NÃO TENHAIS MEDO DELES

(Mt 10, 26-33)

 

 

"26 Não tenhais medo deles, portanto. Pois nada há de encoberto que não venha a ser descoberto, nem de oculto que não venha a ser revelado. 27 O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia: o que vos é dito aos ouvidos, proclamai-o sobre os telhados. 28 Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode destruir a alma e o corpo na geena. 29 Não se vendem dois pardais por um asse? E, no entanto, nenhum deles cai em terra sem o consentimento do vosso Pai! 30 Quanto a vós, até mesmo os vossos cabelos foram todos contados. 31 Não tenhais medo, pois valeis mais do que muitos pardais. 32 Todo aquele, portanto, que se declarar por mim diante dos homens, também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos Céus. 33 Aquele, porém, que me renegar diante dos homens, também o renegarei diante de meu Pai que está nos Céus".

 

 

 

Em Mt 10, 26-28 diz: "Não tenhais medo deles, portanto. Pois nada há de encoberto que não venha a ser descoberto, nem de oculto que não venha a ser revelado. O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia: o que vos é dito aos ouvidos, proclamai-o sobre os telhados. Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode destruir a alma e o corpo na geena".

 

Remígio escreve: "Logo após a anterior consolação, acrescenta outra maior dizendo: 'Não os temais'; isto é, aos perseguidores. E lhes dá razão porque não devem temê-los, a saber: 'Porque nada há de oculto que não seja revelado", e: "Aqui fala, pois, do tempo futuro, quando Deus julgará os mistérios dos homens, iluminará os esconderijos das trevas e porá às claras as intenções dos corações (1 Cor 4, 5): o sentido é este: 'Não temais a crueldade dos perseguidores e a raiva dos blasfemos, porque chegará o dia do juízo e nele verão bem às claras vossa virtude e sua malícia" (São Jerônimo), e também: "Aconselha-os, pois, que não tenham medo nem das ameaças, nem das injúrias, nem dos tumultos, nem do poder dos perseguidores; porque verão no dia do juízo de quão pouco lhes valerão todas essas coisas" (Santo Hilário, in Matthaeum, 10), e ainda: "Opinam alguns que o Senhor prometeu a seus discípulos, por essas palavras, que revelariam a eles todos os mistérios ocultos pelo véu da letra da Lei. Por isso disse o Apóstolo: 'É somente pela conversão ao Senhor que o véu cai' ( 2 Cor 3, 16), cujo sentido é: por que deveis temer aos seus perseguidores, vocês que foram elevados a tal dignidade; que por vocês foram declarados os mistérios da Lei e dos Profetas?" (Remígio), e: "Depois que lhes tiraram o medo e lhes fizeram superiores às dificuldades, lhes fala em tempo oportuno da liberdade da pregação, dizendo-lhes: 'O que os digo nas trevas" (São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeum, hom. 34, 2), e também: "Não ouvimos que o Senhor acostumava  pregar e a ensinar pela noite, mas que disse isso, porque para os homens carnais suas palavras eram trevas e para os infiéis noite. E assim disse que devia Ele ser anunciado com a liberdade da fé e da pregação" (Santo Hilário, In Matthaeum, 10), e ainda: "O sentido, pois, é o seguinte: 'O que os digo nas trevas', isto é, entre os judeus incrédulos; 'dizei-o à luz', isto é, aos fiéis: 'E o que haveis escutado ao ouvido', isto é, o que disse em segredo, 'pregai sobre os telhados', isto é, publicamente e diante de todos" (Remígio), e: "Sem dúvida, quando disse: 'Pregai sobre os telhados', fala segundo o costume da província da Palestina, onde se habitam nos tetos, porque não estavam terminados em ponta, mas em superfície plana. Será, pois, pregado nos tetos o que devia dizer diante de todos os ouvintes" (Rábano), e também: "Ou de outra maneira: 'O que os digo nas trevas', isto é, quando ainda  escravos da carne; 'dizei-o à luz', isto é, na confiança da verdade quando forem iluminados pelo Espírito Santo. 'E o que ouviram ao ouvido', isto é, perceberam só com o ouvido, 'prega' completando com as suas obras, estando sobre os telhados, isto é, em seus corpos, que são a residência das almas" (Glosa), e ainda: "Ou também: 'O que os digo nas trevas dizei-o à luz', isto é, o que ouviram em segredo, pregue com mais clareza: 'E o que ouviram ao ouvido, pregai-o sobre os telhados', isto é, o que Eu os ensinei numa pequena aldeia da Judéia, dizei sem temor em todas as cidades do mundo inteiro" (São Jerônimo), e: "Devemos semear constantemente o conhecimento de Deus e revelar com a luz da pregação o segredo profundo da doutrina do Evangelho, sem medo daqueles que só têm poder sobre os corpos, mas que nada podem sobre o espírito; por isso disse: 'Não temais aqueles que matam o corpo e a alma não podem matar" (Santo Hilário, In Matthaeum, 10), e também: "Olhando a maneira de que usou para fazer-lhes superiores a todos: aconselhando-lhes a desprezar, não somente as preocupações, as calúnias e os perigos, mas o que é ainda mais terrível que tudo isso, até mesmo a morte; por isso disse: 'Mas temei mais aquele que pode lançar no inferno vosso corpo e vossa alma" (São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeum, hom. 34, 2), e ainda: "Observe que não lhes promete livrá-los da morte, mas que lhes aconselha a desprezá-la, que é muito mais que o livrá-los da morte e que lhes insinua o dogma da imortalidade" (São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeum, hom. 34, 2).

Não tenhais medo deles, portanto. Pois nada há de encoberto que não venha a ser descoberto, nem de oculto que não venha a ser revelado. O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia: o que vos é dito aos ouvidos, proclamai-o sobre os telhados: "Jesus Cristo manda aos Seus discípulos que não tenham medo das calúnias ou murmurações. Virá um dia em que chegue ao conhecimento de todos quem é cada um, as suas verdadeiras intenções e a disposição exata da sua alma. Entretanto, os que são de Deus podem ser apresentados como se não o fossem por aqueles que, por paixão ou por malícia, utilizam a mentira. Esse é o segredo que chegará a saber-se. Junto a estas recomendações, Cristo manda também que os Apóstolos falem com clareza, abertamente. Por razões de pedagogia divina, Jesus tinha falado às multidões em parábolas e tinha-lhes descoberto gradualmente a Sua verdadeira personalidade. Os Apóstolos, depois da vinda do Espírito Santo (cfr At 1, 8), hão de pregar às claras, desde os terraços, o que Jesus lhes foi dando a conhecer. A nós toca-nos hoje também continuar a manifestar sem ambiguidades toda a doutrina de Cristo, sem nos deixarmos levar por falsas prudências humanas ou por medo das consequências" (Edições Theologica).

Nosso Senhor Jesus Cristo pede-nos que vivamos sem medo, como filhos de Deus.

O Pe. Francisco Fernández-Carvajal escreve: Às vezes, encontramos pessoas angustiadas e atemorizadas pelas dificuldades da vida, por acontecimentos adversos e por obstáculos que se agigantam quando só se conta com as forças humanas para enfrentá-los. Vemos também por vezes cristãos que parecem atenazados por um medo vergonhoso de falar claramente de Deus, de dizer não à mentira, de mostrar, quando necessário, a sua condição de discípulos fiéis de Cristo; têm medo do que podem dizer, do comentário desfavorável, de chamar a atenção... E como é que um discípulo de Cristo não haveria de chamar a atenção em ambientes de costumes paganizados, em que os valores econômicos são muitas vezes os valores supremos? Jesus diz-nos que não nos preocupemos demasiado com a calúnia e a murmuração, se nos chegam a atingir. Não os temais, pois, porque não há nada oculto que não venha a descobrir-se. Que pena se mais tarde se viesse a descobrir que tivemos medo de proclamar aos quatro ventos a verdade que o Senhor nos confiou! O que vos digo em segredo, dizei-o à luz, e o que vos digo ao ouvido, pregai-o sobre os telhados. Se alguma vez nos calamos, que seja porque nesse momento o mais oportuno é calar-se por prudência sobrenatural, por caridade; nunca por temor ou por covardia. Nós, os cristãos, não somos amigos das sombras e dos cantos escuros, mas da luz, da claridade na vida e na palavra. Vivemos uns tempos em que é mais necessário proclamar a verdade sem ambiguidades, porque a mentira e a confusão imperam por toda a parte. A sã doutrina, as normas morais, a retidão de consciência no exercício da profissão ou a hora de se viverem as exigências do matrimônio, o simples senso comum... gozam algumas vezes de menos prestígio, por absurdo que pareça, do que uma doutrina chocante e errada, que se qualifica de 'valente' ou a que se dá um colorido de progresso".

Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode destruir a alma e o corpo na geena: "Quando os Apóstolos virem Jesus arrastado aos tribunais, esbofeteado, coroado de espinhos, condenado à morte, crucificado, compreenderão o alcance de suas palavras e, mais tarde, iluminados pelo Espírito Santo, compreenderão que a necessidade de compartilhar da sorte do Mestre é grandíssima honra. Afinal, que há de temer dos homens? Podem zombar, perseguir, privar dos bens terrenos, prender e até matar; mas não é o mal maior. Em certos casos, pode-se encontrar o fiel na alternativa extrema: renegar a fé e perder a alma por medo dos homens, ou enfrentar graves danos e até a morte para não se separar de Cristo para sempre, e alcançar a vida eterna. O martírio, ato supremo do amor de Deus, é obrigatório para todo cristão, quando fugir dele significa renegar a fé" (Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena), e: "A Igreja, apoiada neste e em muitos outros passos do Evangelho (Mt 5, 22.29; 18, 9; Mc 9,43.45.47; Lc 12, 5), ensina com clareza que existe o inferno, onde recebem castigo eterno as almas que morrem em pecado grave (cfr Catecismo Romano, I, 6, 3). Ali os condenados sofrem as penas de dano e de sentido eternamente, de um modo que nós ignoramos nesta vida (cfr Santa Teresa de Jesus,  Livro da vida, cap. 32). Por isso o Senhor previne os Seus discípulos contra o falso medo. Não há por que temer os que somente podem tirar a vida do corpo. Só Deus é quem tem poder de lançar alma e corpo no inferno. Por isso, o verdadeiro temor e respeito devemos a Deus, que é o nosso Príncipe e Juiz Supremo, e não aos homens. Os mártires são os que melhor viveram este preceito do Senhor; sabiam que a vida eterna valia muito mais que a vida terrena" (Edições Theologica).

Devemos ser fortes e valorosos diante das dificuldades, como é próprio dos filhos de Deus: "Não tenhais medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perder a alma e o corpo no inferno". Jesus exorta-nos a não temer nada, exceto o pecado, que tira a amizade com Deus e conduz à condenação eterna: "O temor de Deus é um dom do Espírito Santo que facilita a luta decidida contra aquilo que nos separa d'Ele e que nos move a fugir das ocasiões de pecar, a não confiar em nós mesmos, a ter presente a todo o momento que temos os 'pés de barro', frágeis e quebradiços. Os males corporais e a própria morte, não são nada em comparação com os males da alma, com o pecado. Fora o temor de perder a Deus - que é preocupação filial e precaução para não ofendê-lo -, nada nos deve inquietar. Em determinados momentos do nosso caminho, poderão ser grandes as tribulações que padeçamos, mas o Senhor nos dará então a graça necessária para superá-las e para crescer em vida interior: Basta-te a minha graça, dir-nos-á Jesus. Aquele que assim estendeu a mão ao Apóstolo Paulo, há de vir também em nosso auxílio. Nesses momentos de aflição invocaremos o Senhor com fé e com humildade: 'Senhor, não te fies de mim! Eu, sim, é que me fio de Ti. E ao vislumbrarmos na nossa alma o amor, a compaixão, a ternura com que Cristo Jesus nos olha - porque Ele não nos abandona -, compreenderemos em toda a sua profundidade as palavras do Apóstolo: A virtude se fortalece na fraqueza (2 Cor 12, 9); com fé no Senhor, apesar das nossas misérias - ou melhor, com as nossas misérias -, seremos fiéis ao nosso Pai-Deus, e o poder divino brilhará, sustentando-nos no meio da nossa fraqueza. Ordinariamente, no entanto, devemos manifestar a nossa fortaleza e valentia em situações menos transcendentes: recusando com bons modos, mas com firmeza, um convite para ir a um lugar ou para assistir a um espetáculo em que um bom cristão deve sentir-se mal; manifestando desacordo com determinada orientação que os professores querem dar à educação dos nossos filhos; cortando essa conversa menos limpa ou convidando um amigo a umas aulas de formação cristã... Muitas vezes, são as pequenas covardias que refreiam ou impedem um apostolado de horizontes amplos. Paralelamente, são também as 'pequenas valentias' que tornam uma vida eficaz" (Pe. Francisco Fernández-Carvajal).

 

Em Mt 10, 19-31 diz: "Não se vendem dois pardais por um asse? E, no entanto, nenhum deles cai em terra sem o consentimento do vosso Pai! Quanto a vós, até mesmo os vossos cabelos foram todos contados. Não tenhais medo, pois valeis mais do que muitos pardais".

 

 

São João Crisóstomo escreve: "Depois de haver-lhes tirado o medo da morte, a fim de que não acreditassem os Apóstolos, se morressem, que Deus os havia abandonado. Insiste de novo em seu sermão sobre a providência de Deus, dizendo: 'Não se vendem dois pardais por um asse? E, no entanto, nenhum deles cai em terra sem o consentimento do vosso Pai!" (Homilia in Matthaeum, hom. 34, 2), e: "O sentido é este: se os pequenos animais não perecem sem o consentimento de seu Autor, que é Deus; e a Providência se estende a todos, e se o que em si morre, não morre sem a vontade de Deus, vocês que são filhos de Deus não devem temer que Ele os abandone" (São Jerônimo), e também:  "Em sentido místico, o que se vende é a alma e o corpo, e se vende para o pecado. Os dois pássaros que se vendem por um quarto são aqueles que, nascidos para voar e elevar-se ao céu nas asas da graça, se vendem eles mesmos por um miserável pecado. Presos eles pelo prazer das coisas presentes e vendidos à vaidade do século, corrompem-se com esse proceder" (Santo Hilário, In Matthaeum, 10), e ainda: "As palavras: 'E vossos cabelos estão contados', nos manifestam a imensa providência de Deus para com o homem e nos marca o inefável amor para com Ele, posto que tão perfeitamente sabe de todas as nossas coisas" (São Jerônimo), e: "Disse isso, não porque Ele houvesse contado os cabelos, mas para expressar seu excelente conhecimento e sua providência sobre todas as coisas" (São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeum, hom. 34, 2), e também: "Os que negam a ressurreição zombam da interpretação que dá a Igreja a esta passagem, como se disséssemos que todos os cabelos estão contados e que todos os que foram cortados pela tesoura teriam que ressuscitar; sendo assim, não disse o Salvador: 'Todos os vossos cabelos serão salvos', mas 'estão contados'. O número dá a entender somente que Deus conhece o número de nossos cabelos, mas não que Ele os conservará a todos" (São Jerônimo), e ainda: "Não parece digno de Deus o contar o que há de perecer, mas para que soubéssemos que nada em nós há de perecer, nos disse que nossos cabelos cortados estão contados. Não devemos ter medo das desgraças de nossos corpos, segundo aquelas palavras: 'Não temais, pois sois melhores que muitos pássaros" (Santo Hilário, In Matthaeum, 10), e: "O sentido do que precede está mais manifesto nestas palavras: 'Não deveis temer aos que matam o corpo', porque, se até os animais menores não morrem sem a previsão de Deus, quanto mais o homem que foi revestido da dignidade apostólica" (São Jerônimo), e também: "Quando disse que Ele os prefere a muitos pássaros, dá a entender que prefere aos escolhidos à multidão de infiéis, porque estes caíram sobre a terra e aqueles voaram ao céu" (Santo Hilário), e ainda: "Em sentido místico, Cristo é a cabeça e os Apóstolos os cabelos e por isso se diz com razão que estão contados, porque estão escritos seus nomes no céu" (Remígio).

Edições Theologica comenta: "O 'asse' era uma pequena moeda de ínfimo valor. Cristo emprega esta imagem para ilustrar o imenso carinho que Deus tem à sua criatura", e: "Para os discípulos não se sentirem abandonados nas lutas e perseguições, Jesus os encoraja, falando da providência do pai celeste, presente até nas mínimas circunstâncias da vida de suas criaturas. Se nem do passarinho descuida, como esqueceria os filhos expostos ao perigo por seu amor? 'Não tenhais medo, portanto: valeis mais que muitos pássaros!" (Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena).

 

Em Mt 10, 32-33 diz: "Todo aquele, portanto, que se declarar por mim diante dos homens, também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos Céus. Aquele, porém, que me renegar diante dos homens, também o renegarei diante de meu Pai que está nos Céus".

 

São João Crisóstomo escreve: "Depois do Senhor eliminar o temor que tanto angustiava a alma de seus discípulos, volta de novo a dar-lhes forças com as coisas que hão de conseguir, não somente lhes apaga todo o temor, mas os eleva, com a segurança de maiores recompensas, na liberdade de pregar a verdade, dizendo: 'A todo o que me confessar diante dos homens, Eu também o confessarei diante de meu Pai que está nos céus" (Homiliae in Matthaeum, hom. 34, 3), e: "Esta é a conclusão do que precede: o que estiver firme nesta doutrina, deve ter a constância de confessar livremente a Deus" (Santo Hilário, In Matthaeum, 10), e também: "Esta confissão é aquela de que fala o Apóstolo: 'Se crê com o coração para a justiça e se confessa com a boca para a salvação" (Rm 10, 10). A fim, pois, de que ninguém tenha a idéia de que sem a confissão da boca pode um salvar-se, não somente disse: 'O que me confessar', mas acrescenta: 'Diante dos homens', e volta a insistir: 'E ao que me negar diante dos homens, também o negarei diante de meu Pai que está nos céus" (Remígio), e ainda: "Nestas palavras nos declara que da maneira que formos testemunhas de seu nome diante dos homens, dessa mesma maneira nos servirá seu testemunho diante de Deus Pai" (Santo Hilário, In Matthaeum, 10), e: "É preciso saber que até os pagãos não podem negar a existência de Deus; mas podem os infiéis negar que Deus seja Pai e Filho. Logo o Filho confessará alguém diante do Pai, porque pelo Filho terá entrada ao Pai e porque o Filho disse: 'Vinde benditos de meu Pai' (Mt 25, 34)" (Rábano), e também: "E negará ao que negar a Ele, porque não terá por Ele mesmo entrada para com o Pai e será afastado de sua presença, de sua divindade e da do Pai" (Remígio), e ainda:  "E não somente exige a confissão mental, mas também verbal, a fim de nos animar a uma firme pregação e a um maior amor, fazendo-nos superiores a nós mesmos. E não dirige somente aos Apóstolos essas palavras, mas a todos os homens em geral, porque, não só aos Apóstolos, mas também a seus discípulos lhes dá fortaleza. E o que observa isto agora, não só terá a graça de falar em público, mas que terá também a de convencer um grande número, porque pela obediência à sua palavra, tem feito de muitos homens apóstolos" (São João Crisóstomo, Homiliae in Matthaeum, hom. 34, 3), e: "Confessa a Jesus com aquela fé que vem do amor, todo o que observa seus mandamentos; e a nega, o que não obedece a seus preceitos" (Rábano).

São Cipriano escreve: "Portanto, quem não se há de esforçar por alcançar glória tão grande, por fazer-se amigo de Deus, por alegrar-se em breve com Cristo, por receber prêmios divinos após os tormentos e suplícios desta terra? Se para os soldados deste mundo é uma glória voltarem triunfantes à sua pátria depois de abaterem o inimigo, quanto maior glória e mais plausível não será, uma vez vencido o diabo, voltarmos triunfantes para o céu [...], levarmos para lá os troféus vitoriosos [...], sentarmo-nos ao lado de Deus quando vier julgar o mundo, sermos co-herdeiros com Cristo, equipararmo-nos aos anjos e desfrutarmos com os Patriarcas, com os Apóstolos e com os Profetas da posse do Reino dos Céus?", e: "Com estas palavras Jesus está a ensinar-nos que a confissão pública da fé n'Ele - com todas as suas consequências - é condição indispensável para a salvação eterna. Cristo receberá no céu, depois do Juízo, os que deram testemunho da sua fé, e condenará os que covardemente se envergonharam d'Ele (cfr Mt 7, 23; 25, 41; Ap 21, 8). Sob o nome de 'confessores' a Igreja honra os santos que, sem terem sofrido o martírio de sangue, com a sua vida deram testemunho da fé católica. Embora todo o cristão deva estar disposto para o martírio, a vocação cristã ordinária é a de ser confessores da fé" (Edições Theologica).

Em Mt 10, 33, Cristo Jesus condena o respeito humano.

Abraão, quando conduziu ao monte seu filho para o sacrificar a Deus, praticou um ato de heroísmo, talvez único na história.

Alguns têm dito que o seu grande merecimento foi a obediência com que ele aceitou, sem replicar, uma ordem duríssima.

Outros têm dito que foi a sua fé firme, pela qual ele creu que viria a ser pai de uma geração inumerável, enquanto com a sua mão paterna devia extinguir a vida do seu unigênito.

Mas o bispo São Zenon, embora reconhecendo a obediência e a fé de Abraão, disse que o seu merecimento maior foi a fortaleza com que se expôs aos ditérios de todos e aos motejos dos maus.

Todos se levantariam contra ele, chama-lo-iam de tigre com aparência de homem, de assassino com aparência de pai. Um pai que assiste à morte de seu filho sem uma lágrima, um pai que tem ele próprio a crueldade de enfiar a lâmina naquele coraçãozinho... e talvez o houvessem condenado, julgando fazer justiça diante de Deus.

Abraão, porém, caminhou direito, não escutando senão a palavra de Deus. E nisto está a sua grandeza: ter vencido todo respeito humano.

O respeito humano, eis o mal da nossa sociedade.   E é contra este mal que Jesus nos põe em guarda quando diz: "O Espírito Santo que eu enviarei do Pai dará testemunho de mim. Mas também vós deveis dar testemunho de mim em face dos homens, e corajosamente: porque haverá quem vos ridicularize, quem recuse a vossa companhia nas sinagogas; antes, virá tempo em que quem vos matar acreditará prestar honra a Deus. Estas coisas eu vos digo para que não tenhais de vos escandalizar".

E nós sabemos como são verdadeiras estas palavras. E talvez nós mesmos já tenhamos sentido o espinho do escárnio e das perseguições, e talvez também a coragem nos tenha faltado.

Para que assim não mais aconteça, consideremos como o respeito humano nos torna odiosos perante Deus e perante os homens.

 

1.  Torna-nos ignóbeis diante de Deus

 

O respeito humano é apostasia, e inutiliza toda graça divina. Uma das humilhações mais atrozes que Jesus padeceu na sua paixão foi, certamente, no pretório de Pôncio Pilatos, procurador da Judéia.

Todos o acusavam, e Jesus se calava. Pilatos tinha medo daquele silêncio de Jesus.

Todo ano, na festa de Páscoa, era costume libertar um prisioneiro, qualquer um que a multidão pedisse. Naquele ano havia no cárcere um revolucionário que também cometera um homicídio numa revolta: Barrabás.

Pilatos volveu-se para o povo e perguntou: "Quereis Jesus ou Barrabás?"

Então sobre toda a multidão passou o sopro instigador dos sacerdotes e dos anciãos.

Pilatos perguntou ainda: "Jesus ou Barrabás?" E todo o povo bradou: "Barrabás!"

Mas como! Jesus não era o mestre, o benfeitor, o taumaturgo, aquele que curava os doentes e enxugava o pranto dos aflitos?

Não importa.   Liberdade a Barrabás!

A mesma afronta, de modo mais velado, porém não menos verdadeiro, fazem a Deus aqueles que se deixam dominar pelos ditérios ou pelas ameaças dos maus. Esses preferem o mundo a Deus; os juízos do mundo aos juízos divinos.

O jovem que, na oficina, ouvindo palavras blasfemas ou feias, não tem a coragem de impor silêncio, e talvez finja consentir; aquele que come carne nos dias proibidos contanto que não suscite o escárnio dos companheiros de mesa; a mulher que relaxa os Sacramentos para não parecer uma beata, todos estes rejeitam a Deus e se volvem para o mundo; querem Barrabás e crucificam Cristo.

O respeito humano é, pois, uma apostasia: e não somente isto, mas é também um grave mal da alma, o qual inutiliza toda graça divina para a salvação.

Deus bem pode suscitar no coração disposições para uma vida mais cristã, pode sugerir propósitos de conversão: mas o homem possuído pelo respeito humano deixa abortarem as boas inspirações por medo do mundo.

Deus bem pode fazer-lhe ouvir uma prédica que o ilumine, que o convença; mas ele não tem a coragem de mostrar-se convencido.

Deus pode enviar-lhe também uma doença que o leve à extremidade da vida e o faça olhar no abismo da eternidade; mas depois, curado, ele ainda tem o mesmo fantasma diante de si: Que dirão? Que farão?

Até em artigo de morte há homens ainda vítima do respeito humano, os quais retardam o Viático e a Unção dos Enfermos por não quererem ser julgados moribundos.

E, por vergonha de viverem como cristãos, morrem como cães.

 

2.  Torna-nos ignóbeis diante dos homens

 

O respeito humano é uma vileza e uma escravidão. - Eusébio, o pai do grande Constantino, passou em revista as suas fileiras. Depois, parado no meio do campo, exclamou: "Quem de vós é cristão venha para a minha direita".

Todos sabiam o quanto Eusébio ainda era apegado à idolatria: e Eusébio também sabia que muitos dos seus soldados eram cristãos.

Com passo decidido, alguns corajosos puseram-se à direita: "Nós somos cristãos".

O imperador olhou-os com cenho feroz: "Somente vós?" Mas nenhum outro se moveu.

"Então", concluiu Eusébio, "vós formareis a minha legião de honra, e todos os outros cristãos sejam expulsos das minhas fileiras; porque, assim como hoje tiveram vergonha do seu Deus diante do imperador, amanhã em face do inimigo se envergonharão do seu imperador".

Não melhor do que esta é a recompensa do mundo para aqueles que se tornam seus escravos; o mundo escarnece os fortes por inveja, mas despreza os fracos pela sua vileza.    E ninguém se fia num homem que não tem a coragem das suas idéias.

Assim esses desgraçados perdem a Deus para correrem atrás do mundo, que tem nojo da sua vileza.

O respeito humano também é uma escravidão. O maior dom que Deus fez ao homem, em o criando, foi a liberdade. Até mesmo renega-a o homem dominado pelo respeito humano.

Que há de mais vergonhoso do que regular-se segundo o capricho alheio?

Dentro há uma idéia, uma convicção, uma fé... e sufoca-se esta por temor de poder desagradar a alguém. E assim, a pessoa torna-se o caniço que se verga a todo choque, e a bandeirola que gira no telhado: um dia se é cristão e outro dia pagão, conforme o vento sopra.

Ó cristãos, conservemos essa dignidade que Deus nos deu, criando-nos homens. Sejamos orgulhosos da inteira e reta liberdade que Cristo nos adquiriu com seu sangue, e então, mesmo a contragosto seu, o mundo será forçado a respeitar-nos. Um dia Deus se arrependeu de haver criado o homem, e Noé já fabricava a rústica nau. Por longos anos o patriarca manejou os martelos e suou para unir as tábuas aplainadas.

E São João Crisóstomo descreve os escárnios lançados pelos homens corrompidos contra o piedoso Noé.

"Ó velho caduco! Ó falso profeta: não vês como o céu está limpo, e tu ameaças com dilúvio?" E Noé maneja o martelo sem pausa. E aqueles: "Todos gostam de gozar ar livre e céu espaçoso, e este quer fazer uma caixa de madeira para se fechar nela vivo com sua família e com os animais e com os trastes". E Noé acabou a arca e entrou nela. E a gente a correr em volta com berros, com assovios e com ferozes despeitos.

Mas, ao cabo de sete dias, as cataratas do céu se abriram com fragor imenso: todas as fontes rebentaram, todos os rios transbordaram, e as ondas do mar inundaram a terra. Todos pereceram no dilúvio universal: mas a arca boiava sobre as águas esverdeadas, e Noé louvava, o Senhor.      

A nossa vida neste mundo, para nós, é como a construção da arca por Noé.        Toda obra boa é motivo de escárnio e de perseguição para os inimigos de Deus. Não cedamos, não nos envergonhemos do Evangelho.

Quando o respeito humano estiver para nos tornar covardes, lembremo-nos das palavras que Cristo nos dirá no dia do juízo: "Por te haveres envergonhado de mim diante dos homens, eu também me envergonharei de ti diante de meu Pai".

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 16 de junho de 2008

 

 

 

Este texto não pode ser reproduzido sob nenhuma forma; por fotocópia ou outro meio qualquer sem autorização por escrito do autor Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Depois de autorizado, é preciso citar:

Pe. Divino Antônio Lopes FP. "Não tenhais medo deles"

www.filhosdapaixao.org.br/escritos/comentarios/escrituras/escritura_0154.htm