lançais os olhos sobre um quadro ou sobre uma estátua, compreendeis logo que ali andou a mão de algum artista" (Cícero). E, contudo, aos olhos dos ateus no universo com todas as suas magnificências, sem cessar renovadas, não se patenteia o mínimo sinal de inteligência. Como puderam estes materialistas verificar as suas afirmações, já que se trata da origem dos seres, e a ciência, segundo eles, não se ocupa das origens? O que é que a experiência lhes pode revelar acerca da necessidade e eternidade da matéria? E, contudo, eles mesmos vão ainda mais longe; para salvaguardar o seu ateísmo não hesitam em contradizer os resultados mais comprovados pela observação, como quando afirmam, por exemplo, a existência das gerações espontâneas: "Na opinião de que há um Deus, encontram-se dificuldades; mas na opinião contrária encontram-se absurdos" (Voltaire).

A. Contradições do ateísmo. - Importa demonstrar de um modo preciso algumas das consequências absurdas, que encerra esta desoladora doutrina do materialismo ateu.

Primeira contradição. - É um axioma incontestável que ninguém pode dar o que não tem. Ora, na hipótese atéia, os átomos são indeterminados, sem inteligência, sem liberdade, sem vida. E, sem embargo, são eles os que hão de produzir os corpos de uma determinada extensão, os seres organizados, animados, inteligentes e livres! Procuram os ateístas fugir a esta dificuldade recorrendo à atração molecular e às forças intrínsecas, inerentes, segundo eles, à matéria primordial. Seja assim; mas essas forças são ou não são matéria? Se não são, já nesse caso há alguma coisa fora da matéria, o que os ateus redondamente negam. E se são matéria, ou hão de estar unidas aos átomos ou separadas deles. Se estão separadas dos átomos, já estes, pois, não são o único princípio do mundo; e se estão unidas aos átomos, não o podem estar senão como qualidades inerentes; e neste caso já eles são necessariamente determinados. Ora, o que eles afirmam é que os átomos são indeterminados.

Segunda contradição. - Supõe-se infinito o número dos átomos. Ora, é da essência do número o poder aumentar; e da essência do infinito o não poder aumentar. Além de que se se dá a esta palavra infinito o sentido de inumerável multidão, já se determina o número dos átomos; há tantos, e nem mais nem menos um: "Não se pode supor a adição ou a subtração de um só átomo, sem nos vermos forçados a reconhecer que isto traria consigo um desarranjo imediato no equilíbrio universal" (Buchner). Mas donde é que então viria esse determinado número de átomos? Se vem dos mesmos átomos, já eles não são indeterminados; e se vem de outra causa, digam-nos então qual ela é, se não é Deus.

Terceira contradição - Os átomos, segundo os ateus, são diferentes e independentes uns dos outros, e, não obstante isto, estão privados de qualquer qualidade determinada. Como se diferenciam eles, pois, entre si, já que nenhuma qualidade os distingue uns dos outros; e como é que a sua respectiva independência lhes permitiu a união, para formar as combinações, que eles dizem serem inevitáveis?

Quarta contradição - Estes átomos, dizem, são indivisíveis e inextensos; escapam, por conseguinte, à percepção dos nossos sentidos. Ora, segundo os mesmos ateus, nada há real a não ser o que está ao alcance dos sentidos: "Nada há verdadeiro, nada real senão o que é sensível e palpável" (Ludwig-Andreas Feuerhach). "Nada podemos alcançar das relações do mundo corporal com os nossos sentidos" (Moleschott). Assim que os átomos, segundo a teoria atéia, não têm existência real, porque escapam aos nossos sentidos, e, com tudo, esses mesmos átomos são o princípio único de um mundo, que é certamente muito palpável e real.

Confessemos, pois, com um dos seguidores do moderno ateísmo, Virchow, que "ninguém até agora deu uma explicação sobre a formação do mundo pelos átomos, que nos satisfaça".

B. Efeitos desastrosos do ateísmo. - Às contradições e absurdos do ateísmo vêm ajuntar-se às consequências fatais, que ele consigo traz à humanidade. Arruinando todo o culto religioso e toda a moral, arruína juntamente a ordem pública e até a sociedade.     

Se realmente não existe um Ser supremo, justiceiro e poderoso, de que dependemos, que nos prescreve com autoridade o que devemos praticar ou evitar, e que nos galardoará ou punirá segundo os nossos merecimentos, nesse caso também não haverá mais diferença alguma real entre o bem e o mal moral, entre o vício e a virtude, e cada homem pode livremente guiar os atos da sua vida segundo as propensões dos seus piores instintos. Se nada tem a temer nem a esperar na outra vida, não tem que preocupar-se senão com o seu bem-estar, durante os poucos dias que passa sobre a terra, como qualquer dos animais que nela vivem.

Faça o que fizer, sempre se encontrarão imperfeitos os bens cá na terra, sempre acompanhados de desgostos e continuamente aguados pelo espectro de uma morte certa e inevitável. A poucos bafeja a fortuna e imensamente superior é o número dos desfavorecidos dela. Se, pois, para estes não houvesse no céu um Deus, bom e justo, a oferecer-lhes numa outra vida um esplêndido e eterno galardão pelos sofrimentos passageiros desta, só lhes restava a luta contra uma forçada e desesperadora fatalidade. E assim vem o ateísmo a apagar todo e qualquer raio de esperança. "Dando-se como fim e como objeto ao homem a vida terrestre, a vida material, agravam-se com a negação, que a remata, todas as suas misérias, acrescenta-se ao abatimento do desgraçado o fardo insuportável do nada; e do sofrimento, que é lei de Deus, faz-se o desespero, que é a lei do inferno. Daqui é que provêm as profundas convulsões sociais" (Victor Hugo).

E não é só a desgraça dos indivíduos e das famílias que o ateísmo ocasiona, senão que impossibilita qualquer associação dos homens entre si, e os deixa entregues ao mais desapiedado egoísmo. Os príncipes, os magistrados, os poderosos não terão mais que temer o soberano Juiz, que lá do céu lhes perscruta os procedimentos. Havendo-se como salvaguardados com a impunidade, abusarão da força para oprimir os fracos. E, por sua vez, os vassalos, perdida a idéia de Deus, não reconhecerão mais qualquer autoridade acima deles; pelo que o filho na família, o operário na oficina ou na fábrica, o cidadão no Estado cederão somente ante a prepotência. Cada qual cuidará só em lograr por todas as formas a maior soma possível de gozos; e assim os fracos esmagados pelos prepotentes, pelos audaciosos e astutos, terão de suportar o jugo da mais monstruosa tirania. Um povo de ateus seria ingovernável.

Eis aí algumas das calamidades que o ateísmo desencadearia sobre um país, que tivesse a desgraça de vir a ser vítima dele. Basta esta simples exposição para provar a falsidade de um sistema assim fecundo em efeitos desastrosos. Só a crença num Deus vingador do crime e remunerador da virtude é que dá consolação e conforto em meio dos trabalhos da vida, e só ela é que reprime deveras as paixões, alenta a obediência, inspira a justiça, a caridade, a dedicação, o patriotismo, e em geral toda a sorte de virtudes.

 

PROVA SUBSIDIÁRIA DA  EXISTÊNCIA DE  DEUS

 

O ESCOL DAS INTELIGÊNCIAS DO GÊNERO HUMANO AFIRMOU  SEMPRE  ESTA EXISTÊNCIA

 

Já notamos como a humanidade em seu conjunto, tanto nos povos bárbaros como nos civilizados, sempre creu na existência de Deus. Houve, entretanto homens que cerraram os olhos à luz brilhante desta verdade; mas, como já dissemos, o ateísmo deles não é fruto de uma ciência mais avantajada, como passamos a demonstrar, apelando para o testemunho dos sábios crentes.

É um fato incontestável que a grande maioria dos espíritos superiores reconhecem a existência de um Ser eminente, causa primária do universo. Esta homenagem, rendida à divindade pelo escol da mentalidade humana, por homens, cuja convicção se baseava forçosamente num exame mais sério e mais profundo, possui um valor e uma eficácia especial para confirmar a nossa tese e corroborar a prova que tiramos da afirmação universal do gênero humano.

Dos homens da antiguidade, que com o seu gênio e saber honraram a humanidade e que altamente reconheceram a existência de Deus, relembremos os nomes de Homero, Virgílio, Sófocles, etc. Xenofonte e Platão atribuem a Sócrates uma belíssima prova da existência de Deus. E o próprio Platão no Timeu e na Apologia de Sócrates trata admiravelmente este ponto, e chega a sentir-se enojado por ter de provar uma verdade tão indubitável. Declara ele no livro das XII Leis que a ordem das revoluções celestes prova a existência de uma inteligência suma, e demonstra como não somente a astronomia não é favorável ao ateísmo, mas pelo contrário, o condena: "Ao contemplar-se a terra, o mar, o céu, diz semelhantemente Aristóteles, poder-se-á pôr em duvida a existência de um Deus e que eles sejam obra sua?" E Galeno, depois de ter feito a anatomia da mão do homem, exclama: "Não é um livro, que eu escrevi, mas é um hino que acabo de cantar em honra da divindade".

Mas foi, sobretudo, depois que Jesus Cristo veio ao mundo, que a maioria dos homens eminentes foram não só homens de fé, senão também intrépidos defensores das suas crenças. Bastará nomear os Atenágoras, os Justinos, os Irineus, os Arnóbios, os Clementes de Alexandria, os Tertulianos, os Orígenes, os Minúcios-Félix, os Ciprianos, os Gregórios, os Cirilos, os Ambrósios, os Agostinhos, os Jerônimos e inúmeros outros, que, animados de uma fé ardente, empregaram a sua rara eloquência na defesa das verdades cristãs. E que homens não são também um Santo Anselmo, um Santo Alberto Magno, um São Boaventura e, sobretudo, um Santo Tomás de Aquino, um dos mais belos gênios, de que se gloria a história do pensamento humano. Foi ele quem em certo modo codificou as provas da existência de Deus. Mais tarde escreveu Bossuet o Tratado do Conhecimento de Deus e de si mesmo; e Fénelon o Tratado da existência e atributos de Deus. E como eles, também Copérnico, Galileu, Kepler, Descartes, Pascal, Malebranche, Newton, Leibnitz, Euler e quase todos os homens eminentes pela inteligência e saber, punham toda a sua glória nas suas convicções religiosas.

Publicou há tempo um protestante, o Dr. Dennert, alemão, um opúsculo, em que expõe o resultado dos estudos, que fizera, acerca das opiniões religiosas de quase 300 sábios, que viveram durante os quatro últimos séculos. Fez a escolha entre os mais eminentes nas ciências naturais, em física, em astronomia, na biologia, na anatomia, na fisiologia, na geologia, na botânica, etc. As suas diligências foram baldadas quanto a 38 deles; e quanto aos demais, só 20 é que se podem considerar como indiferentes em religião ou como incrédulos. Tira, pois, como conclusão que 92 por cento acreditavam em Deus, e que muitos deles eram até muito afeiçoados às coisas religiosas.

Com relação ao último século, justamente ufano pelas suas maravilhosas descobertas, cita este escritor 163 nomes, dos quais 124 foram de homens crentes; 27 de indivíduos que não manifestaram opiniões filosóficas bem conhecidas; e só 12 pertenceram a incrédulos, como Tyndall, Huxley, Moleschott, Vogt e Buchner, ou a indiferentes como Arago, Goethe e Darwin.

Daqui se segue quanto é falso o que dizem e repetem os sequazes do materialismo, que a ciência moderna expulsou definitivamente dos seus domínios a idéia de Deus. A verdade é que os grandes sábios, os fundadores e glórias da ciência, os gênios, de que se pode, com Renan, dizer que "mudaram a base do pensamento humano, modificando totalmente as idéias acerca do universo e das suas leis", admitiram e proclamaram a existência de Deus.

Além daqueles, cujos nomes apontamos, muitos outros podíamos citar que rejeitam o ateísmo. Não é possível reproduzir aqui os brilhantes testemunhos que aqueles homens extraordinários prestaram à divindade, testemunhos que é fácil encontrar nas obras que de propósito versam este assunto; não podemos, entretanto, resistir ao prazer de mostrar quanto nos mais ilustres sábios era íntima e profunda a convicção acerca da existência de Deus e quão grande era a admiração que tinham pelas suas obras.

"Dou-vos graças, Criador e Senhor, por todas as alegrias que experimentei nos enlevos, em que me arrebatou a contemplação das vossas obras. Ante os homens proclamarei as suas grandezas" (Kepler).

"No movimento regular dos  planetas e  seus  satélites, na sua direção, na sua órbita, no grau da sua velocidade estão marcados os planos, está vincada a ação de uma causa, que de nenhum modo é cega e casual, senão que, pelo contrário, se revela muitíssimo hábil em mecânica e geometria" (Newton).

Herschell confessa que "quanto mais o campo da ciência se dilata, tanto mais avultam as numerosas e irrecusáveis demonstrações da existência eterna de uma inteligência criadora".

Hirn, depois de afirmar que o materialismo está condenado a negar a idéia de uma finalidade harmoniosa, acrescenta: "Ora, uma tal negação vai tão rudemente de encontro aos mais elementares ditames da razão humana, que dá um golpe mortal à teoria de que ela dimana".

Assim se expressam homens eminentes, cujo valor científico por ninguém é contestado; e assim proclamam que evidentemente se vêem no universo, objeto dos seus estudos assíduos, os sinais de uma inteligência divina; e porque assim o viram, é que lhe rendem um preito público de homenagem, como a ordenador do universo; e a prestam com o pleno resplendor da sua glória científica.

Revela-se Deus tão visivelmente na criação, que nem mesmo muitos inimigos notórios das nossas crenças puderam deixar de reconhecer o divino Artista na sua obra, o universo; e seu testemunho, por ser deles, é muito mais abonado e significativo.

"Tudo é arte no universo e a arte denuncia um artífice. Examinai mesmo um caracol, um inseto, uma mosca; neles vereis uma arte infinita, que nenhuma indústria humana pode igualar. Forçoso é, pois, que haja um artista infinitamente hábil; e a este artista é que os homens chamam Deus. Se um relógio necessariamente pressupõe um relojoeiro, se um palácio requer um arquiteto, como não há de o universo pressupor uma inteligência suprema? Que planta, que animal não leva a marca d'Aquele que Platão chama o Geômetra eterno? Parece-me que o corpo do menor animal revela uma profundeza e unidade de plano, que juntamente devem arrebatar-nos a admiração e confundir-nos o espírito" (Voltaire).

"Afirmar que os olhos não foram feitos para ver, nem os ouvidos para ouvir, nem o estômago para digerir, não será porventura o maior dos desatinos, a mais revoltante das loucuras, que podem caber num entendimento humano? Apesar de eu ser pouco crédulo, contudo, confesso-o, esta demência para mim é evidente" (Voltaire). "Provas contra a existência de Deus jamais as houve" (Idem).

Não é, pois, para admirar que Voltaire nem sequer suportasse os ateus. "O ateísmo é o vicio dos tontos, é um erro, que nem tem lugar nos antros do inferno... O ateísmo especulativo é a maior das loucuras, e o ateísmo prático é o maior dos crimes. De cada opinião da impiedade sai uma fúria armada de um sofisma e de um punhal, que torna os homens insensatos e cruéis" (Voltaire).

"Que olhos, não prevenidos, deixarão de ver na ordem sensível do universo uma inteligência soberana? Me é impossível conceber um sistema de seres tão constantemente ordenado sem juntamente pensar na inteligência que o ordena. Não me é possível acreditar que a matéria passiva e inanimada fosse capaz de produzir seres vivos e sensitivos; que o acaso pudesse produzir seres inteligentes e que o que não pensa pudesse produzir seres que pensam" (J. J. Rousseau).

 

ATRIBUTOS DA ESSÊNCIA DIVINA

 

Atributos divinos são as diversas perfeições que distinguimos em Deus; tais como a sua Sabedoria, a sua Bondade, etc.

Estas perfeições não são realmente distintas de Deus; assim, a sua Sabedoria não difere realmente da sua Bondade, nem ambas da essência divina, porque Deus é simplicíssimo.

No entanto, chamamos-lhes diversas, porque, não podendo o nosso entendimento abarcar com um só olhar a síntese das perfeições de Deus, vê-se obrigado a distingui-las para as poder estudar.

A Essência divina é Única, Simples, Infinita, Imutável, Eterna e Imensa.

 

a) Unidade

 

Deus é único, isto é, não pode haver senão um só Deus, pois a essência é incomunicável.

Esta verdade consta em muitos lugares na Sagrada Escritura. Basta citar o primeiro Mandamento da Lei: "Eu sou o Senhor teu Deus; não terás outros deuses diante de Mim" (Êxodo, 20, 2). Os símbolos da fé começam pelas palavras: "Creio em um só Deus".

Concebemos Deus como Ser infinito, isto é, que tem todas as perfeições. Se houvesse vários deuses, um deles não teria as perfeições dos outros, e assim nenhum seria Deus. Por outras palavras, é impossível que existam dois seres infinitos.

Chama-se idolatria o grave erro que consiste em admitir e adorar vários deuses.

As principais causas da idolatria são:

 

1. A ignorância e debilidade do entendimento humano, que toma como deuses as manifestações de Deus na Natureza.

Especialmente aqueles que lhe causam admiração ou temor, como o Sol, o raio, etc.; ou têm relação mais direta com a vida e a felicidade do homem, como o fogo, a água, a paz, etc.

2. A malícia ao Demônio, que se faz adorar como deus e leva os homens a adorar os próprios vícios.   

É dever de todo o bom cristão trabalhar, com a oração e a esmola, pela conversão dos infiéis.

 

b)  Simplicidade

 

Deus é simples, isto é, não composto de partes.

A simplicidade de Deus implica que Deus não tem corpo, nem qualidades sensíveis, nem partes de nenhuma espécie.

São João ensina que "Deus é espírito" (Jo 4, 24). E, noutro lugar, que "ninguém viu a Deus nem O pode ver" (Jo 1, 18).

Em Deus não pode haver partes, porque todo o ser composto é posterior às partes que o compõem. Deus não pode ser posterior a nenhum ser, porque é a causa de todos. Logo, não pode ser constituído por partes.

Exemplos de que todo o ser composto é posterior às suas partes: numa casa, os tijolos, as pedras, a madeira, etc., existem antes da casa. Primeiro, existem o homem e o cavalo, e um com o outro fazem o cavaleiro, etc.

Quando a Sagrada Escritura nos fala dos olhos e das mãos de Deus, etc., emprega uma linguagem figurada, para nos dar a entender melhor as suas perfeições e as suas obras.

Assim, para significarmos que Deus sabe tudo, diz-nos que "Em todo o lugar os olhos de Deus contemplam os bons e os maus" (Pr 15, 3). E Isaías pinta com estas grandiosas figuras o poder de Deus: "Quem é aquele que meteu as águas do Oceano na concha da sua mão, e sustém só com três dedos a mole do Universo?" (Is 40, 12).

 

c) Infinidade

 

Deus é infinito, ou seja, tem todas as perfeições em sumo e ilimitado grau.

A Escritura ensina-nos que Deus é a própria sabedoria, "o único poderoso", "o único bom", "aquele que dá a todas as coisas vida e movimento"; numa palavra, que tem todas as perfeições em grau supremo.

A razão nos demonstra que Deus é infinito, porque, se não o fosse, poderia ainda receber perfeições. Dependeria, então, daquele que Lhas desse, e, por isso mesmo, não seria Deus.

A consideração da infinita grandeza de Deus, junta ao reconhecimento da nossa miséria e pequenez, deve humilhar-nos profundamente diante d'Ele. É este o sólido fundamento da humildade cristã.

 

d) Imutabilidade.

 

A imutabilidade de Deus consiste em que Deus não está sujeito a mudança nem no seu Ser, nem nos seus desígnios.

Assim, lemos em São Tiago: "Deus, em quem não cabe mudança nem sombra de variação (...)" (l, 17). E, em Malaquias: "Eu sou o Senhor e não mudo" (3, 6).

Provas da razão: a) Deus não muda no seu Ser, porque nem pode adquirir algo de novo nem perder nada do que tem, pois já não seria infinito; b) Deus não muda nos propósitos da sua Vontade, porque tudo o que sucede estava por Ele previsto e determinado desde a eternidade.

Quando se diz, na Escritura, que "Deus Se arrependeu de ter criado o homem", é um modo figurado de falar, porque na realidade Deus não pode mudar nem arrepender-Se (cf. Gn 6, 6).

Mudar ou arrepender-se é mudar de desígnios; e a mudança de desígnios implica o conhecimento de coisas que antes se ignoravam. Mas Deus sabe tudo desde toda a eternidade.

A Sagrada Escritura quer significar simplesmente a indignação de Deus perante a maldade do homem.

 

e) Eternidade      

 

Consiste a eternidade em que Deus não teve princípio nem pode ter fim.

"Tu, ó Deus, és desde toda a eternidade e por toda a eternidade", diz Davi (Sl 89, 2).

Prova da razão: Deus é eterno porque é o Ser necessário que em Si tem a razão de existir e não pode deixar de existir.    

Consequentemente, para Deus não há passado nem futuro: todas as coisas estão para Ele num eterno presente.

Sendo Deus Ato Puro, não pode haver n'Ele a sucessão de tempos e acontecimentos, como não se pode dar aquisição de novas perfeições. Tudo Deus abarca num só olhar, e "mil anos são para Ele como um dia" (Sl 89, 4).

Sendo Deus eterno e imutável, devemos unir-nos a Ele porque só Ele permanecerá para sempre. O mais funesto engano dos homens é cuidarem apenas daquilo que cedo desaparece e esquecerem-se de assegurar o futuro.

 

f)  Imensidade. Presença de Deus

 

A imensidade de Deus consiste em que Ele está em todos os lugares e em todas as coisas; e isto de três modos:

a) Por essência, porque lhes comunica ser e atividade.

b) Por presença, porque está em todos os lugares, presenciando tudo o que neles se passa.

c)  Por potência, porque conduz todas as coisas ao fim que lhes assinalou.

 

Deus é imenso, porque, como causa universal de todas as criaturas, tem de atuar nelas, para as criar, as conservar e governar, visto que nenhum ser pode agir onde não existe.

Deus, porém, não está limitado nem contido em nenhum lugar, mesmo quando está em todos os lugares. Por isso dizia Salomão, falando do Templo: "Se o céu e os céus não podem conter-Te, quanto menos esta casa que eu levantei!" (1 Rs 8, 27).

A presença de Deus deve levar-nos a evitar tudo quando possa ofendê-Lo, e a fazer com que todas as nossas obras sejam dignas dos seus divinos olhos. A Escritura atribui o pecado ao esquecimento de Deus: "O ímpio não tem Deus diante dos olhos; por isso o seu proceder é sempre perverso"; e mostra-nos a virtude como fruto do pensamento da sua presença: "Anda diante de Mim, e serás perfeito" (Gn 17, 1).

É também muito expressivo e digno de ser meditado este conselho que Tobias dava ao filho: "Tem Deus na tua mente todos os dias da tua vida, e tem cuidado de não  consentires no pecado" (Tb 4, 6).

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 21 de junho de 2008

 

Bibliografia

 

Escritura Sagrada

Mnr Cauly, Curso de Instrução Religiosa - O Catecismo Explicado

Pablo Arce e Ricardo Sada, Curso de Teologia Dogmática

Ludwig Ott, Manual de Teologia Dogmática

Pe. W. Devivier, Curso de Apologética Cristã

 

 

 

 

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Depois de autorizado, é preciso citar:

Pe. Divino Antônio Lopes FP. "Deus existe"

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