ÚLTIMO SUSPIRO

(Jo 19, 30)

 

Inclinando a cabeça, expirou.

 

I. Como encarar o último suspiro

 

Somos peregrinos aqui nesse mundo. Quem é peregrino está de passagem. A nossa vida é realmente uma passagem pela terra: “Mais breve como um sonho que ao alvorecer do dia eterno se desvanece; inconsistente como uma sombra que não se deixa apertar pelas mãos; veloz como uma ave que atravessa o céu e desaparece sem deixar vestígio; leve como o pó que o vento levanta um instante em torvelinho e depois deposita; delicado como orvalho que aos primeiros raios do sol se evapora e caduco como a rosa que dura poucas horas e depois se desfolha” (São Gregório Nazianzeno).

Se assim tão breve é a nossa passagem pela terra, não vale a pena apegar corpo e coração às coisas deste mundo. Se um viajante, viajando de trem, se pusesse a pintar o seu compartimento, e ali gastasse as suas posses para adorná-lo de objetos preciosos, e com toda a paixão do seu coração o namorasse, vós vos convenceríeis de estar diante de um louco. Pois bem, o mundo está cheio destes loucos que esbanjam toda a vida e todos os afetos e todos os suores somente pelas coisas materiais, das quais não poderão fruir mais do que um viajante de trem goza do seu compartimento. Mais uns poucos anos, mais uns poucos meses, mais uns poucos dias, e depois a morte apitará, e teremos de deixar o nosso trem e de descer. Descer? Mas onde? Na eternidade.

Diz um autor: “O mundo assemelha-se a um teatro. A vida do homem é como uma representação dramática”.

Cada qual desempenha seu papel, depois desaparece, quando cai para ele o pano da morte, que fecha a cena do tempo e lhe abre a grande era da eternidade. Então quem era rei deixa de ser; despojado das insígnias da realeza tornar-se como os demais... seu corpo esconde-se debaixo da terra e sua alma comparece diante de Deus: “A vida não é mais que uma morte lenta; cada dia morremos; cada dia a morte leva parte da nossa vida” (Santo Agostinho), e: “A morte vos espera em toda a parte; se fordes prudente, esperai vós por ela em todo o lugar” (São Bernardo de Claraval), e também: “Morre o velho que vê e sente a morte portas a dentro; morre o jovem que a tem pelas costas traiçoeiramente” (Abade Guerrico). Feliz do católico que houver desempenhado o papel de verdadeiro discípulo de Jesus; será louvado e exultado pelo justo apreciador do mérito que recompensa as boas ações e as virtudes com uma generosidade sem limites: “... tua recompensa será muito grande” (Gn 15,1), e: “Vamos para o Céu! Vamos para esse outro Tabor da Glória, onde Deus se está mostrando perpetuamente aos seus escolhidos; vamos para a mansão dos Anjos, para o eterno remanso da paz e felicidade, onde a morte não tem acesso. Vamos para a cidade da eterna Jerusalém, cujas muralhas são ornadas de pedras preciosas e as praças lajeadas de ouro finíssimo; onde não é preciso sol, nem lua que a ilumine, pois é alumiada pela claridade de Deus (Ap 21, 18)” (Pe. Alexandrino Monteiro).

A nossa vida é uma viagem, cujo termo é o derradeiro suspiro. A terra é um lugar de passagem por onde caminhamos para a nossa morada eterna: “Porque não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da cidade que está para vir” (Hb 13, 14), e: “A vida dos cristãos é um êxodo porque se trata de sair do pecado e viver em união com Deus, participando da Cruz do Senhor. É um êxodo porque teremos que sair desta terra para entrar no Céu” (Edições Theologica). Cada hora e a cada instante avançamos, o tempo arrasta-nos consigo. Os anos passados fugiram como uma sombra, e assim passarão também os que ainda nos restam... chegaremos ao termo da nossa carreira onde teremos de dar nosso último suspiro. Que queremos ter feito nesse momento supremo? Que caminho desejaremos ter seguido? O do vício ou o da virtude? Pensemos bem enquanto é tempo: “Que é  nossa vida? Assemelha-se a um tênue vapor que o ar dispersa e desaparece completamente. Todos sabemos que temos de morrer. Muitos, porém, se iludem, imaginando a morte tão afastada que jamais houvesse de chegar” (Santo Afonso Maria de Ligório).

A nossa existência assemelha-se a um dia de trabalho que termina com o último suspiro. Colocando-nos neste mundo, Deus mandou que trabalhássemos na nossa santificação: “... operai a vossa salvação com temor e tremor” (Fl 2, 12). A nossa fidelidade ao cumprimento desse dever terá sua recompensa, mas quando? Na tarde da nossa vida ou do nosso último dia neste mundo. Deus nos dará o nosso salário quando estivermos já rodeados das sombras da morte. Que dita para nós então se houvermos trabalhado bem, isto é, trabalhado não de acordo com nosso amor próprio, mas segundo a vontade do Mestre que nos deve recompensar.

Rezemos com o Pe. Luis Bronchain: “Meu Deus, fazei-me corresponder a meu nobre destino com fidelidade. Não quero esperar o momento da morte para vos agradar. – Estranho sobre a terra, quero desapegar-me dela e, enquanto corro arrastado pelo tempo para um termo que fixará a minha sorte, desejo unicamente unir-me a vós. Operário dum dia, não reclamo neste mundo  outro salário se não a felicidade de vos servir. Dai-me a graça: 1º De cumprir exatamente todos os seus empregos e deveres; 2º De viver como o viajante que passa sem ligar seus afetos às coisas que encontra em seu caminho; 3º De trabalhar com ardor na tarefa tão importante que me confiaste: da minha  santificação e da minha salvação”.

 

II. A que condições o último suspiro nos abre as portas do céu

 

Feliz daquele que faz sua vida inteira servir de preparação para a morte: “Assim andareis de maneira digna do Senhor, fazendo tudo o que é do seu agrado, dando frutos em boas obras e crescendo no conhecimento de Deus” (Cl 1, 10), e: “Nós vos exortávamos, vos encorajávamos e vos conjurávamos a viver de maneira digna de Deus, que vos chama ao seu Reino e à sua glória” (1 Ts 2, 12).

O cenário do mundo passa com a rapidez do relâmpago, mas as ações boas ou más permanecem e têm consequências eternas: “E irão estes para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna” (Mt 25, 46). Recordando as suas iniquidades, diz o sábio: os pecadores apresentar-se-ão a tremer diante do tribunal divino para ouvirem a sentença que os condenará a suplícios sem fim; enquanto que os justos, após os trabalhos e lutas do exílio, entrarão nas alegrias da Jerusalém celeste. Para se ter a felicidade de morrer santamente, vale a pena levar uma vida fervorosa.

Acautelemo-nos, pois, contra a tibieza e a lassidão, pois que não nos é licito diminuir a marcha ou o nosso ardor. Quanto mais nos aproximarmos do túmulo, tanto mais atentos devemos ser em preparar-nos para a passagem que deve fixar a nossa sorte. Para esse fim tornemo-nos sempre mais humildes aos nossos olhos; desprendamo-nos dos bens que em breve nos escaparão e cuidemos em enriquecer-nos com os tesouros espirituais que levaremos conosco: “Desapeguemos o coração de todas as criaturas. Quem está agarrado a alguma coisa da terra, ainda que mínima, nunca poderá voar e unir-se todo a Deus” (Santo Afonso Maria de Ligório).

Se às vezes nos custar velar sobre nós, mortificar-nos, vencer as tentações, reprimir as más inclinações, suportar as dores e rezar sem cessar... pensemos na recompensa que nos está prometida, recompensa sempre mais rica e bela na medida que progredimos na virtude. Deus, a quem servimos, é um Rei generoso e magnífico: por um copo d’água dá uma eternidade em delícias.

Rezemos com o Pe. Luis Bronchain: “Meu Deus, que não fazem os mundanos que ambicionam uma fortuna de que gozarão poucos anos? Não permitais que, nesta vida tão curta eu seja um servo lasso, negligente, preguiçoso e pouco cuidadoso dos vossos interesses, que são também os meus. Estabelecerei em mim o vosso reino sobre as ruínas dos meus defeitos e más inclinações. Fazei-me rezar sempre e perguntar-me frequentes vezes: ‘Como faria eu esta ação se tivesse de morrer dentro de uma hora... em um instante?”.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 07 de junho de 2011

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

São Gregório Nazianzeno, Escritos

Pe. Luis Bronchain, Meditações para todos os dias do ano

Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos e sobre as festas do Senhor e dos santos

Santo Agostinho, Escritos

São Bernardo de Claraval, Escritos

Pe. Alexandrino Monteiro, Raios de luz

Edições Theologica

Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a morte

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Último suspiro”

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