CANTOS DE TRIUNFO NO CÉU

(Ap 19, 1-10)

 

“Depois disso, ouvi como que um forte rumor de numerosa multidão no céu, aclamando: ‘Aleluia!’ A salvação, a glória e o poder são do nosso Deus, porque seus julgamentos são verdadeiros e justos. Sim! Ele julgou a grande Prostituta, que corrompeu a terra com a sua prostituição, e nela vingou o sangue dos seus servos!’ E acrescentaram: ‘Aleluia! Dela sobe a fumaça pelos séculos dos séculos!’ Os vinte e quatro Anciãos e os quatro Seres vivos se prostraram então diante do Deus que está sentado no trono, dizendo: ‘Amém, Aleluia!’ Nisto, saiu do trono uma voz, convidando: ‘Dai louvores ao nosso Deus, vós todos, seus servos, e vós que o temeis, os pequenos e os grandes!’ Ouvi depois como que o rumor de uma grande multidão, semelhante ao fragor de águas torrenciais e ao ribombar de fortes trovões, aclamando: ‘Aleluia! Porque o Senhor, o Deus todo-poderoso passou a reinar! Alegremo-nos e exultemos, demos glória a Deus, porque estão para realizar-se as núpcias do Cordeiro, e sua esposa já está pronta: concederam-lhe vestir-se com linho puro, resplandecente’ — pois o linho representa a conduta justa dos santos. A seguir, disse-me: ‘Escreve: felizes aqueles que foram convidados para o banquete das núpcias do Cordeiro’. E acrescentou: ‘Estas são as verdadeiras palavras de Deus’. Caí então a seus pés para adorá-lo, mas ele me disse: ‘Não! Não o faças! Sou servo como tu e como teus irmãos que têm o testemunho de Jesus. É a Deus que deves adorar!’ Com efeito, o espírito da profecia é o testemunho de Jesus”.

 

A primeira parte do capítulo é como que a conclusão da visão da queda da Babilônia. É um hino de vitória, um louvor universal, inspirado nos Salmos e com sabor litúrgico, como que dialogado em coros alternados: uma imensa multidão no céu, os vinte e quatro anciãos e os quatro seres vivos, uma voz vinda do trono. A aclamação, aleluia, repetida aqui quatro vezes, é a única vez que aparece em todo o Novo Testamento; encontra-se especialmente nos Salmos, correspondendo a uma palavra hebraica composta – hallelú-yah –, que significa louvai Yavé.

O louvor e a alegria atingem o auge, porque chegou o dia das bodas do Cordeiro e a sua Esposa já está enfeitada. Faz-se aqui uma antecipação dessas bodas escatológicas de que o autor só falará no capítulo 21. O enfeite da Esposa é um vestido de linho puro e deslumbrante, isto é, as boas obras dos santos. É de notar o contraste do enfeite simples, puro e belo da esposa, com o enfeite aguerrido e provocante da grande Prostituta já derrotada (Ap 17, 4). No Antigo Testamento, Deus é designado como o Esposo do seu povo (Is 54, 5-6; Jr 2, 2; Ez 16; Os 2, 2ss), e, no Novo Testamento, Cristo passa a assumir essa mesma condição (Mt 9, 15; 25, 6; Jo 3, 29; 2 Cor 11, 2; Ef 5, 25-26), como mais um indicativo da sua natureza divina.

Como comenta João Paulo II: “O amor redentor transforma-se em amor esponsalício. Cristo, ao dar-se a si mesmo à Igreja, uniu-se a ela de uma vez para sempre com o próprio ato redentor, como o esposo à esposa”.

E desde já se proclama mais uma das sete bem-aventuranças do Apocalipse (cfr. 1, 3; 14, 13; 16, 15; 19, 9; 20, 6; 22, 7; 22, 14): Felizes os convidados para a ceia das núpcias do Cordeiro! É uma bem-aventurança muito semelhante à da nossa liturgia da Comunhão eucarística. Felizes os convidados para a ceia do Senhor, palavras estas que revelam a dimensão escatológica da Eucaristia, como uma prefiguração, mais ainda, uma antecipação e penhor da plena comunhão com Deus no banquete eterno do céu.

No comentário da Bíblia de Navarra diz: “Quando nesta passagem do Apocalipse se cantam as bodas do Cordeiro na perspectiva do final da História, está a mostrar-se a Igreja de todos os tempos, e também o destino e a tarefa de todos os cristãos: preparar o seu vestido nupcial, mediante as boas obras, o louvor, a vida santa, para entrar no banquete das bodas”.

Nesse trecho de Apocalipse 19, 1-10, São João não diz que viu algo, mas sim, que ouviu: “... ouvi como que um forte rumor de numerosa multidão no céu”. É de uma grande multidão que está no céu. Provavelmente são grupos angélicos; porém, certamente as palavras que são ditas em seguida caem bem e tem sentido na boca da Igreja mártir triunfante. O hino acaba com o aleluya. O conteúdo do hino é uma repetição laudatória, pelo justo castigo da Babilônia simbólica perseguidora da obra divina no mundo.

Os vinte e quatro anciãos que estão diante do trono de Deus, cujo ofício é louvar periodicamente, e os quatro viventes, mais perfeitos e elevados na ordem dos seres inteligentes, cujo ofício imediato é guardar o trono da Divindade (cfr. Ap 4, 4-11), recolhem o louvor dos coros celestes, faze-o seus e somam aos entrecortados gritos de aleluia. Tanto os anciãos como os quatro viventes se prostraram no pavimento celeste e adoraram a Deus (Ap 5, 8.14). Sendo uma prostração extraordinária, se manifesta que o momento é transcendente. Na história do mundo acabam de afirmar as bases do triunfo da Igreja como forma social e como entidade supranacional. Se Deus atuou assim em momentos supremamente críticos, atuará sempre do mesmo modo. A cidade do mal acaba na morte; a cidade do bem está confirmada na vida. O amém, palavra hebraica introduzida, ratifica o que foi dito anteriormente. O que o pronuncia diz: “Assim seja. Aceito o que foi dito, e da minha parte o repito ponto por ponto” (Ap 1, 6).

Inicia-se um tema novo. Agora serão possíveis as bodas do Cordeiro, Jesus Cristo, com sua Igreja. Fala-se na mentalidade semítica. Não se trata do matrimônio em si, todavia, em sentido simbólico. Jesus Cristo já estava desposado misticamente com sua Igreja que foi resgatada com seu sangue, e viverá com ela indissoluvelmente para sempre e a amará eternamente. Chegou o tempo em que o Messias celebrará o esplendor das núpcias no mundo. Com frequência se chama a Deus no Antigo Testamento de esposo de Israel (Os 2, 16. 19. 21; Is 54, 6; Jr 2, 2; 3, 1-4;; Ez 16,7-8; Sl 45). Segundo o Novo Testamento, Cristo é esposo da Igreja, o eterno Israel de Deus (2 Cor 11, 2; Ef 5, 25; Mc 2, 19-20; Jo 3, 29). Essa união profunda e indissolúvel de Cristo com sua Igreja nasce por havê-la comprado com seu sangue (Ap 5, 6. 9; 7, 14; 14, 3-4) e por sua livre vontade. A Igreja é propriamente um reino religioso, moral, social e místico. Segundo outra metáfora, é a união de Deus com seu povo por meio de seu Filho.

A mulher do Cordeiro Jesus, que, segundo o substrato aramaico, deve ser traduzido aqui por esposa (Mt 1, 20), vestiu a si mesma para a grande festa. Se vestiu de linho  finíssimo, puro, não tanto branco quanto autêntico; resplandecente, não tanto pelo modelo e costura quanto pela candidez e candor do conjunto. O branco pode ser a cor do divino, do santo e do triunfal. Contrasta grandemente o modelo e a cor da roupa da esposa com os vestidos e o adorno da grande Prostituta, a Roma pagã vencida (Ap 17, 4; 18, 16). Disse São João por sua conta: o linho finíssimo, branco, resplandecente, são as obras justas ou as boas obras dos santos, isto é, dos cristãos.

Os cânticos que antecedem a solenidade das núpcias entre o Cordeiro Cristo e a esposa Igreja provocam no Anjo-guia de São João um macarismo (conjunto de hinos religiosos), conforme a uma reação psicológica intimamente enraizada na alma judia. Ordena-lhe que escreva, para que chegue ao conhecimento da comunidade cristã (Ap 14, 13). O macarismo é uma breve sentença que resume todo o pensamento. O que toma parte no banquete nupcial terá sido convidado por Cristo. O convidado por Cristo é da causa de Cristo e, pelo mesmo, oposto às forças inimigas de Cristo e de sua Igreja. Com ele se declara a grande felicidade dos que se salvam e incentiva os cristãos e fazer o bem.

Chegou ao final a grande visão. Assegurou-se o triunfo da Igreja ante a força imperial, que, quando vivia São João, parecia que ia destruir totalmente a obra de Deus no mundo. A mensagem é altamente consoladora para os cristãos. O Anjo cumpriu a sua missão. Veio revelar esta verdade fundamental do triunfo definitivo da Igreja, e agora voltará ao lugar de onde veio.

Foi tal a impressão que recebeu São João ante esta revelação, que se prostrou por terra, segundo o uso oriental, para adorar o Anjo, não porque acreditasse que fosse Deus, mas porque representava a Deus. Mas o Anjo disse-lhe imediatamente: “Não! Não o faças!” Querendo evitar a idolatria pessoal. O Anjo-guia era um ministro de Jesus Cristo (Ap 1, 1); portanto, inferior a Jesus Cristo. O Anjo dá a razão sem rodeios: “Sou servo como tu e como teus irmãos que têm o testemunho de Jesus”. Jesus Cristo é a testemunha fiel, porque transmitiu aos homens a revelação verdadeira de Deus sem tirar nem acrescentar nada de sua parte, com justa fidelidade. Ele morreu pela verdade. O testemunho de Jesus é tanto  o conjunto das verdades que comunicou Jesus da parte de Deus, o Pai, aos homens, como seu mesmo exemplo pessoal da verdade divina.  Os que  comunicaram aos homens a palavra de Deus,  seja porque explicaram a mensagem de Jesus Cristo, seja porque receberam luzes  da revelação especial, como os profetas velho-testamentários e os mesmos apóstolos; ainda depois da morte de Jesus, são verdadeiros mensageiros divinos para uma missão determinada do espírito de profecia que vem de Deus. São, pois, servos de Deus de modo especial (Ap 1, 1; 10, 7; 11, 18; 22, 3) e profetas, enquanto dizem coisas de Deus em nome de Deus (Jo 14, 26; 16, 13-14). Pois bem, o Anjo disse que, ao desempenhar o ofício de mensageiro de Deus para comunicar a João a revelação do que havia de suceder à Igreja no tempo próximo, estava colocado na categoria de João, que comunicava também a revelação que lhe concedia Jesus Cristo às distintas Igrejas, e em igual categoria que os outros profetas que haviam comunicado aos homens as revelações de Deus. Tanto o Anjo como João, como os demais profetas, são servos de Deus, mensageiros do divino e mediadores, por vontade de Deus, o Pai, e de Jesus Cristo.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 23 de setembro de 2013

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Geraldo Morujão, Apocalipse

Bem-avenurado João Paulo II, Alocução

Edições Theologica

Pe. Jose Salguero, Biblia comentada

Pe. Miguel Nicolau, La Sagrada Escritura (Texto y comentario)

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Cantos de triunfo no céu”

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