EIS AQUI DUAS ESPADAS

(Lc 22, 38)

 

“Disseram eles: ‘Senhor, eis aqui duas espadas’. Ele respondeu: ‘É suficiente’”.

 

“É suficiente”. Vendo que os Apóstolos não o tinham compreendido, interrompe-os Jesus Cristo com esta palavra, corrigindo a ignorância deles muito mais com a expressão do rosto. As ESPADAS a que se referem, eram provavelmente as grandes facas de que se utilizaram na ceia.

O Pe. Juan Leal diz: “A linguagem simbólica de Jesus Cristo não foi bem compreendida pelos discípulos. Apresentam-lhe duas espadas para defendê-lo. A resposta: É suficiente, deve-se referir, mais que as espadas, a todo o diálogo que se interrompe desta maneira”.

Aproxima-se o momento da provação e o Senhor emprega uma linguagem figurada: fazer provisões e comprar armas para resistir. Os Apóstolos interpretam as palavras de Jesus Cristo à letra, e isto produz no Senhor um gesto de certa compreensão indulgente: “É suficiente”. “Como quando nos falamos a outro, se vemos que não nos compreende dizemos: ‘Está bem, deixa lá’” (Teofilacto).

Está claro que os Apóstolos não entenderam o que Jesus Cristo queria explicar-lhes dizendo: “É suficiente”. Com o qual nos admiraremos menos e levaremos com mais paciência se tampouco nós a entendermos.

Pode com razão estranhar que entre os Apóstolos, homens desarmados e pacíficos, se encontrem DUAS ESPADAS, depois de terem deixado todas as coisas. Porém, não temos de supor que fossem ESPADAS militares ou que houvessem lançado mão delas em alguma luta que ocorresse; mas ESPADAS bem mais rústicas, para cortar lenha ou coisas necessárias, como usam os açougueiros e gente do campo. Desta qualidade era a ESPADA que São Pedro usou para cortar a orelha de Malco.

Alguns autores tomam isso em sentido místico, como vemos em Santo Ambrósio: “Não proíbe a lei ferir ao que nos fere, e talvez por isso responde Cristo que é suficiente quando Pedro lhe oferece duas espadas. Como se houvesse sido isto lícito no Evangelho, para que houvesse na lei conhecimento do que é justo e no Evangelho se dera a perfeição da bondade. Parece isto a muitos injusto, mas certamente não o é para o Senhor,  o qual, podendo vingar-se, preferiu imolar-se. Existe também uma espada espiritual, com a qual se vende o patrimônio para comprar a palavra que veste a desnudez do interior da alma. Há também outra espada do sofrimento, para despojar o corpo e comprar-lhe a coroa do sagrado martírio com os despojos da carne imolada”.

São Beda explica essa passagem de uma maneira muito diferente: “Bastam duas espadas para dar fé do Salvador voluntariamente imolado: uma, para mostrar a audácia dos apóstolos ao lutar pelo Senhor, não menos que a benignidade e poder do mesmo Senhor, ao curar a orelha cortada com seu tato; outra espada, jamais desembainhada, que mostrasse não estar-lhes permitido fazer tudo o que houvessem podido em sua defesa”.

Nenhum destes é o sentido literal, como se vê evidentemente.

Deduzem aqui autores modernos que tem a Igreja DUAS CLASSES de ESPADAS: a espiritual e a temporal.

Supõe Santo Ambrósio que foi São Pedro que disse ao Senhor: Eis aqui duas espadas, o qual responderia em nome de todos. Ainda que não fora São Pedro que lhe dissera isso; porém, parece provável, porque é da índole, ofício e costume desse Apóstolo agir assim. Parece que era natural que apresentasse as DUAS ESPADAS, aquele que era como capitão do exército dos Apóstolos, que havia dito pouco antes: Estou pronto para ir à prisão e à mesma morte contigo (Lc 22, 33), e logo havia de empunhar a espada para defender a Jesus Cristo.

A resposta de Jesus Cristo: “É bastante”, não confirma a opinião dos discípulos de resolver o momento difícil pelas armas, mas como disse Teofilacto e Eutímio, “Basta” indica que não há necessidade de espadas, não porque aquelas circunstâncias não as reclamassem, mas porque ele não queria defender-se com espadas. Pois se houvesse de revolver aquele momento difícil com pontas de espadas, duas não seriam necessárias, nem sequer cem, para enfrentar uma coorte de soldados.

Não cabe a nós adivinhar a razão porque Jesus Cristo deixou essa passagem sem melhor esclarecimento e também quando disse para comprar espada, pois o evangelista não disse nada sobre isso. E talvez não o quisesse esclarecer, para que os Apóstolos, ignorantes do mistério, levassem espada por própria conta e São Pedro cortasse a orelha de Malco, com que deu ocasião àquele milagre, com o qual mostrasse Jesus Cristo ter poder, se quisesse, para defender-se, pois repreendeu ao discípulo que quis defendê-lo  com sua espada e curou benignamente ao inimigo que havia sido ferido.

Em toda essa passagem, como escreve Teofilacto, mostra Jesus Cristo sua divindade, ao predizer que está já iminente o tempo de sua paixão anunciada aos Apóstolos, e, pelo mesmo, que vai a ela não forçado, mas voluntariamente. Por isso disse ao mesmo tempo que são necessárias as ESPADAS e que não o são, pois bastam aquelas DUAS; para mostrar com o primeiro a iminência de sua morte, e com o segundo, a voluntariedade dela mesma.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 12 de maio de 2016

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Dom Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos Evangelhos

Pe. Juan Leal,  A Sagrada Escritura, texto  e comentário

Teofilacto, Enarratio in Evangelium Lucae, ad loc.

Pe. Juan de Maldonado, Comentário de São Lucas

Santo Ambrósio, Escritos

São Beda, Escritos

 

 

 

 

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