TEMEI O INFERNO

(Mt 25, 30)

 

“Ali haverá choro e ranger de dentes”.

 

 Naquele tempo falava Jesus aos príncipes dos sacerdotes e aos fariseus em parábolas, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um homem rei que preparou as bodas para seu filho. E mandou os seus servos chamarem os convidados para as bodas, mas eles não quiseram vir. Novamente mandou os outros servos, dizendo-lhes: ide dizer aos convidados: Eis que preparei o meu banquete, os meus vitelos e animais cevados estão mortos, e tudo se encontra preparado: Vinde às bodas. Eles, porém, desprezaram-nos e partiram: um para a sua quinta, outra para o seu negócio; e os restantes lançaram mãos dos servos e mataram-nos. Então, o rei ao ouvir isto irou-se. E tendo enviado os seus exércitos destruiu aqueles homicidas e incendiou-lhes a cidade. Depois disse aos servos: As bodas na verdade estão preparadas, mas os que foram convidados não eram dignos de tomarem parte nelas. Ide, pois, às saídas dos caminhos e chamem para as bodas todos quantos encontrardes. E tendo saído os seus servos para os caminhos, juntaram a todos quantos encontraram, maus e bons, de sorte que a sala do banquete se encheu de convidados. Então entrou o rei para ver os que estavam à mesa, e viu ali um homem que não estava vestido com a veste nupcial. E disse-lhe: Amigo, como entraste aqui não trazendo veste nupcial? Mas ele calou-se. Então o rei disse aos ministros: Ligai-o de pés e mãos e lançai-o nas trevas exteriores: Aí haverá choro e ranger de dentes. Porque muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos (Mt 22, 1-14).

É este um quadro admirável pintado pelo Divino Mestre. Nele sobressai em cores vivas o amor expansivo e generoso do rei, desejando a todo custo que se encha a sala do banquete, e o rigor que usou para com um que entrara sem vestimenta que o costume e dignidade do convívio ordenavam: “Ligai-o de pés e mãos, e lançai-o nas trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes”. Dois pilares fundamentais levantados pelo sumo arquiteto no vasto edifício da eterna salvação, para que não haja nem o abuso da confiança nem o desalento, mas, entre um e outro, encontrássemos o temor confiante.

Devemos temer o inferno, porque podemos cair nele, como por desventura lá caem tantos outros: “O pensamento do inferno poderá livrar-te do próprio inferno... porque esse pensamento te fará recorrer a Deus” (Santo Afonso Maria de Ligório).

 

 

Um nobre oficial francês fazia uma visita a um hospital. Percorrendo as enfermarias teve ocasião de observar – o que nunca imaginara – as terríveis misérias e enfermidades causadas pela luxúria. Naquele espetáculo hediondo, naqueles corpos meio apodrecidos reconheceu, ele, o castigo imposto por Deus, já nesta vida, ao mais vergonhoso dos pecados.

Quando terminou a visita, horrorizado, exclamou: “Sou cristão e creio que existe um inferno onde serão castigados os impuros; mas, para fazer-me conceber sumo horror a esse pecado, basta o que acabo de ver neste hospital”.

 

 

Pregava ao ar livre, pela grande concorrência, o célebre missionário da Companhia de Jesus, o venerável Padre Antônio Baldinucci, sobre a terrível verdade do inferno.

“Meus irmãos, disse ele, quereis saber quão grande é o número  daqueles que são condenados? Olhai para esta árvore”.

Voltam-se todos para uma frondosa árvore que ali estava, e no mesmo instante, sopra uma forte rajada de vento, agitam-se todos os ramos e as folhas caem em tal abundância, que não ficou mais que um pequeno número delas espalhadas e fáceis de contar.

“Eis aqui, tornou o missionário, o número de almas que se perdem e o que se salvam. Tomai vossas precauções para serdes do número das últimas”.

 

“Zombo de tudo isto”

 

Foi em 1837. Um jovem alferes (antigo posto militar), achando-se em Paris, lembrou-se de ir à igreja da Assunção apenas por um passatempo. Quando admirava a Igreja, reparou num padre que confessava e pensou fazer-lhe uma partida: fingir que se queria confessar, porque era bastante descrente para crer na confissão.

- Senhor padre, quero confessar-me.

- Da melhor boa vontade, meu filho.

- Devo notar-lhe, entretanto, que sou um pecador especial: não creio, e até zombo de tudo isto.

- Não crê? Então, o que veio aqui fazer? Por acaso zomba também de mim?! Ponhamos de lado a confissão e conversemos um pouco. Diga-me: qual é o seu posto e que pretende?

- Sou alferes, e se a sorte for propícia, serei tenente, e quem sabe, também major.

- E quando já major, que será depois?

- Serei coronel; e com meus quarenta e cinco anos poderei subir ao posto de general.

- E depois, que pretende mais?

- Já então casado, podia ainda ser promovido a marechal, e desfrutar então os meus galões (distintivo de certos postos ou graduações militares).

- Pois bem. Faça de conta que já está casado, oficial superior, general, talvez mesmo marechal. E depois?

- Depois... Depois não sei, senhor padre, o que acontecerá.

- Sim, sim, o senhor não sabe. Eu sei e vou dizê-lo. Depois morrerá, será julgado por Deus; e se continuar assim, irá ao inferno por toda a eternidade. Eis o que acontecerá, embora zombe de tudo isto.

O oficial com mostras de desagrado indicava querer retirar-se.

- Um momento. O senhor é um rapaz honrado e eu tenho cá os meus melindres.

Creia que me ofendeu e que me deve uma reparação. Ela será simples: durante oito dias, antes de se deitar, dirá: Um dia morrerei... serei julgado... depois o inferno; mas eu, zombo de tudo isto. Eis tudo. Mas, vai dar-me a sua palavra de militar de que não há de faltar?

Cada vez mais contrariado prometeu tudo e saiu.

À noite, conforme o prometido principiou: eu morrerei, serei julgado... e não foi capaz de continuar. Pela primeira vez temeu o inferno. E se eu lá caísse? Provas não tenho para negá-lo. Por que não acredito nele? Ainda não eram passados oito dias, e de novo lá estava o jovem militar para se confessar deveras, terminando a confissão banhado em lágrimas de sincero arrependimento.

O temor do inferno tinha transformado aquele coração.

 

Os santos e o temor do inferno

 

São Bruno, fundador dos Cartuxos, dizia: Feliz o homem que tem a mente fixa no céu e foge do mal com assídua vigilância. Oh! Vivem, porém, os homens como se a morte não existisse e como se o inferno fosse uma fábula...”

São Francisco Borja meditava com frequência nas penas do inferno, figurando-se já morto, julgado por Deus e condenado ao inferno pelos muitos pecados.

São João Vianney escrevia: Se um condenado dissesse: ‘Meu Deus, eu vos amo!’ Não haveria mais inferno. Mas não! Essa pobre alma perdeu a faculdade de amar que havia recebido e que não soube aproveitar... Oh! Se os condenados tivessem apenas meia hora do tempo que nós perdemos!”

São Boaventura que levou a vida tão pura e tão cheia de penitências, dizia que se Deus revelasse que só um filho de Adão se condenaria ao inferno, nem por isso deixaria aquela aspereza de vida por temor de ser esse infeliz condenado ao eterno cárcere.

 

                                  Bandidos que se convertem

 

O Beato Pedro Lèfébre, um dos primeiros companheiros de Santo Inácio de Loiola, dirigindo-se em 1540 de Parma para Roma, foi surpreendido pela noite numa região infestada de ladrões e de bandidos. Pedindo auxílio a Deus, avistou luz numa casa ao longe, e lá foi pedir pousada. Era tempo frio e chuvoso. Os donos, gente acolhedora e respeitosa, pediram ao padre que se aproximasse do fogo para se enxugar. Entretanto, ouvem-se passos precipitados e depois pancadas violentas na porta. Era uma quadrilha de dezesseis salteadores que assaltam e roubam a casa. Depois, colocam-se em redor duma mesa a comer e a beber no meio de cantos grosseiros e de palavrões indecentes. A família tremia toda, só o Beato Pedro Lèfébre de nada afligia, deixando-se ficar sentado, calmo, pensativo, de olhos fitos na fogueira. Pergunta-lhe o chefe dos ladrões que fazia ali. O padre não respondeu; torna o facínora:

Não respondes?! És surdo, és mudo, ou surdo-mudo? Não, respondeu o padre, nem sou surdo, nem mudo. Não respondi porque um grande pensamento ocupa meu espírito. – Qual é? Depressa. Fala – Penso que a alegria dos pecadores é muito breve e enganosa. Este fogo faz-me lembrar o inferno, ao qual eles não poderão escapar se não deixarem a vida de perdição e se não voltarem para Deus.

Estas palavras foram ditas com tal unção, que os bandidos ficam todos comovidos e ali mesmo, e naquela noite, detestam a vida criminosa e confessam todos os seus pecados.

 

 

É Mons. de Segúr quem conta o fato seguinte. Era o capelão da escola militar de São Ciro o Padre Rigolot. Num retiro que fez aos alunos, falou numa noite sobre o inferno e do espontâneo temor que deve acompanhar esta verdade. Acabada a prática, retirou-se para o quarto com uma luz na mão. Ao abrir a porta ouviu que era chamado por alguém que o seguia na escada. Era um velho capitão de bigodes compridos e modo rude.

Perdão, senhor capelão, disse com voz irônica, acabais de nos fazer uma bela prática acerca do inferno. Esqueceu de dizer se no fogo do inferno seremos fritos, assados ou cozidos. Podereis dizê-lo? O capelão fitou o   interlocutor com firmeza, e chegando-lhe a luz ao nariz respondeu tranquilamente: Haveis de ver isso, capitão!

E cerrou a porta, não podendo deixar de rir pela mesquinha figura do capitão. Anos depois, achava-se o venerando sacerdote numa reunião de numerosos convidados, quando vê aproximar-se um velho de bigode branco que o saudou, perguntando-lhe se não era o Padre Rigolot. À resposta afirmativa continuou: Permita-me, senhor capelão, que lhe exprima todo o meu reconhecimento por me ter salvado a alma. Sim, eu sou aquele capitão instrutor da escola de São Ciro. As palavras que me dirigiu à porta do seu quarto nunca  mais pude esquecê-las. Aquele: “Haveis de ver isso, capitão”, tem sido para mim contínuo tormento. Lutei, mas por fim rendi-me. Confessei as minhas culpas e hoje sou um cristão à militar; isto é: completo.

 

 

Pregava o Padre de Bussy uma importante missão que emocionava o povo todo. Era no inverno e fazia muito frio. Na sala, onde o missionário recebia os homens para esclarecer, estava um fogão com muito boa lenha.

Um dia, aproximou-se um jovem que lhe houvera sido recomendado em consequência das suas desordens e fanfarronices de impiedade; mas, em breve, reconheceu o padre que nada podia fazer.

Venha cá, meu amigo, lhe diz, sente-se e conversemos um pouco enquanto nos aquecemos. Eu não confesso ninguém forçosamente! O padre abriu o fogão e notou que precisava de mais lenha.

Faz favor de me chegar duas ou três achas (pedaço de madeira), diz ao jovem. Este um tanto admirado fez o que lhe fora pedido.

Agora, continuou o missionário, tenha a bondade de colocá-las no fogão, lá bem para dentro. E logo que o outro metia a lenha pela porta do fogão, o padre de Bussy toma-lhe de repente o braço e mete-o até dentro. O rapaz solta um  grito, dá um salto para trás, e exclama: O que é isto?! Estará o senhor doido? Não vê que me ia queimando?!  – Que é senhor, que tem? É bom ir se acostumando! No inferno, não será somente as pontas dos dedos, mas o corpo todo; e esta fogueira não é nada em comparação com a outra. Vamos, vamos, meu bom amigo, é preciso habituar-se. E quis tomar-lhe de novo o braço. O rapaz levantou-se para voltar daí a dias completamente outro. O temor do inferno tinha-o vencido.

 

 

O inferno é uma grande invenção, dizem alguns, ainda ninguém de lá voltou para saber se existe. Não, ninguém de lá voltou; e se vós mesmos lá entrardes, também não voltareis.

Se de lá se pudesse voltar, eu vos diria: ide lá, e voltai a dizer se há ou não.

Mas, é esta uma experiência que se não pode fazer, e grande insensatez será expor-se uma pessoa a um mal tão grande e que não tem remédio.

Não, ninguém de lá voltou, mas o inferno existe. Existe, porque tal é a crença de todos os povos antigos e modernos, tanto entre os idólatras selvagens, como entre os cristãos civilizados.

Existe, porque a certeza do inferno acha-se de tal maneira ligada ao Cristianismo, que entre tantas heresias que atacaram os dogmas católicos, nenhuma delas ousou negá-lo, refulgindo esta verdade no meio de tantas ruínas.

Existe, porque os mais ilustres filósofos e atilados gênios admitiram o inferno, não só entre os cristãos, mas ainda entre os mesmos pagãos: Virgílio, Ovídio, Horácio, Sócrates, Platão e tantos outros.

Existe, porque os mais obstinados ímpios nunca conseguiram uma convicção da não existência do inferno.

Perguntaram a Rousseau se havia inferno, ao que respondeu: Eu não sei... Voltaire ouvindo dizer a um seu amigo que tinha achado a prova da não existência do inferno, escreveu-lhe: Sois muito feliz! Quanto a mim estou muito longe disso.

Existe porque os santos o afirmaram nas páginas heróicas de uma vida de martírio e sacrifício. É Santo Agostinho abandonando os seus erros aos trinta anos; é São Jerônimo em rígida penitência na gruta de Belém; é São Francisco de Assis revolvendo-se nos espinhos ou atirando-se para uma fogueira em brasas vivas; são todos esses mártires que preferiram ser queimados vivos a serem atirados às chamas do inferno.

Existe porque Nosso Senhor Jesus Cristo fala muitas vezes no fogo do inferno no seu Evangelho. E neste Jesus eu creio porque Ele é a Verdade.

O céu e a terra passarão; porém a Sua Palavra não passará.

Ainda ninguém de lá veio para dizer que o inferno existe, dizeis vós. Os condenados a trabalhos forçados pela vida inteira, também não vieram ainda dizer o que acontece por lá; e, entretanto, ninguém se lembrou de dizer que os castigos não existem.

Ainda ninguém de lá veio, pois sim. Se um viajante ao atravessar um deserto da África fosse devorado por um tigre cruel, por certo não poderia voltar atrás para noticiar à sua gente a desastrosa ocorrência, mas nem por isto deixa de ser verdade tê-lo devorado a fera.

Ainda ninguém veio do outro mundo a dizer que o inferno existe; mas também ninguém ainda veio dizer que não existe. E será certo que ninguém veio? Veio do Céu Jesus Cristo que nos falou da outra vida e tantas vezes do inferno.

Jesus, tão misericordioso e tão benigno, que perdoa tudo aos pobres pecadores arrependidos; Jesus que acolhe a culpada Madalena e a mulher adúltera, o publicano Zaqueu e o ladrão crucificado a seu lado; é Jesus que nos conta a condenação do mau ricoo rico epulao  terna condenacao , e ainda nos admoesta tantas vezes a fugir do fogo eterno onde há pranto e ranger de dentes. Admoesta-nos porque o inferno existe, e existe para aqueles que não querem crer nele.

 E ninguém pode afirmar que o divino Mestre quis inquietar ou amedrontar os homens. Ao falar do inferno e dos tormentos que ali se sofrem, as suas palavras são categóricas. O pobre Lázaro foi admitido numa eternidade e o rico avarento, sem coração, foi precipitado na outra eternidade. As cinco virgens prudentes, entram numa, as cinco loucas na outra. O caminho estreito leva à eternidade feliz, a estrada larga à eternidade desgraçada. Cristo assegura ao bom ladrão que entrará com Ele no seu reino, e de Judas afirma que melhor lhe fora não ter nascido.

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 25 de outubro de 2009

 

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Francisco Alves, Tesouro de exemplos

Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a morte

Frei Mateus Maria do Souto, Verdade e Luz

Mons. Tihamer Tóth, A Vida Eterna

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Temei o inferno”

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