ZELO DO PADRE

(Sl 68, 10)

 

“Pois o zelo por tua casa me devora”.

 

 

Felizes os fiéis que possuem um padre zeloso pelas almas

 

Dialoguemos com São Paulo, o Apóstolo zeloso:

Jesus Cristo diz de si mesmo: “Eu sou a luz do mundo”. Nos lábios seus e nos lábios de seus apóstolos, em poucos anos, viu o mundo a formosura dessa luz e ficou envolvido em seus raios.

Duvidais? Interrogai São Paulo, o gigante da verdade e do amor, o apóstolo que não descansa, a boca que não se cala, as mãos que não desmaiam, o coração que nunca se apaga. Aí o tendes: interrogai-o.

- Santo Apóstolo, donde vens?

- Da Grécia.

- Percorreste a Arábia?

- Toda.

- Estiveste na Ásia?

- Cheguei às suas praias mais remotas.

- E visitaste Atenas?

- Falei no Areópago, bem como nas ruas de Corinto, de Tessalônica e Éfeso.

- Pensas em ir a Roma?

- Até lá chegarei. Tenho ardentes desejos de avistar-me com os césares do mundo.

- Estiveste na prisão?

- Muitas vezes.

- Sofreste naufrágios?

- Três vezes me vi nos abismos do mar.

- Estiveste em perigo de morte?

- Em muitos; a cada passo.

- Sofreste fome?

- Sim.

- Frio?

- Também.

- Ódios e calúnias?

- Isso, toda a vida; prego a verdade e não me crêem; prego o amor e odeiam-me.

- Santo Apóstolo, descansa!

- Não posso.

- Modera tuas energias.

- Tudo me parece pouco.

- És incompreensível.

- Sou a lógica, a lógica da verdade, a lógica do amor.

O Apóstolo cala-se um instante. Pensa. Levanta a cabeça e prossegue:

- Vi o meu divino Mestre. Conheci-O na estrada de Damasco. Compreendi que é a verdade, a luz. Levo-O no coração: é um fogo que me abrasa. Levo-o nos lábios: é uma luz que me guia e me arrebata. Poucos anos faz que andamos pelo mundo, eu e os demais Apóstolos, pregando a sua doutrina, anunciando a sua lei. Erguei os olhos e vede: a fé tem sido pregada em todo o universo. Jesus Cristo conquista toda a terra, porque ele é luz, é o sol da verdade (Pe. Francisco Alves).

 

Como seria bom se todos os padres deixassem a “poltronice” e a preguiça e imitassem o Apóstolo São Paulo. Ele faz o convite: “Exorto-vos, portanto: sede meus imitadores” (1 Cor 4, 16).

 

1° Fontes do zelo

 

A primeira fonte do zelo verdadeiro é a . Animados dessa fé viva, os santos prezavam as almas mais do que todos os tesouros: “Um só bem há no mundo e um só mal. Salvar a alma é este bem, e este mal é perdê-la. Perante isto tudo o mais desaparece” (São Francisco Xavier), e: “Só tenho uma alma, e se a perco, tudo o mais desaparece” (Santa Teresa de Jesus).

Filipe II, rei da Espanha, quando no leito de morte chamou seu filho Filipe III e descobrindo o peito coberto de feridas diz-lhe: Eis aqui, meu filho, o que resta das grandezas do mundo! Este, por usa vez, também no leito de morte, diz: Melhor fora eu ter sido um simples irmão leigo no convento mais pobre que monarca da Espanha! – Um e outro reconheceram que o valor do homem não reside no corpo, mas na alma.

São Bernardo de Claraval escreve: “Uma só alma é mais preciosa do que todo o universo”, e: “Aceitaria com gosto tantas mortes quantos são os pecadores sobre a terra” (São Boaventura). Nada de admirável nesse modo de falar. O Verbo divino não se encarnou para nos arrancar do inferno? Não sofreu toda sorte de tormentos e não deu a sua vida para resgatar os seus próprios algozes? Ele disse a Santa Brígida que estaria pronto a morrer tantas vezes quantas são as almas condenadas, se fossem capazes de redenção. Eis até que ponto a Sabedoria encarnada preza essas almas que muitos padres desprezam: “Relativamente aos fiéis, que deveriam pastorear e alimentar quanto ao corpo e quanto à alma, apenas os atormentam por diversos modos... os fiéis são abandonados a caminhar sem rumo, desorientados, fazendo o que não querem” (Santa Catarina de Sena).

O padre que despreza as almas imortais é um monstro... monstro que não merece ser tido como ministro de Deus, mas sim, como animal peçonhento: “Ó homem abominável e infeliz! Não homem, mas animal que entregas às meretrizes teu corpo, por mim ungido e consagrado, e que fazes coisas ainda piores! No madeiro da cruz, meu Filho, sofrendo, curou a ferida de Adão herdada por ti e por todos os homens. Com seu sangue, ele medicou pecados impuros e desonestos! O bom Pastor lavou as ovelhas no seu sangue e tu manchas as ovelhas que são puras, tudo fazes para atirá-las à lama. Deverias ser um espelho de honestidade e és espelho de impureza. Fazes justamente o contrário daquilo que realizou meu Filho, pois orientas para o mal os seus membros” (Idem.).

O padre deve ser homem de oração.  Para não perder essas almas de vista, é preciso que o padre se aplique à oração: “Irmãos, não sejais recipientes vazios. Possuí ciência e talento; mas sede antes de tudo, homens de oração e enérgicos na penitência. Sede Santos!” (Pe. Eduardo Poppe), e: “Quanto a Deus, todos os padres devem viver numa perfeita união com ele e procurar, mediante a oração, que os seus corações sejam outros tantos altares, em que arda de contínuo o amor divino” (Santo Afonso Maria de Ligório), e também: “O cuidado da vida espiritual deve ser considerado pelo sacerdote como um dever que infunde alegria e ainda como um direito dos fiéis que procuram nele, consciente ou inconscientemente, o homem de Deus, o conselheiro, o mediador de paz, o amigo fiel e prudente, o guia seguro em quem as pessoas confiam nos momentos duros da vida para encontrar conforto e segurança” (Congregação para o clero), e ainda: “Quem aprende a rezar bem, aprende a viver retamente” (Santo Agostinho), e: “Quereis saber se um cristão, um sacerdote, um religioso vive retamente? Observai se ama a oração” (Santo Afonso Maria de Ligório), e também: “Um sacerdote que reza pouco, não é verdadeiro sacerdote” (Bem-aventurado José Allamano).

Como é triste e vergonhoso ver um padre perambular tranquilamente pelas ruas da cidade sem se preocupar com a vida de oração... conversa demasiadamente nas casas e acaba por escandalizar os fiéis: “O religioso andarilho é pior que o demônio” (Pio II), e: “Evita a convivência com pessoas do mundo e leigos; evita o contato e até a recordação dos próprios parentes, como se fossem serpentes venenosas” (Santa Catarina de Sena).

O padre vazio é um câncer maligno para uma paróquia.

O padre deve imitar a vida de oração dos santos.

São Francisco de Sales, pregando em Chablais, desse exercício tirava cada dia, de manhã, a coragem de atravessar o rio sobre uma viga coberta de gelo, a fim de levar aos hereges a palavra da salvação.

O padre que é frio, insensível e inativo no seu santo ministério, deve mergulhar cada dia de manhã na fogueira da oração. Com certeza a sua alma se aquecerá de um zelo ardente e comover-se-á à sorte infeliz de tantas almas que vivem em estado de pecado... de condenação eterna.

O padre indiferente e tíbio é um horror para os fiéis: Um padre tíbio não é ainda manifestamente frio, porque não comete deliberadamente pecados mortais; mas afrouxa em tender para a perfeição, a que o seu estado o obriga; não lança conta aos pecados veniais, e cada dia os comete em grande número sem escrúpulo: mentiras, intemperanças na comida e na bebida, imprecações, Ofício mal recitado, missa mal celebrada, maledicência contra todos, chocarrices inconvenientes... Vive na dissipação, no meio dos negócios e prazeres do século; alimenta desejos e apegos perigosos; cede à vanglória, ao respeito humano, aos melindres e ao amor próprio; não pode suportar a menor contrariedade, a menor palavra que o humilhe; vive sem oração e sem devoção” (Santo Afonso Maria de Ligório), e: “O tíbio assemelha-se a um doente dominado de muitas moléstias pequenas que, sem lhe darem a morte por si mesmas, não lhe deixando nenhum descanso, acabam por lançá-lo em tal fraqueza, que ele vem a ser atacado por um mal grave, isto é, por uma tentação a que não pode resistir, e então a sua queda é profunda” (Pe. Alvarez da Paz), e também: “É mais fácil converter um leigo vicioso, que um eclesiástico tíbio” (São Bernardo de Claraval), e ainda: “É mais fácil converter um infiel que tirar um cristão da tibieza” (Pereira), e: “O que é frio, sem ter sido tíbio antes, deixa esperança; o tíbio porém não a deixa: porque pode esperar-se a conversão duma alma que se encontra atualmente em estado de pecado; mas a que, depois da sua conversão, cai na tibieza, essa tira-nos a esperança de vermos voltar para Deus, no caso de se separar dele pelo pecado” (São Gregório Magno).

O que os paroquianos podem esperar de um padre tíbio... que não reza... que vive a tagarelar e a perambular? Nada de bom; somente o vazio.

Padre, ajoelhe e reze com fé e humildade: “Meu Deus, quão longe estou de possuir o zelo ardente que deve ter um ministro do Evangelho,  um companheiro de Jesus na grande obra da Redenção. Concedei-me mais generosidade para me dedicar e sacrificar, mesmo com detrimento da minha saúde, quando o exige o meu ministério. Não permitais que eu ache pesado o serviço dos doentes, mormente dos pobres, nem que me falte a paciência nas minhas relações com as almas. Fazei-me manso e compassivo com todos, como sempre foram os vossos fiéis servidores” (Pe. Luiz Bronchain).

 

2° Meios de exercer o zelo

 

O fim do sacerdócio cristão é continuar a obra da Redenção pelos poderes e meios confiados ao padre pelo Salvador. Todo sacerdote, em virtude da sua vocação, tem, pois, a obrigação de se tornar apto ao ministério das almas pela ciência e pela santidade: “O padre que não faz caso da santidade de vida, também não poderá ser, de maneira alguma, o sal da terra. É impossível que o que está corrompido e contaminado seja fator de conservação” (São Pio X), e: “Deve, portanto, o Sacerdote avizinhar-se, quanto possível da perfeição daquele, cujas vezes faz, e tornar-se cada dia mais agradável a Deus pela santidade da vida e das obras, já que Deus mais que o suave aroma do incenso, mais que o esplendor dos tempos sagrados estima e ama a virtude” (Pio XI).

Deve exercer esse ministério de acordo com a sua posição, com as funções a ele confiadas, e com os deveres de mestre, pastor, diretor ou homem apostólico. Cuide, pois, que não pereça nenhuma alma por sua culpa. O justo juiz pedir-lhe-á severas contas: “Assim diz o Senhor Deus: Eis-me contra os pastores. Das suas mãos requererei prestação de contas a respeito do rebanho e os impedirei de apascentar meu rebanho. Deste modo os pastores não tornarão a apascentar-se a si mesmos. Livrarei minhas ovelhas da sua boca e não continuarão a servir-lhes de presa” (Ez 34, 10).

Além do ministério exterior, o padre, mais ainda do que o simples fiel, deve empregar a oração para obter graças de conversão às almas desviadas.

Santa Maria Madalena de Pazzi não deixava passar nem uma hora no dia sem recomendar a Deus os pecadores. A seu exemplo, o padre deve oferecer muitas vezes a Deus o Sangue do Redentor pelos fiéis, hereges, católicos ingratos e rebeldes. Deve também recomendar aos corações agonizantes de Jesus e Maria os pobres moribundos que se acham em estado de pecado mortal; e não cessar de rezar pelas almas cuja salvação lhe está confiada.

Para o padre tornar mais fervorosas as suas orações, deve animar-se dum ardente desejo da glória divina e da salvação dos culpados, de maneira a poder dizer com o profeta Elias: “Ardo de zelo pelo Senhor Deus” (1 Rs 19, 10). Esse desejo será aceito pelo Senhor como obra meritória a favor daqueles pelos quais o padre se interessa.

Quantos santos desejaram atravessar os mares, suportar todos os suplícios, sofrer o martírio, a fim de ganhar corações para Deus! Esses impulsos de fervor e amor não foram inúteis. Todo ministro do Senhor deve também produzi-los com o fim de nutrir o zelo e atrair a misericórdia divina sobre as almas a salvar.

Padre, lembre-se de que uma alma vale muito.

Numa perseguição religiosa na China, foi preso e conduzido à presença do oficial um moço cristão, chamado Paulo Moi.

O magistrado, fortemente impressionado com a fisionomia gentil e graciosa do jovenzinho, empregou todos os esforços para fazê-lo apostatar a fé.

Vendo que tudo era inútil, ofereceu-lhe como prêmio uma barra de prata para renunciar à fé cristã.

- Obrigado, oficial, disse Paulo, uma barra não basta.

- Bem; eu te darei uma barra de ouro.

- Ainda não basta.

- Quanto desejas, então, miserável?

- Grande oficial, se desejas que eu renuncie à minha fé, deveis dar-me o que vale a minha alma; e para isso, todo o teu ouro é pouco.

- Alguns dias depois, Paulo Moi foi decapitado. Preferiu perder a vida a perder a alma (Pe. Francisco Alves).

Como é triste ver padres em paróquias preocupados somente com o bem-estar e com o dinheiro dos fiéis: “Se há padres que não se envergonham de trabalhar com as vistas só no interesse e no lucro; que se metem em negócios seculares e procuram ser os primeiros sempre, desprezando os outros; que se apegam à carne e ao sangue e querem agradar aos homens e contam com as palavras persuasivas da sabedoria humana; é porque se esqueceram do preceito de Cristo e recusaram a condição por Ele imposta: ‘Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me’ (Mt 16, 24)” (São Pio X).

Padre, ajoelhe e reze com fervor e confiança: “Jesus, consagro-vos os meus trabalhos, ações, sofrimentos e quero aplicar-lhe os frutos pelas almas mais abandonadas e pelas quais sou responsável. Pela intercessão da Mãe de misericórdia, dai-me a vontade sincera: 1. De compadecer-me dos infelizes que vivem na vossa inimizade expondo-se assim à ruína eterna; 2. De recomendá-los muitas vezes à vossa bondade infinita pelos méritos do vosso Sangue precioso; 3. De trabalhar, quanto puder, para reconduzi-las a Vós” (Pe. Luiz Bronchain).

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 16 de julho de 2010

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Santo Agostinho, Homilia 43

Pio XI, Encíclica “Ad Catholici Sacerdotii”

Pe. Luiz Bronchain, Meditações para todos os dias do ano

Pe. Francisco Alves, Tesouro de exemplos

Santa Catarina de Sena, O Diálogo; Cartas

São João da Cruz, Obras Completas

São Pio X, Encíclica “Haerent Animo”

Santo Afonso Maria de Ligório, A selva

Bem-aventurado José Allamano, A Vida Espiritual

Frei Mateus Maria do Souto, Verdade e Luz

Pe. Eduardo Poppe, Carta aos sacerdotes

 

 

 
 

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