UM FILHO NOS FOI DADO

(Is 9, 5)

 

“Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado”.

 

 

Ó Menino Jesus, por que Te abandonar para buscar consolo nas criaturas? Se possuímos o Coração do Deus Eterno, não tem sentido se apegar num coração passageiro que hoje pulsa e amanhã já está parado.

Ó Divino Infante, somente o Seu Santíssimo Coração nos fará feliz; n’Ele está a verdadeira segurança e felicidade.

Nossa verdadeira sociedade e nosso delicioso retiro: o Coração adorável de Jesus onde viveremos ao abrigo de todas as tempestades. Todas as mais amargas amarguras não são mais que doçura neste adorável Coração, onde tudo se muda em amor.

O coração do homem é espinho... doloroso espinho; enquanto que o Coração de Nosso Senhor é consolo para as almas.

O Coração do Senhor é repouso, retiro e força nas fraquezas.

Como todas as coisas só têm repouso em seu centro... nosso coração está todo lançado neste centro que é o Coração humilde de Nosso Senhor.

Se possuímos o Coração do Menino Deus, por que mendigar e se arrastar atrás do coração falso e limitado das criaturas? Vivamos no Coração de Jesus e jamais seremos traídos.

Aproximemos decididamente do Coração do Divino Infante; nesse Oceano de Amor encontraremos a paz e a alegria que o mundo não pode dar.

Ó Menino Jesus, quão belo e agradável é habitar em Vosso Coração! É ele a pérola preciosa... rico tesouro. Quanto a mim, achei Vosso Coração... ó Jesus benigníssimo, Coração de rei, Coração de Irmão.

Desde o seu nascimento, Jesus entrega-nos o seu Sagrado Coração com toda a plenitude de que é capaz: “... um menino nos nasceu, um filho nos foi dado” (Is 9, 5).

A profecia ultrapassa imensamente a perspectiva de um novo Davi enviado por Deus para libertar seu povo, e se projeta em Belém, a iluminar o nascimento, não de um rei poderoso, mas do “Deus Onipotente” feito homem; é Ele “o pequenino” nascido para nós, o “Filho” que nos foi dado.

Por que essa linguagem, senão para nos advertir que o Verbo Encarnado não se contenta de se mostrar, mas que nasceu para nós e que se fez um dos nossos, a fim de melhor trabalhar para a nossa felicidade? E desejando mostrar-nos o preço e a imensidade desse benefício, o profeta acrescenta: “Esse Menino é o admirável, o conselheiro, o Deus forte, o pai do século futuro e o príncipe da paz”. Ó prodígio de bondade! O grande Deus, o Soberano por excelência digna-se abaixar-se até nós, vermes terrenos e indignos pecadores! Digna-se amar-nos, torna-se nosso bem, nosso tesouro, nossa propriedade! Ó caridade sem limites! — Os santos extasiavam-se diante de uma flor, de uma árvore, de uma fonte, benefícios materiais da liberalidade do Criador. E nós permaneceremos indiferentes à consideração do próprio Criador, que por nós se tornou a flor de Jessé, a árvore da vida, o manancial inesgotável das graças da salvação?

Deus criou tudo para o homem e quer que este o ame em agradecimento por tantos dons. Santo Agostinho exclamava:

“O céu e a terra e todas as coisas me dizem que eu devo amar-vos. Senhor meu, todas as coisas que vejo na terra e acima da terra me falam e me exortam a vos amar. Todas me dizem que as fizestes por meu amor”.

O abade Rancé, fundador da Trapa, ficava olhando de sua ermida as colinas, as fontes, as aves, as flores, as plantas e o céu; sentia-se inflamado por Deus em cada uma destas criaturas feitas pelo seu amor.

Santa Maria Madalena de Pazzi inflamava-se no amor de Deus quando tinha nas mãos uma bonita flor:

“Meu Senhor pensou em criar esta flor, desde toda a eternidade, por meu amor”. Essa flor tornava-se em suas mãos como uma flecha de amor que a feria e unia sua pessoa mais intimamente a Deus.

Olhando as árvores, as fontes, os regatos, lagos e campos, dizia Santa Teresa: “Todas estas belas criaturas me lembram a minha ingratidão por amar tão pouco o Criador. Criou-as para ser amado por mim”. Conta-se que um eremita, caminhando pelo campo, sentia que as plantas e as flores como que reprovavam sua ingratidão para com Deus. Tocando-as com a bengala, dizia-lhes:

“Calem-se, calem-se. Vocês me chamam de ingrato; dizem-me que Deus as criou por meu amor e eu não o amo. Já entendo. Calem-se, calem-se! Não me reprovem mais”.

E com que ternura comunica-se Ele a todos os homens, justos ou pecadores! Já no estábulo de Belém Ele se faz tudo para todos e se dedica a curar todos os nossos males.

Santo Ambrósio escreve: “Estais feridos? Ele é o vosso médico, o vosso remédio. Sofreis a febre das paixões impuras? Ele é a água viva que purifica e refresca. Qualquer que seja a pena que vos aflige, Ele está pronto a aliviá-la. Qualquer que seja o mal que vos oprime, ele pode e quer curar-vos”. Ide, pois, a Ele, que se colocou à disposição de todos. Jesus chega até a dar-se inteiramente a cada um de nós.

À semelhança do sol que desponta no horizonte, Jesus, desde o seu nascimento, prodigaliza sua luz e seus favores a cada homem com a mesma generosidade como a todo o universo: “Ele me amou e entregou-se por mim” (Gl 2, 20). Cada um de nós pode usar a mesma linguagem e exclamar: “Sim, Jesus, divino infante, vós me pertenceis a mim, como se eu fosse a única criatura sobre a terra; posso tomar-vos em meus braços e apertar-vos contra o coração, penetrar até, pela fé, em vosso Sagrado Coração como em propriedade minha e de lá haurir, pela oração, a força em meus combates, a paz em minhas tribulações, a consolação em minhas tristezas e a coragem de vencer-me para ser fiel ao vosso amor”.

Havendo o Verbo encarnado entregado a nós o Seu Coração desde o seu aparecimento neste mundo, tem todo o direito de exigir o nosso desde o primeiro uso da nossa razão. Ele deseja as primícias da nossa vida, porque para si é que nos criou e quer que todos os instantes da nossa existência lhe pertençam e lhe sejam inteiramente consagrados. Clamorosa injustiça seria a nossa, se lhe roubássemos os melhores anos e só lhe reservássemos os restos de uma vida manchada de pecados. — Talvez vos iludais pensando que mais tarde praticareis melhor a penitência, o recolhimento, a oração, o espírito de fé e caridade: “O que podeis fazer já, fazei-o depressa” (Ecl 9, 10), porque não sabeis se vereis o fim do dia que começa, ou, até, da hora seguinte.

Infeliz do católico que oferece o suco de limão para o demônio e o mundo, e dá o bagaço para Deus; que entrega a carne para os inimigos de sua alma imortal, e oferece os ossos para o seu Criador.

Não nos poupemos, mas consumamo-nos por Deus. Não deixemos para depois o bem que podemos realizar hoje. Aquele que ama a Nosso Senhor não deixa para depois... o amor não desiste perante o impossível, não desanima diante das dificuldades.

Desapeguemos te tudo e de todos e trabalhemos para o Senhor do Universo, porque a vida é curta e a morte não manda recado.

Hoje Deus te chama a fazer o bem, faze-o hoje mesmo, porque amanhã talvez já não terás tempo ou Deus não te chamará.

O Menino Jesus nada se reservou do dom que vos fez da sua pessoa e do Seu Coração divino. Com que direito ireis vós dividir-vos entre muitos, vós que já lhe pertenceis pelos títulos de criação, redenção e conquista?

Medi, se puderdes, as distâncias que Ele teve de transpor para chegar até vós. Aniquilou-se, fez-se pobre e escravo, tomou sobre si as vossas misérias, os vossos pecados, e satisfez por eles em vosso lugar. Orígenes pergunta: “Havendo-se um Deus sacrificado inteiramente para a felicidade do homem, seria acaso demais se o homem se consagrasse totalmente ao serviço de Deus?” Entregando-se a nós tão generosamente, o divino Infante manifesta a sua intenção de nunca se retrair, mas de continuar a dar-se a nós sem reserva. E, de fato, Ele se deixa enfaixar, circuncidar, colocar num presépio de animais, para nos dar a entender que um dia será nosso prisioneiro, nossa vítima e alimento, e isso até à consumação dos séculos. Ó munificência do Coração de Jesus! Ó constância invencível de Seu amor para conosco!

“... um menino nos nasceu, um filho nos foi dado” (Is 9, 6).

Nasceu, não uma criatura pecadora e limitada, mas sim, Deus Eterno e Todo-Poderoso.

A Virgem acolheu em seu seio o Verbo divino, o qual, desde a eternidade, coexistia com Deus. Fez-se grandioso templo da Divindade, ela, morada humilde e humana. Aquele que não podia ser contido na pequenez do corpo humano, ei-lo na estreiteza do ventre virginal.

“... um menino nos nasceu, um filho nos foi dado” (Is 9, 6).

Se o Deus Infinito habita em nossa alma imortal; por que nos distrairmos olhando para aquilo que passa? Ele nasceu para nós, portanto, não percamos tempo com o finito e não coloquemos o nosso coração no que passa.

Não tenhas presentes em ti as criaturas se queres guardar  em tua alma a imagem clara e simples de Deus; mas esvazia e afasta delas o espírito, pois Deus não lhes é semelhante, e andarás na luz divina.

“... um menino nos nasceu, um filho nos foi dado” (Is 9, 6).

Não se pode trancar o coração para o Menino Deus; pelo contrário, é preciso escancará-lo para a Luz e não deixar que as trevas entre nele: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz. Sobre aqueles que habitavam na região tenebrosa resplandeceu uma luz... Porque um Menino nasceu para nós, um Filho nos foi dado. A soberania repousa sobre seus ombros, e ele se chama: ‘Conselheiro admirável, Deus forte, Pai perpétuo, príncipe da paz” (Is 9, 1.5).

“... um menino nos nasceu, um filho nos foi dado” (Is 9, 6).

O que encontraremos longe do Divino Infante? Por que tratá-lO com tanta ingratidão? Será que as criaturas darão a paz que a nossa alma imortal tanto deseja? Será que encontraremos no mundo um coração fiel?

Quão triste é viver longe de Nosso Senhor.

Quando Jesus está presente, tudo é bom e nada parece dificultoso; mas quando Jesus se retira, tudo enfada e cansa.

Quão seco e duro é sem Jesus!

Não seria isto maior perda do que se perdesse todo o mundo?

Que te pode dar o mundo sem Jesus?

Quem acha a Jesus acha um tesouro precioso, ou antes, um bem acima de todo o bem.

Paupérrimo é o que vive sem Jesus, e riquíssimo o que está bem com Jesus.

 

Querido Menino Jesus, guarde-nos em Seu Santíssimo Coração; somente nesse Oceano de amor e paz encontraremos sossego e alegria.

Doce Menino, a nossa alma é imortal, e aquilo que passa não pode satisfazê-la; por isso, dai-nos força e coragem para desapegarmos do finito para bebermos do Infinito.

Bendito Menino, queremos ser prisioneiros do Seu Amável Coração; nessa Santíssima Prisão o inimigo não nos vencerá.

Querido Menino, afaste de nós tudo aquilo que possa  nos separar de Vós.

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 12 de dezembro de 2008

 

 

Bibliografia

 

Bíblia Sagrada

São Pedro Crisólogo, Sermão de Natal

Santa Margarida Maria Alacoque, Doutrina e Espiritualidade

Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina

São João da Cruz, Obras Completas

Tomás de Kempis, Imitação de Cristo

Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a morte

Pe. Luis Bronchain, Meditações para todos os dias do ano

São Pedro Crisólogo, Sermões

São Boaventura, A videira Mística 3, 3-4; Op. Mist., 267-268

Santo Afonso Maria de Ligório, A Prática do amor a Jesus Cristo

 

 

 

 

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