COLOCO DEUS À MINHA FRENTE SEM CESSAR

(Sl 15, 8)

 

“Coloco Deus à minha frente sem cessar, com ele à minha direita eu nunca vacilo”.

 

 

I. Lembremo-nos continuamente de Deus

 

Ó Deus verdade, no qual, do qual e pelo qual é verdadeiro tudo o que é verdadeiro; infeliz daquele que se esquece de Ti.

Deus sabedoria! No qual, do qual e pelo qual é sábio tudo aquilo que é sábio; estúpido é aquele que Te ignora para confiar nas criaturas.

Deus verdade e suma vida! Em quem, de quem e por quem vive tudo o que verdadeira e sumamente vive; louco é aquele que vive como se Tu não existisse.

Não há instante em que o Senhor não pense em nós e  não cumule de benefícios: “Esperei ansiosamente por Deus: ele se inclinou para mim e ouviu o meu grito” (Sl 39, 2). Tudo o que possuímos na alma e no corpo, todos os bens internos e externos, naturais e sobrenaturais, são benefícios de Deus e outros tantos argumentos que provam a bondade e amor do Altíssimo, e mostram ao mesmo tempo que o Senhor é a fonte de todo o bem que recebemos. Sem Deus ninguém pode alcançar o menor bem.

Segundo a sua própria linguagem, ama e guarda a nossa alma como a pupila dos seus olhos: “Ele o achou numa terra do deserto, num vazio solitário e ululante. Cercou-o, cuidou dele e guardou-o com carinho, como se fosse a menina dos seus olhos” (Dt 32, 10). Sem cessar dá-nos a existência e a vida, conserva-nos a razão e a fé, cerca-nos de meios de salvação. Desejando estar sempre conosco, estabelece em nós a sua morada e nos rodeia de contínua e paternal solicitude. Poderíamos esquecer um Deus que nos ama tanto? Deveríamos pensar n’Ele tantas vezes quantas são as respirações do nosso peito.

Não devemos negar nada a Nosso Senhor... Quando sofremos, quando nos sentimos sozinhos... o pensamento de que Deus está conosco nos consolará.

É necessário correr com o desejo e a lembrança de Deus, da mesma maneira como corremos para o momento da morte, pois o curso da vida não para nunca. Dormindo, comendo, falando ou fazendo outras coisas, corremos para a morte. É o que devemos fazer e faremos, se em cada ação nos pomos na presença de Deus, pois então estaremos sempre no seu santo temor.

Essa recordação ser-nos-ia facilmente habitual, se procurássemos comunicar-lhe unção; esta prende a Deus não só a nossa inteligência e vontade, mas também a nossa imaginação, sentimentos e afetos. E então quão fácil nos é pensar no Senhor, falar-lhe interiormente, viver sempre unidos a Ele! Procuremos, pois, com vagar, obter e conservar em nós essa devoção terna concedida pelo Espírito Santo. A oração no-la alcançará; a pureza do coração e o recolhimento a entreterão em nossa alma. Gozando a doçura divina, seremos impelidos a procurar a Deus em todas as coisas: “Procurei a Deus e ele me atendeu, e dos meus temores todos me livrou” (Sl 33, 4).

Devemos, sobretudo, tornar prático ou eficaz em nós esse exercício da presença divina. Deus está no nosso coração como está no céu com todos os seus atributos: seu poder, sua sabedoria, sua bondade, sua justiça, sua veracidade e sua santidade infinita. Que poderoso motivo de adorá-Lo em nós, temê-Lo, amá-Lo, confiar em sua misericórdia e imitar suas divinas perfeições! Trabalhemos com Ele no nosso interior, como os anjos e os santos o fazem na glória.

Deus em mim, eu n’Ele deve ser o nosso lema. Que jubiloso mistério a presença de Deus dentro de nós, neste íntimo santuário das nossas almas onde sempre podemos encontrá-lo, também quando não percebemos mais sensivelmente a sua presença!

Viremos as costas para a “fumaça” que o mundo nos oferece e andemos continuamente na presença de Deus dizendo-Lhe: Ó Senhor e Bem meu! Não é sem lágrimas e grande regozijo de minha alma que recordo isso! É possível, Senhor, que nos ameis tanto a ponto de quererdes ficar assim conosco? Se, por nossa culpa, não perdermos a vossa companhia, convosco poderemos deleitar-nos e vós folgareis conosco, pois dissestes que a Vossa delícia é estar com os filhos dos homens! Que é isto, Senhor meu? É sempre grande alegria para mim ouvir tais palavras. Será possível, Senhor, que uma alma, sabendo que Vos deleitais com ela, torne ainda a ofender-Vos e a esquecer tantos favores e tão grandes provas do amor que lhes tendes, do qual não pode duvidar, pois  tão claramente o vê nas obras?

“Meu Deus, não quero mais afastar de vós os meus olhos, porque não desviais jamais de mim as vossas vistas” (Santo Agostinho). Concedei-me a graça de pensar em Vossa bondade, de Vos suplicar sem interrupção e praticar em Vossa presença os deveres que a Vossa vontade me impõe.

Se Deus habita em cada homem que vive na graça, por que então tem este tanta dificuldade em encontrar a Deus e reconhecer sua presença? Devemos notar que o Verbo, Filho de Deus, junto com o Pai e o Espírito Santo, está essencial e presencialmente escondido no interior da alma. Portanto, a alma que quiser encontrá-Lo deve afastar-se, segundo o afeto e a vontade, de todas as coisas, e retirar-se dentro de si, em profundo recolhimento, como se todo o resto não existisse.

Deus está em nós, mas de modo escondido. Para encontrá-lo cumpre afastar-nos de tudo segundo o afeto e a vontade. Significa isto desapegar-nos, renunciar, aniquilar-nos, morrer espiritualmente a nós mesmos e a todas as coisas, não tanto e não só com o afastamento material, mas, acima de tudo, com o desapego do afeto e da vontade. É o caminho do nada, do desapego total; é a morte do homem velho, condição indispensável para revestir-nos de Cristo, para vivermos em Deus.

A procura amorosa de Deus, presente no coração do homem, está no mesmo nível que a morte ao mundo e a nós mesmos. Nesse sentido, quanto mais morrermos, tanto mais encontraremos a Deus.

 

II. Frutos do exercício da presença de Deus

 

Quem vive unido ao Senhor produz muitos frutos: “Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto; porque, sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5).

Afastemos do nosso coração o lixo oferecido pelo mundo, e digamos ao Senhor com fé: Ó doce e suave enxerto! Vós, suprema doçura, Vos dignastes unir-Vos com nossa amargura... Vós, infinito, conosco finitos... E não bastava à Vossa caridade ter feito com a criatura esta união? Não! Por isto, ó Verbo eterno, regastes esta árvore com Vosso Sangue. Pelo calor deste Sangue germinará, se o homem, com seu livre-arbítrio, se enxertar em Vós e a Vós unir o coração e o afeto, atando este enxerto com o liame da caridade e seguindo Vossa doutrina... Nosso dever é conformar-nos Convosco, ó Cristo, e nos enxertar em Vós pelo caminho dos trabalhos, da cruz e dos santos desejos, de modo que por Vós, ó Vida, produzamos frutos de vida... E assim se vê que nos criastes sem nós, mas não nos quereis salvar sem nós! Quando enxertardes em Vós, então os ramos que destes à vossa árvore darão seus frutos.

O respeito deve ser o primeiro efeito do pensamento da majestade soberana que habita em nós e preside todas as nossas ações. Todos os reis da terra com o brilho das suas cortes; todos os pontífices da Igreja circundados dos esplendores do culto; toda a multidão das legiões angélicas não seriam capazes de dar-nos uma idéia da grandeza de Deus. E é esse divino Criador que faz em nós a sua morada permanente: “Se alguém me ama, guardará minha palavra e o meu Pai o amará e a ele viremos e nele estabeleceremos morada” (Jo 14, 23); e nós vivemos sob as suas vistas: “De um só ele fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, fixando os tempos anteriormente determinados e os limites do seu habitat” (At 17, 26).  Pensamento apto para nos inspirar o temor filial e nos tornar adoradores assíduos da Infinita Santidade que reside em nossa alma!

Adoremos ao Deus Infinito e prometamos jamais nos separar d’Ele: “Meu Deus, Trindade que adoro, ajudai-me a desprender-me inteiramente para residir em Vós, imóvel e quieta como se minha alma já estivesse na eternidade. Que nada possa perturbar minha paz ou abandonar-Vos, meu imutável bem, mas que todo instante me leve mais para dentro, na profundeza do Vosso mistério” (Bem-aventurada Elisabete da Trindade).

Porque Deus está em nós com todas as riquezas da sua bondade, mormente em favor dos que o invocam, devemos unir a confiança ao respeito no culto a que Ele tem direito por tantos títulos. Presentes em nós para nos comunicar os seus bens, Ele os dá de preferência aos que o imploram e confiam na sua misericórdia. Digamos, pois, com Davi: “Bom para mim é aderir ao Senhor e pôr somente n’Ele todas as minhas esperanças” (Sl 72, 28).

Esforcemo-nos especialmente por amá-Lo. Infinitamente amável em si mesmo por causa das suas perfeições, Ele nos ama com ternura inefável e no-lo prova por Seus benefícios. Mergulhados n’Ele como numa fornalha de amor, somos o objeto contínuo dos seus cuidados em todos os pormenores da vida, pois que, segundo o Evangelho, nenhum cabelo nos cai da cabeça sem sua permissão. Não contente de nos haver criado, resgatado, santificado, nutrido com a carne de seu Filho, cuida de nós, do berço ao túmulo, com um amor que tudo vigia, e com uma constância invencível.

Deus nos tem amado desde toda a eternidade; e só por amor nos escolheu entre tantos homens que podia criar, deu-nos a existência, colocou-nos no mundo e, além disso, tirou do nada inumeráveis e formosas criaturas que nos servissem e nos lembrassem esse amor que Ele nos dedica e que Lhe devemos.

Como poderemos permanecer frios no meio de tantas chamas?

Meu Deus, Majestade Soberana, adoro-Vos presente no meu coração; abandono-me à Vossa infinita sabedoria, que tudo dispõe para o meu bem. Pelos méritos de Jesus e Maria dai-me a graça: 1.° Duma fé viva em Vossa divina presença e na ação da Vossa Providência em mim; 2.° Duma atenção particular em Vos adorar, suplicar, amar em todo tempo, e em dirigir para Vós todas as minhas intenções e todos os meus desejos.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 31 de janeiro de 2009

 

Bibliografia

  • Bíblia Sagrada

  • Santa Catarina de Sena, Cartas, Orações e Elevações

  • Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina

  • Pe. Luís Bronchain, Meditações para todos os dias do ano

  • São João da Cruz, Obras Completas

  • Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a morte

  • Bem-aventurada Elisabete da Trindade, Obras Completas

  • Tomás de Kempis, Imitação de Cristo

  • Santa Teresa de Jesus, Vida

  • Santo Agostinho, Solilóquio

  • Santa Teresa dos Andes, Cartas

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. "Coloco Deus à minha frente sem cessar"

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