CUJO MONTADOR SE CHAMA “FIEL” E “VERDADEIRO”

(Ap 19,  11-21)

 

11 Vi então o céu aberto: eis que apareceu um cavalo branco, cujo montador se chama ‘Fiel’ e ‘Verdadeiro’; ele julga e combate com justiça. 12 Seus olhos são chama de fogo; sobre sua cabeça há muitos diademas, e traz escrito um nome que ninguém conhece, exceto ele; 13 veste um manto embebido de sangue, e o nome com que é chamado é Verbo de Deus. 14 Os exércitos do céu acompanham-no em cavalos brancos, vestidos com linho de brancura resplandecente. 15 Da sua boca sai uma espada afiada para com ela ferir as nações. Ele é quem as apascentará com um cetro de ferro. Ele é quem pisa o lagar do vinho do furor da ira de Deus, o Todo poderoso. 16 Um nome está escrito sobre seu manto e sobre sua coxa: Rei dos reis e Senhor dos senhores. 17 Vi depois um Anjo que, de pé no sol, gritou em alta voz a todas as aves que voavam no meio do céu: ‘Vinde, reuni-vos para o grande banquete de Deus, 18 para comer carnes de reis, carnes de capitães, carnes de poderosos, carnes de cavalos e cavaleiros, carnes de todos os homens, livres e escravos, pequenos e grandes’. 19 Vi então a Besta reunida com os reis da terra e seus exércitos para guerrear contra o Cavaleiro e seu exército. 20 A Besta, porém, foi capturada juntamente com o falso profeta, o qual, em presença da Besta, tinha realizado sinais com que seduzira os que haviam recebido a marca da Besta e adorado a sua imagem: ambos foram lançados vivos no lago de fogo, que arde com enxofre. 21 Os outros foram mortos pela espada que saía da boca do Cavaleiro. E as aves todas se fartaram com suas carnes”.

 

Em Ap 19, 11-16 diz: “Vi então o céu aberto: eis que apareceu um cavalo branco, cujo montador se chama ‘Fiel’ e ‘Verdadeiro’; ele julga e combate com justiça. Seus olhos são chama de fogo; sobre sua cabeça há muitos diademas, e traz escrito um nome que ninguém conhece, exceto ele;  veste um manto embebido de sangue, e o nome com que é chamado é Verbo de Deus. Os exércitos do céu acompanham-no em cavalos brancos, vestidos com linho de brancura resplandecente. Da sua boca sai uma espada afiada para com ela ferir as nações. Ele é quem as apascentará com um cetro de ferro. Ele é quem pisa o lagar do vinho do furor da ira de Deus, o Todo poderoso. Um nome está escrito sobre seu manto e sobre sua coxa: Rei dos reis e Senhor dos senhores”.

 

A visão de Jesus Cristo e vencedor é parecida à que apresentava no começo do livro: fixando-se nas diversas partes do corpo, ainda que sem seguir um esquema rígido (Ap 1, 5. 12-16), identifica-o, segundo parece, com o cavaleiro que monta um cavalo branco, mencionado justamente ao abrir-se o primeiro dos sete selos (Ap 6, 2). Agora vai narrar a vitória que antes assinalava, simbolizada pela cor branca. Primeiro apresenta Cristo numa dimensão estática (versículos 11 até 14), e a seguir numa perspectiva dinâmica: as ações que leva a termo (versículos 15-16).

Os dois títulos “Fiel e Verdadeiro” estão intimamente relacionados. No Antigo Testamento dá-se com muita frequência o título de “fiel” a Deus (Dt 32, 4; Sl 144, 13), e fala-se a miúdo da sua fidelidade (Sl 117, 2). Quando se aplica tal título a Cristo no Novo Testamento, sugere-se a sua divindade (1 Ts 5, 24; Ap 1, 5; 3, 14), e ensina-se que, por Jesus Cristo, Deus cumpriu fielmente as promessas feitas no Antigo Testamento. Por outro lado, esse nome que só Ele conhece alude à sua condição divina e transcendente, sempre misteriosa e inalcançável para o homem.

Outro título é o de “Verbo de Deus”. Só São João utiliza este nome (Jo 1, 1-18), que faz referência a Jesus Cristo como o Redentor, como a Palavra do Pai (Jo 1, 18). Por coxa provavelmente há de entender-se estandarte, pois ambas as palavras são muito parecidas em hebraico, ou então a túnica que cobre essa parte do corpo.

O sangue no vestido do vencedor faz referência, não à sua Paixão, mas à sua vitória sobre os inimigos que pisa como o vinhateiro faz no lagar. É uma imagem já usada pelos profetas do Antigo Testamento (Is 63, 1-6; Jr 49, 11-12).  Quanto à espada que sai da sua boca, refere-se à Palavra de Deus, chamada espada de dois gumes (Hb 4, 12). É um modo de expor a onipotência e o juízo divinos.

O Pe. José Salguero comenta: A cena muda outra vez, o mesmo que as imagens. Como outras vezes, nosso autor vê que o céu se abre e aparece um cavalo branco, símbolo de vitória. Sobre ele vem Jesus Cristo, que, como capitão, se põe na frente de seu exército. O Messias que aqui aparece tem o mesmo aspecto de um cavaleiro parto de Ap 6, 2. O Antigo Testamento nos oferece uma cena um tanto parecida no Salmo 110, 5-6. Ali um povo numeroso como as gotas de orvalho se oferece ao Messias, e este seguido dos seus, domina os seus inimigos e os destrói, deixando a terra cheia de cadáveres. O Cavaleiro misterioso da nossa passagem vem do céu para combater o DRAGÃO infernal que vinha do abismo. São dados vários nomes para ele: Fiel, Verdadeiro (Ap 1, 5; 3, 7. 14), porque efetivamente Ele cumpre sempre as promessas que tem feito aos seus servidores (Ap capítulos 2 e 3). E agora se dispõe a executar o que tantas vezes prometeu nesse livro: julgar com justiça e fazer guerra também com justiça (versículo 11). É justo, e por isso julga com justiça, como o Emanuel de Isaías (Is 11, 3-4), e faz a guerra para destruir os ímpios e fazer desaparecer a iniquidade da terra. Os fiéis servidores de Jesus Cristo não ficarão frustrados diante de suas esperanças. Todos os que sofreram por Jesus Cristo serão recompensados, pois o Senhor nunca deixa de cumprir a sua palavra.

A descrição que nos dá o autor sagrado sobre esse Cavaleiro celeste se inspira na primeira visão do Apocalipse. Seus olhos são como chama de fogo que tudo penetra. Como Rei dos reis (Ap 17, 14), leva muitos diademas na cabeça. O DRAGÃO tem sete diademas sobre sete cabeças (Ap 12, 3), e a BESTA levava dez diademas sobre dez chifres (Ap 13, 1); porém, Jesus Cristo leva mais que seus antagonistas (opositores), como dominador que é de todos os povos. Tem também um nome escrito, que ninguém conhece, porque, sendo divino, é transcendente e está fora do alcance da inteligência humana (versículo 12). Leva o nome escrito nas coroas ou na tiara. Esse nome é o do Verbo de Deus. O termo Logos usado aqui pelo autor sagrado só aparece no Novo Testamento nos escritos joaninos (Jo 1, 1. 14; 1 Jo 1, 1). Só Deus pode conhecer sua própria essência, da qual o nome é a expressão.

O Verbo de Deus aparece vestido com um manto empapado de sangue (versículo 13). Esta imagem pode significar o sangue dos inimigos que já venceu, e é presságio dos que vencerá. Nosso texto parece inspirar em Isaías 63, 1-3, onde o profeta descreve a Deus voltando vencedor de Edom com o manto salpicado de sangue. Porém, o manto empapado em sangue talvez possa aludir ao próprio sangue de Jesus Cristo derramado pelos homens, com o qual obteve a vitória sobre o poder infernal, vitória que agora vai manifestar-se. O nome desse Cavaleiro vitorioso é o do Verbo de Deus. Semelhante expressão para designar a Jesus Cristo é claramente joanina, e oferece um forte argumento para provar que o autor do Apocalipse é o mesmo que o autor do quarto Evangelho (Jo 1, 1. 14) e da Primeira Carta de São João (1 Jo 1, 1). Jesus Cristo é o Verbo, a Palavra de Deus, porque é o eterno revérbero do Pai. É a Palavra que o Pai pronuncia ab aeterno, a segunda pessoa da Santíssima Trindade  que se revelou ao mundo em Jesus Cristo. Na teologia de São João, o Verbo é uma pessoa divina igual ao Pai. De modo que já não se trata de uma personificação poética, como a da Sabedoria no Antigo Testamento (Pr 8, 1-36; Sb 7, 24-30) ou a de Memra na teologia judia. O termo Logos São João deve ter tomado do ambiente judeu-helenístico; porém, dando-lhe um sentido novo.

Os exércitos do céu acompanham-no em cavalos brancos (Mt 26, 53; Ap 17, 14). Todos montam, como o chefe deles, cavalos brancos e vão vestidos com roupa de linho branco (versículo 14), que é o vestido comum de todos os justos (no céu) desde os tempos de Adão, segundo expressão da Ascensão de Isaías (Apócrifo). As vestes brancas e os cavalos brancos do exército de Jesus Cristo simbolizam a vitória e a glória de que gozam no céu.  São os santos que triunfaram sobre os inimigos de Deus e da Igreja, quando viviam neste mundo (Ap 3, 4; 6, 11; 7, 9. 14).  Agora pelejam sob as ordens de Jesus Cristo contra os reis inimigos, e venceram (Ap 17, 14; Sb 3, 8; 1 Cor 6, 2).

Da boca do Cavaleiro divino, galopando na frente de seus seguidores, sai uma espada aguda para ferir com ela as nações (versículo 15).  É a espada do poder e da justiça de Deus. É o símbolo de seu poder judicial e do rigor de suas sentenças, com as quais castigará ao ímpio, segundo o oráculo de Isaías: Antes, julgará os fracos com justiça, com equidade pronunciará uma sentença em favor dos pobres da terra. Ele ferirá a terra com o bastão da sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará o ímpio (Is 11, 4).  Jesus Cristo regerá com cetro de ferro as nações, como se lhe promete no Salmo 2, 9, à semelhande do Deus, vingador de Edom (Is 63, 1-6; Ap 14, 20), pisa em seus inimigos amontoados como uvas no lagar do vinho do furor da cólera do Deus todo poderoso. Deus vai dar de beber às nações pagãs inimigas de Jesus Cristo o vinho ardoroso do castigo divino e triturará seus exércitos como se tritura a uva madura. Tudo isto simboliza o grande triunfo de Jesus Cristo e dos seus seguidores (Ap 14, 10. 19-20).

Jesus Cristo, durante sua vida, não cumpriu estas profecias, pois seu messianismo esteve cheio de doçura, mansidão e sofrimento. O messianismo de perspectivas gloriosas, de dominação universal, não se havia realizado. Agora os cristãos esperavam o cumprimento desta parte do programa com a parusia de Jesus Cristo e o castigo dos inimigos do nome cristão (comenta A. Gelin). A concepção de um Messias dominador e destruidor de seus inimigos, própria do judaísmo do século I, persistiu por algum tempo em certos ambientes cristãos.

Finalmente, para declararmos quem seja este personagem, cujo nome próprio, Verbo de Deus, não é inteligível, nos dá outro nome seu que resultava mais claro e indicava sua alta dignidade. São João nos diz que levava seu nome em seu manto e em sua coxa, provavelmente na parte do manto que cobre a coxa, o nome mais inteligível por ser mais humano: Rei dos reis e Senhor dos senhores (versículo 16). Reis dos reis designa a um rei que tem sob seu cetro outros reis que o reconhecem como soberano. Os reis da Assíria, da Babilônia e da Pérsia se chamavam rei dos reis, porque tinham muitos reis que lhes eram submissos. Do Messias se disse muitas vezes que seu império se estenderá até o fim da terra, e que os reis lhe renderão homenagem (Sl 72, 8-11). A tal Soberano seguirão os exércitos do céu, as legiões de anjos e santos montados em cavalos brancos e vestidos de linho branco e puro, tudo em sinal de vitória. Esse exército branco que segue ao Rei montado sobre um cavalo branco recorda as entradas triunfais dos imperadores quando voltavam vencedores para Roma. O título de Senhor dos senhores tem também um significado real e triunfal. Este título foi usado pela Igreja primitiva, aplicando-o a Jesus Cristo, para expressar sua divindade e sua dignidade de Rei-Messias (Mt 24, 42; Mc 11, 3; 12, 35-37; Lc 19, 16; At 7, 60; 1 Cor 12, 3; 16, 22-23). Aqui a expressão Senhor dos senhores indica uma sabedoria sobre os mesmos imperadores romanos.

O Pe. Miguel Nicolau ensina: O cavalo branco é símbolo da vitória. Ao cavaleiro serão dados vários nomes distintos: FIEL e VERDADEIRO são os nomes de Jesus Cristo (Ap 1, 5; 3, 7. 14). FIEL na missão que lhe foi confiada de fazer possível aos homens a salvação. VERDADEIRO no sentido semítico de perseverança no pleno cumprimento do seu ofício. A Igreja não deve temer. Vão florescer destas duas qualidades duas realidades: JULGAR, premiando e castigando, e COMBATER contra os inimigos segundo a justiça.

Seus olhos como chama de fogo, porque seu olhar atravessa os segredos da alma e também porque vence sem esforço os seus inimigos.

Em torno de sua cabeça leva muitos diademas. É preciso distinguir cuidadosamente as coroas, de tão frequente uso civil, militar e imperial na Grécia e em Roma, dos diademas. A coroa, feita de flores ou de metal, afundava-se suavemente na cabeleira ao redor da cabeça. O diadema era uma cinta finamente bordada que passava pela frente e se amarrava atrás. Jesus Cristo leva o diadema, indica que é rei.

O cavaleiro celeste leva um nome escrito. Não se diz onde está o nome. Talvez nos diademas. Melhor na tiara. Outros intérpretes afirmam que está escrito nos livros divinos. Este nome ninguém o conhece. Conhecer em toda sua compreensão o nome é compreender totalmente a pessoa. Não se diz que não pode ler o nome do cavaleiro, mas que não se pode compreender. Seu sentido profundo é impenetrável, como cheio de mistério (Mt 11, 27; Jo 8, 55). Este nome há de ser, por todo o conjunto, Yahweh ou Memra Yahweh (Palavra de Yahvé), como se disse imediatamente, ou algo equivalente.

O cavaleiro do cavalo branco leva um manto de general romano. Com a particularidade que está salpicado (empapado) de sangue. Isso indica outras lutas e outras vitórias deste chefe militar. Certamente Jesus Cristo é o grande vencedor de terríveis combates a favor da sua Igreja. Agora é dito o seu nome porque se lhe conhece... é o Verbo de Deus.

São João vê (versículo 14) o exército do cavaleiro Fiel, Verdadeiro e Justiceiro: Os exércitos do céu acompanham-no em cavalos brancos, vestidos com linho de brancura resplandecente. Cavalgam no céu. Seus cavalos são também brancos, destinados a vencer, e seguem em tudo a seu capitão. Seus guerreiros estão vestidos de linho finíssimo, branco e puro. Quem são os integrantes desse exército celeste? Alguns dizem que são inumeráveis anjos que vão com Jesus Cristo, porque em outras passagens bíblicas se fala das legiões angélicas que obedecem a Jesus Cristo (Mt 13, 41; 24, 31; 26, 53) e da presença de anjos na parusia (2 Ts 1, 7-8; Mc 13, 27; Mt 25, 31). Entretanto, parece que os exércitos que se enfrentam hão de ser do mesmo gênero. O exército contrário é de homens. Sendo as duas BESTAS humanas, parece que é mais conveniente que sejam vencidas por humanos. O DRAGÃO será acorrentado por um anjo (Ap 20, 1-3). Os santos que triunfaram sobre os inimigos da Igreja foram sempre vestidos de branco (Ap 3, 4; 6, 11; 7, 9. 14); Os santos lutarão com Jesus Cristo contra os reis inimigos e os vencerão (Ap 17, 14); os santos julgarão os inimigos da Igreja (1 Cor 6, 2; Sb 3, 8). Parece mais de acordo, pois, considerar essa grande parada militar como um desfile imperial dos santos ou cristãos que vão vencer totalmente as BESTAS. Na batalha decisiva, Jesus Cristo irá à frente com o exemplo e eles vencerão também o mundo.

Versículo 15: Da sua boca sai uma espada afiada para com ela ferir as nações. Ele é quem as apascentará com um cetro de ferro. Ele é quem pisa o lagar do vinho do furor da ira de Deus, o Todo poderoso. Jesus Cristo leva uma espada reta de dois gumes, cuidadosamente afiada, arma digna de um guerreiro. É a espada do poder e da justiça divina. Com ela combaterá os povos inimigos da Igreja. Com o cetro de ferro quebrará a potência dos exércitos pagãos que combatem a Igreja. O celeste capitão pisará o lagar da ira de Deus para dar de beber o vinho do castigo divino aos que merecem; e, além disso, para triturar os exércitos adversários como uva madura (Ap 14, 19-20). Se Deus Pai é dominador de tudo, tem sob seu poder os exércitos inimigos de Jesus Cristo e da Igreja.

 

Em Ap 19, 17-21 diz: “Vi depois um Anjo que, de pé no sol, gritou em alta voz a todas as aves que voavam no meio do céu: ‘Vinde, reuni-vos para o grande banquete de Deus, para comer carnes de reis, carnes de capitães, carnes de poderosos, carnes de cavalos e cavaleiros, carnes de todos os homens, livres e escravos, pequenos e grandes’. Vi então a Besta reunida com os reis da terra e seus exércitos para guerrear contra o Cavaleiro e seu exército. A Besta, porém, foi capturada juntamente com o falso profeta, o qual, em presença da Besta, tinha realizado sinais com que seduzira os que haviam recebido a marca da Besta e adorado a sua imagem: ambos foram lançados vivos no lago de fogo, que arde com enxofre. Os outros foram mortos pela espada que saía da boca do Cavaleiro. E as aves todas se fartaram com suas carnes”.

 

Depois de descrever Jesus Cristo e o seu exército, pormenoriza-se a preparação do combate final e o seu desenlace. A chamada do Anjo convocando as aves do céu evoca a passagem de Ez 39, 17-20, onde com a mesma imagem se indica quem vão ser os vencidos. Agora são pessoas de todas as classes e condições que seguiram a BESTA e o FALSO PROFETA, ou seja, que serviram as forças que estas representam.

O tanque de fogo com enxofre, que voltará a aparecer em Ap 20, 10. 14 como destino final dos poderes do mal, é o Inferno, chamados noutros lugares do Novo Testamento de geena (Mt 5, 22; 10, 28; Mc 9, 42; Lc 12, 5). É também o destino final dos homens que mereçam condenação no juízo de Deus (Ap 20, 15), ainda que agora o autor do livro só contemple o castigo terreno da morte que vão sofrer (versículo 21).

A circunstância de ser lançados vivos ao fogo põe a ênfase no terrível do castigo. Trata-se da pena de sentido que, junto com a pena de dano, ou separação para sempre do Senhor, constitui o tormento do inferno.  O tormento dos sentidos é terrível, mas muito pior é perder Deus. Por isso afirma São João Crisóstomo: A pena do Inferno é na verdade insofrível. Mas se alguém fosse capaz de imaginar dez mil infernos, nada seria este sofrimento em comparação da pena que produz ter perdido o céu e ser rejeitado por Jesus Cristo.

O Pe. José Salguero comenta Ap 19, 17-18São João Evangelista contempla um novo anjo de pé sobre o sol. O Anjo lança com poderosa voz um convite a todas as aves carnívoras da terra, dizendo-lhes: Vinde, reuni-vos para o grande banquete de Deus (versículo 17). Este banquete de Deus é um traço apocalíptico que se confunde com o sacrifício de Deus. Recorda-se que, no Antigo Testamento, os sacrifícios pacíficos iam acompanhados de um banquete post sacrificial (comenta A. Gelin). A expressão banquete de Deus também poderia ser uma espécie de superlativo para significar a maior carnificina que a terra havia visto, executada sobre os inimigos de Deus. As aves carnívoras que aqui aparecem convidadas para participar desse banquete é outro detalhe próprio do apocalipse. Os monumentos assírios nos apresentam as aves carnívoras sobre os cadáveres estendidos no campo de batalha.

O convite que o anjo faz a todas as aves do céu se inspira em Ezequiel 39, 4. 17-20. Nesta passagem de Ezequiel se descreve a grande carnificina executada por Deus sobre os seguidores de Gog e Magog, os quais caíram nos montes de Israel com todos os exércitos e todos os povos que os acompanhavam. O profeta ouve que lhe ordena o Senhor: E tu, filho do homem — assim diz o Senhor — dize a toda espécie de aves e a todos os animais selvagens: Ajuntai-vos, vinde e congregai-vos de todas as bandas para o sacrifício que vos estou oferecendo, um grande sacrifício sobre os montes de Israel. Comereis carne e bebereis sangue. Comereis a carne de heróis e bebereis o sangue dos príncipes da terra: todos eles carneiros, cordeiros, bodes e touros cevados de Basã. Comereis tutano até vos fartardes e bebereis sangue até vos embriagardes com o sacrifício que vos estou oferecendo.  Saciai-vos à minha mesa, de cavalos e cavaleiros, de heróis e de tudo quanto é homem de guerra, oráculo do Senhor (Ez 39, 17-20).

As expressões tão fortes usadas por São João nesta passagem – tomadas em parte de Ezequiel -, tão de acordo com o estilo apocalíptico, não será preciso tomá-las ao pé da letra. É conveniente ter presente que as vitórias do Verbo de Deus são antes de tudo espirituais, como o é também seu exército. O autor sagrado quer com essas imagens anunciar a grande derrota dos inimigos de Deus.

Ap 19, 19-21: Temos nesta passagem da descrição do aniquilamento das duas BESTAS do capítulo 13. A BESTA saída do mar (Ap 13, 1), juntamente com o DRAGÃO (Ap 13, 2), haviam conseguido estender seu domínio sobre o mundo, reunindo os reis em uma guerra contra Deus (Ap 16, 13ss.). Porém, no presente, são inteiramente derrotados por Jesus Cristo e pelo seu exército. São João não se preocupa de descrever-nos a batalha que parece anunciar-se. Descreve somente seus efeitos, como já o havia feito no caso da ruína de Roma (Ap 18, 9-19). E é natural que o autor sagrado não se detenha a narrar essa batalha; porque, que luta vai ter lugar entre o céu e a terra, entre Deus e os homens?São João nos apresenta reunidos os exércitos da BESTA e dos reis seus aliados, já preparados para fazer guerra a Jesus Cristo e seus seguidores (versículo 19). Porém, imediatamente, o vidente de Patmos (São João Evangelista) nos apresenta os dois chefes principais do exército contrário a Jesus Cristo, encurralados e presos fortemente. A BESTA, com efeito, cai prisioneira, e com ela a outra BESTA (Ap 16, 13; 19, 20; 20, 10), que aqui é chamada de Falso Profeta, que com seus falsos prodígios enganava as pessoas, induzindo-as a que adorassem à BESTA. Ambas são lançadas vivas no fogo que arde com enxofre (versículo 20). A imagem desse castigo foi tomada de Isaías 30, 33 e, principalmente de Daniel 7, 11. A metáfora de que ambas BESTAS foram lançadas no fogo significa a destruição total e definitiva dos dois aliados que representam coletividades mais bem que indivíduos. Que sejam presos e lançados no tanque de fogo não obriga a considerá-los como pessoas, pois em Ap 20, 14 também serão lançadas ao fogo o Hades e a Morte. O DRAGÃO também será lançado no lago de fogo em Ap 20, 10. Era o lugar destinado para o diabo e para todos os seguidores dele (Ap 14, 10-11; 20, 10. 14-15). O tanque de fogo é o equivalente da geena dos Evangelhos (Mt 25, 41). Nele ardia continuamente um fogo inextinguível com enxofre. Os tormentos que nele recebiam os malvados eram indescritíveis (comenta Strack-Billerbeck).

Deste modo, os dois aliados, isto é, as duas BESTAS às quais alentava o DRAGÃO, caíram fora de combate, impotentes... E o exército que os seguia, junto com os reis que o mandava, foi derrotado, e todos os membros que o compunham foram mortos pela espada que saia da boca do Verbo de Deus, ou seja, pelo poder de sua palavra. E seus corpos foram pastos das aves carnívoras (versículo 21). Assim termina a luta tantas vezes anunciada. O que se chama Fiel e Verdadeiro cumpre sua palavra, acabando totalmente com os inimigos e perseguidores de seus fiéis. São João parece querer mostrar-nos com sua descrição que foi coisa fácil para Jesus Cristo onipotente vencer as BESTAS e seus seguidores.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 23 de junho de 2015

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Edições Theologica

São João Crisóstomo, Homilia sobre São Mateus, 28

Pe. José Salguero, Bíblia Comentada

Strack-Billerbeck, o. c. IV p. 823

Ascensão de Isaías 9, 7 (Apócrifo)

A. Gelin, o. c. p. 654 s.

Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Cujo montador se chama “Fiel” e “Verdadeiro”

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