TENTADO PELO DIABO

(Mt 4, 1-11)

 

1 Então Jesus foi levado pelo Espírito para o deserto, para ser tentado pelo diabo. 2 Por quarenta dias e quarenta noites esteve jejuando. Depois teve fome. 3 Então, aproximando-se o tentador, disse-lhe: ‘Se és filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães’. 4 Mas Jesus respondeu: ‘Está escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus’. 5 Então o diabo o levou à Cidade Santa e o colocou sobre o pináculo do Templo 6 e disse-lhe. Se és Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito, e eles te tomarão pelas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra’. 7 Respondeu-lhe Jesus: ‘Também está escrito: Não tentarás ao Senhor teu Deus’. 8 Tornou o diabo a levá-lo, agora para um monte muito alto. E mostrou-lhe todos os reinos do mundo com o seu esplendor  9 e disse-lhe: ‘Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares’. 10 Aí Jesus lhe disse: ‘Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele prestarás culto’. 11 Com isso, o diabo o deixou. E os anjos de Deus se aproximaram e puseram-se a servi-lo”.

 

 

 

Em Mt 4, 1 diz: “Então Jesus foi levado pelo Espírito para o deserto, para ser tentado pelo  diabo”.

 

Nosso Salvador, imediatamente depois de ter sido batizado, foi impelido, isto é, levado pelo Espírito Santo para o deserto, como está em São Marcos 1,12: “E logo o Espírito o levou para o deserto”. Este deserto era um lugar muito árido, seco, na área do chamado deserto da Judéia. Das margens do Rio Jordão, onde fora batizado, caminhou Jesus Cristo uns oito quilômetros, até esta área do deserto; ele ficou na região mais alta do deserto, com muita probabilidade no que hoje se chama o monte da Quarentena, de 323 metros de altura, a uns 4 quilômetros da moderna Jericó.

O deserto para onde Jesus Cristo foi levado era muito seco, possuía muitas pedras e era cheio de profundos regos.

Em São Marcos 1,13 diz que Jesus “vivia entre as feras”, indicando a sua extrema solidão. Estes animais viviam naquele lugar desabitado e eram sobretudo chacais, isto é, mamíferos ferozes; viviam também ali, raposas, águias e outras aves de rapina.

São Mateus especifica que Jesus foi ao deserto para ser tentado pelo diabo. Está claro que Ele não foi ali para passar férias ou descansar; São João Crisóstomo escreve: “Como o Senhor fazia todas as coisas para nos ensinar, quis também ser conduzido ao deserto e ali travar combate com o demônio, a fim de que os batizados, se depois do batismo sofrem maiores tentações, não se assustem com isso, como se fossem algo inesperado”, e: “Depois que Jesus foi batizado por São João com água, foi levado pelo Espírito ao deserto, para que ali fosse batizado com o fogo da tentação. Donde se diz que Jesus foi levado ao deserto pelo Espírito. Foi então quando o Pai clamou desde o céu: Este é meu filho muito amado” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom. 5), e também: “Alguns perguntam por qual espírito foi levado Jesus ao deserto... o diabo o levou à cidade santa. Porém, verdadeiramente e sem vacilo algum se entende por todos e se acredita que foi levado pelo Espírito Santo... onde o espírito maligno havia de tentá-lo” (São Gregório Magno, Homilia in Evangelia, 16, 1), e ainda: “Foi levado, não obrigado nem preso, mas pelo desejo de combater” (São Jerônimo), e: “O diabo se aproxima dos homens para tentá-los, mas como o demônio não podia ir ao encontro do Senhor, Este foi ao seu encontro. Por isso se diz: foi para o deserto” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaem, Hom. 5), e também: “Quanto maior é a solidão, mais tenta o diabo. Por isso tentou a primeira mulher quando esteve só, sem seu marido. Donde se deu ocasião ao demônio que tentasse. Por isso foi conduzido ao deserto” (São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeum, Hom. 13, 1), e ainda: “Este deserto está entre Jerusalém e Jericó, onde habitavam os ladrões, cujo lugar se chama Dammaín, isto é, do sangue, pelo derramamento de sangue que com tanta freqüência ali acontecia por parte dos ladrões. É aí onde aquele homem que vinha de Jerusalém a Jericó, se diz que caiu em poder dos ladrões, representando a Adão, que havia caído em poder dos demônios. Era conveniente, pois, que Cristo vencesse ao demônio, no lugar em que o demônio venceu ao primeiro homem, sob a figura da serpente” (A Glosa).

Jesus Cristo foi tentado porque assim o quis, por amor a nós e para a nossa instrução.

Jesus quis ensinar-nos, ao permitir ser tentado, como devemos lutar e vencer nas nossas tentações, isto é, confiando em Deus, rezando, e com a fortaleza. Em Hebreus 2, 18 diz: “Pois,  tendo ele mesmo  sofrido pela tentação, é capaz de  socorrer os que são tentados”.

Por outro lado, estas tentações de Jesus no deserto, têm uma significação muito profunda na História da salvação. Todos os personagens mais importantes da História Sagrada foram tentados e provados: Adão e Eva, Abraão, Moisés, o próprio povo  eleito; e assim também Jesus Cristo. Ele ao rejeitar as tentações diabólicas, reparava as quedas dos homens antes e depois d’Ele; preludia  as futuras tentações de cada um de nós e as lutas da Igreja Católica contra as tentações do poder diabólico.

 

Em Mt 4, 2 diz: “Por  quarenta dias e quarenta noites esteve jejuando. Depois teve fome”.

 

Jesus Cristo, depois de ter jejuado durante quarenta dias e quarenta noites, teve fome, como qualquer homem nas mesmas circunstâncias. Antes de começar a Sua obra messiânica e, portanto, de promulgar a Nova Lei ou Novo Testamento, Jesus, o Messias, prepara-se com a oração e o jejum no deserto, está claro que não foi com bebedeira, glutonaria e com barulho que Ele se preparou.

Moisés fez o mesmo antes de promulgar, em nome de Deus, a antiga Lei do Sinai. No livro do Êxodo 34, 28 diz: “Moisés esteve ali com Deus quarenta dias e quarenta noites, sem comer pão nem beber água. Ele escreveu nas tábuas as palavras da aliança”. Também Elias caminhou quarenta dias no deserto para levar até o fim a sua missão de fazer renovar o cumprimento da Lei; em 1 Reis 19, 8  diz:   “Levantou-se, comeu e bebeu e, depois, sustentado por aquela comida, caminhou quarenta dias e quarenta noites até a montanha de Deus, o  Horeb”.

A Igreja Católica segue as pegadas de Cristo Jesus ao estabelecer anualmente o tempo do jejum quaresmal. Com este espírito de piedade devemos viver cada ano o tempo da Quaresma. Infelizmente, a maioria dos católicos vive a quaresma como pagãos: com bailes, bebedeiras, carnaval temporão, barulho, etc. O Papa João Paulo II escreve: “Pode-se dizer que Cristo introduziu a tradição do jejum de quarenta dias no ano litúrgico da Igreja, porque ele mesmo ‘jejuou 40 dias e 40 noites’ antes de começar a ensinar. Com este jejum quaresmal, a Igreja em certo sentido, é chamada cada ano a seguir o seu Mestre e Senhor se quer pregar eficazmente o Seu Evangelho”. Será que os católicos estão seguindo o Mestre Jesus ou o mundo inimigo das almas? Dê uma olhada à sua volta e verá.

Do mesmo modo o retiro de Jesus no deserto convida-nos a prepararmo-nos com a oração e a penitência, antes de empreendermos qualquer atividade ou decisão importante na nossa vida. Antes de tomarmos uma decisão, precisamos rezar e fazer penitência. Seria agradável a Deus e um bem imenso para a alma, se jejuássemos ao menos uma vez por mês a pão e água; quem for generoso, faça mais de uma vez por mês e não se arrependerá no dia do Juízo.

Quarenta dias e quarenta noites passou Jesus no deserto, sem tomar alimento algum. Em São Lucas 4, 2 diz: “Nada comeu nesses dias...”, neste longo período, Jesus viveu unido a Seu Pai, ao Pai Eterno.

Jesus jejuou quarenta dias e quarenta noites. Hoje existem milhões de católicos que não são capazes de renunciar, sequer, um pouco de alimento por amor a Deus e pelo bem de sua alma. Muitos sentem nojo só em ouvir falar em renúncia e penitência. 

Para milhões de católicos, a quaresma só existe no calendário, porque na prática é zero.

São João Maria Vianney escreve: “... (Jesus) diz-nos que se não fizermos penitência todos pereceremos. Tudo se compreende facilmente. Desde que o homem pecou, todos os seus sentidos se rebelaram contra a razão; por conseguinte, se quisermos que a carne esteja submetida ao espírito e à razão, é necessário mortificá-la; se quisermos que o corpo não faça guerra à alma, é preciso castigá-lo e a todos os seus sentidos; se quisermos ir a Deus, é necessário mortificar a alma com todas as suas potências”.

 

Em Mt 4, 3-4 diz: “Então, aproximando-se o tentador, disse-lhe: “Se és o  Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães”. Mas Jesus respondeu: “Está escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”.

 

Depois destes quarenta dias e quarenta noites de jejum, em que a natureza humana de Jesus se encontra debilitada, isto é, enfraquecida; aproximou-se o Tentador, isto é, o atrevido diabo, para lhe armar a primeira armadilha. O evangelho mostra-nos o príncipe dos demônios aproximando-se de Nosso Senhor de modo insidioso, falso, provavelmente com forma humana. Ele diz a Nosso Senhor: “Se és o Filho de Deus manda que estas pedras se transformem em pães” (Mt 4, 3).

É lógico que Jesus estava com muita fome. Embora pudesse fazer esse milagre, transformar pedras em pães, prefere continuar a confiar no Pai e não realizá-lo, porque não entra no seu plano de salvação.

A proposta do demônio nesta tentação, não tinha razão de ser dentro do plano de redenção, já que iria em benefício exclusivo de Jesus Cristo, que era matar a sua fome. Com a sua intenção, o diabo parece querer certificar-se sobre se Jesus Cristo é verdadeiramente “Filho de Deus”, pois, embora seja verdade que se mostra informado acerca da voz do céu no batismo, o diabo vê um contra-senso, um absurdo, um disparate, em que Jesus seja Filho de Deus, e por outro lado, sinta fome.

Com a Sua posição perante a tentação, Jesus Cristo vem ensinar-nos que as nossas petições a Deus não devem ser em primeiro lugar acerca das coisas que se podem conseguir com o esforço pessoal, nem que vão exclusivamente em benefício próprio; mas antes, acerca das que vão encaminhados para a santidade.

O diabo disse a Jesus Cristo: “...manda que estas pedras se transformem em pães”.

O pão! Alimento do corpo; a vida sensual em todas as suas manifestações, eis onde o demônio tenta afogar a alma.

Lance um olhar sobre o mundo! Quanta gente corre, agita, sua, sofre... Somente atrás de interesses materiais: pelo pão, para ganhar dinheiro, para conseguir bens, para gozar dos prazeres, etc. Até parece que o corpo é o imortal, e não a alma. Quanta loucura! Quanta cegueira!

Milhões de católicos profanam os domingos e os dias Santos de guarda: pelo pão, exatamente, pelo pão. Trabalham aos domingos e dias santos de guarda, somente atrás do pão, somente com a intenção de saciar o corpo, e não se preocupam com a própria alma. Muitos, por causa do dinheiro, atropelam e pisam na justiça, ficam cegos e desorientados; outros brigam com ódio pelos bens materiais. Quantas guerras nas famílias por causa de uma herança... Cometem até assassinatos. Outros transgridem qualquer lei para gozar dos prazeres, até parecem cavalos selvagens.     Quanta loucura!

Hoje, infelizmente, milhões de pessoas consentem nesta tentação, esquecem da salvação da própria alma para correrem desesperadamente atrás dos bens materiais; não reservam nenhum horário para a leitura espiritual, porque estão preocupadas somente em satisfazer todos os prazeres do corpo; eis onde milhões colocam os seus desejos. Santo Ambrósio escreve: “Não era esta a fome que atormentava Jesus; era sim a fome das almas”.

Por isso, Jesus Cristo respondeu ao demônio: “Está escrito: Não só de Pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4, 4).

A resposta de Jesus é um ato de confiança na providência de Deus. Quem o levou para o deserto, como preparação da sua obra messiânica, ocupar-Se-á de que Jesus não desfaleça. A resposta fica sublinhada, pelo fato da resposta de Jesus ser uma evocação de Dt 8, 3, onde se recorda aos filhos de Israel, como Deus os alimentou miraculosamente com o  maná do deserto. Assim, pois, Jesus, em contraste com o antigo Israel, que se impacientou perante a fome no deserto, entrega confiadamente o Seu cuidado à providência do Pai. As palavras de Dt 8, 3 que Jesus pronuncia, associam as imagens de pão e palavra como saídas ambas da  boca de Deus: Deus fala e faz surgir o alimento do maná.

Lembre-se de que não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. Está claro que possuímos uma alma imortal, e é preciso trabalhar fervorosamente para salvá-la, como escreve São Pedro Julião Eymard: “Preciso salvar a minha alma, isto é, ganhar o céu, evitar a eternidade do inferno. Não há meio-termo. Salvar a minha alma é o fim da minha vida”. Infelizmente, milhões de pessoas andam esquecidas da salvação da própria alma, como escreve Santo Afonso Maria de Ligório: “O negócio da eterna salvação é, sem dúvida, o mais importante, e, contudo, é aquele de que os cristãos mais se esquecem”.

Você se preocupa com a salvação de sua alma ou você é um toco?

Pare com tanta correria atrás do material! Pense mais na salvação de sua alma imortal, como fala Nosso Senhor Jesus Cristo: “Com efeito, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e arruinar a sua vida?” (Mc 8, 36).

                

Em Mt 4, 5-7 diz: “Então o diabo o levou à Cidade Santa e o colocou sobre o pináculo do Templo e disse-lhe! ‘Se és o Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: Ele dará ordem aos  seus anjos a teu respeito, e eles te tomarão pelas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra’.  Respondeu-lhe Jesus: ‘Também está escrito: Não tentarás ao Senhor teu Deus”.

                

Rábano escreve: “Se chama santa a cidade de Jerusalém, porque se encontrava nela o templo, o Sancta Sanctorum e o culto do verdadeiro Deus, estabelecido por Moisés”, e: “Para que se conheça que o diabo tenta os homens ainda que em lugares mais santos” (Remígio), e também: “O diabo sempre eleva às alturas por meio da jactância, para se precipitar melhor” (A Glosa), e ainda: “Mas, como podia conhecer nesta ocasião se era Filho de Deus ou não? Voar pelos ares não é propriamente obra de Deus, porque a nada conduz” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom. 5), e: “Perturbando os esforços do diabo, Jesus se manifesta como Deus e como homem” (Santo Hilário, in Matthaeum, 3), e também: “Não lhe disse: ‘Não me tentarás, pois sou teu Deus e teu Senhor’, mas sim: ‘Não tentarás ao Senhor teu Deus’, o mesmo que poderá dizer todo homem de Deus tentado pelo demônio, porque o que tenta o homem de Deus, tenta ao mesmo Deus” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom. 5), e ainda: “A sã doutrina ensina que quando o homem tenha algo que fazer, não deve tentar ao Senhor seu Deus” (Santo Agostinho, contra Faustum, 22, 36), e:  “Tenta a Deus quem faz algo pondo-se em perigo sem motivo (Teodoto).

Na primeira tentação, Jesus Cristo mostrou um total abandono em Deus. Agora, o demônio quer induzi-Lo a uma confiança presunçosa, cheia de vaidade. No versículo 5 diz que o diabo leva Jesus consigo à Cidade Santa. Não quer dizer que o diabo o obrigasse a segui-lo com violência, nem que Cristo o acompanhasse amigavelmente. Orígenes escreve: “Jesus seguia o diabo como um atleta que voluntariamente caminha para a luta”, e o Pe. Francisco Fernandes Carvajal também escreve: “É mais provável que seja somente uma representação de tipo imaginativo, sem que Jesus o acompanhasse ‘fisicamente”, e São Gregório Magno diz ainda: “...quem considere como  permitiu Nosso Senhor ser tratado na Sua Paixão, não estranhará que permitisse também ao demônio comportar-se com Ele dessa  maneira”.

A Cidade Santa era Jerusalém, centro judaico. O pináculo parece referir-se a algum dos ângulos dos pórticos do Templo que se levantavam sobre a torrente Cedron, a 180 metros de altura sobre o fundo da torrente. De uma destas alturas, segundo a tradição, foi precipitado São Tiago, o Menor.

No versículo 6, o diabo diz a Jesus Cristo:  “Se és o Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito, e eles te tomarão pelas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra”.

Santo Agostinho escreve: “As heresias nasceram por se entenderem mal as escrituras, que são boas”. O católico deve estar alerta perante falsas argumentações que pretendem basear-se na Sagrada Escritura. Como estamos vendo neste trecho do Evangelho, o demônio apresenta-se algumas vezes como “exegeta” da Bíblia, interpretando-a como lhe convém. Ele é realmente um exegeta ridículo e enganador. Por isso, qualquer interpretação que não esteja de acordo com a doutrina contida na Tradição da Igreja deve ser rejeitada. Normalmente o erro da heresia consiste em fixar-se nuns passos da Escritura com exclusão de outros, interpretando-os a seu bel-prazer, perdendo de vista a unidade da Escritura e a totalidade da fé.

Lembre-se de que o demônio é atrevido, a ponto de citar a Sagrada Escritura.

Essa tentação era aparentemente capciosa, astuciosa: se Jesus recusasse pular da altura, demonstraria que não confiava em Deus plenamente; se aceitasse pular, obrigaria Deus a enviar em proveito pessoal os seus anjos para salvá-lo.

Jesus Cristo nega-se a fazer milagres inúteis por vaidade ou por vanglória, Ele não é exibicionista, como muitos de hoje, que fingem fazer curas, mas que tudo não passa de falsidade, porque os hospitais continuam cheios de enfermos.

Devemos estar atentos para saber rejeitar tentações semelhantes, como por exemplo: o desejo de montar em benefício próprio falsas argumentações que pretendem fundar-se na Sagrada Escritura e a atitude de quem pede (e até exige) provas ou sinais extraordinários para crer. Essas pessoas se esquecem de que Deus nos dá no meio da nossa vida cotidiana, graças e testemunhas suficientes, para iluminarem o caminho da fé.

O demônio disse a Jesus: “Lança-te daqui para baixo!” O maligno, isto é, Satanás, repete a todo homem que peca as mesmas palavras: Tu estás no alto, ó homem, sobre os méritos, sobre a graça, próximo de Deus... lança-te  daqui abaixo, no inferno onde eu estou a atormentar-me, assim diz Satanás. E infelizmente, milhares de pessoas aceitam o convite dessa serpente infernal e se perdem eternamente; mergulham no mar de fogo do inferno, onde serão atormentadas para sempre.

No versículo 7, Jesus Cristo responde a Satanás:  “Também está escrito: Não tentarás ao Senhor  teu Deus”.

A resposta de Jesus perante esta segunda tentação é de novo uma rejeição radical, porque aceitá-la seria tentar a Deus. Para isso, Nosso Senhor emprega uma frase do livro do Deuteronômio 6, 16: “Não tentarás o Senhor teu Deus”,  referindo com ela o que está em Êxodo 17, 2, em que os Israelitas, ao faltar-lhes a água, exigem a Moisés um milagre e ele lhes responde: “Por que tentais a Deus?”

Tentar a Deus é completamente diverso de confiar n’Ele; é expor-se vaidosamente a um perigo desnecessário, contando sem motivo com uma ajuda extraordinária de Deus. Tentar a Deus, é também pedir-lhe provas por causa da incredulidade e arrogância humanas.

O primeiro ensinamento desta cena evangélica é que, se alguma vez ocorresse ao homem pedir ou quase exigir de Deus provas ou sinais extraordinários, isso seria uma clara tentação a Deus.

Você tem o costume de tentar a Deus? De se expor a perigos, e pedir que Deus o proteja? Deixe de estupidez, seja uma pessoa normal; Deus não é obrigado ajudar uma pessoa caprichosa.

 

Em Mt 4, 8-10 diz: “Tornou o diabo a levá-lo, agora para um monte muito alto. E mostrou-lhe todos os reinos do mundo com o seu esplendor e disse-lhe: ‘Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares’. Aí Jesus lhe disse: ‘Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás e só  a ele prestarás culto”.

 

Nesta última tentação, o demônio oferece a Jesus toda a glória e poder terreno que um homem pode ambicionar e cobiçar. 

O demônio promete sempre mais do que pode dar, ele é enganador, a felicidade está muito longe das suas mãos. Toda a tentação é sempre um logro, um engano miserável. Mas, para nos experimentar, o demônio conta com a nossa ambição. E a pior ambição é desejar a todo o custo a glória pessoal: a ânsia de nos procurarmos a nós mesmos nas coisas que fazemos e projetamos. Muitas vezes, o pior dos ídolos é o nosso próprio eu. Temos que vigiar, em luta constante, porque dentro de nós permanece a tendência de desejar a glória humana, apesar de termos dito ao Senhor Jesus repetidamente que não queremos outra glória que não a d’Ele.

Antes de cometer o pecado, a pessoa vê no fruto proibido a verdadeira felicidade; mas é tudo um engano. E a ingênua alma do homem, por detrás da lisonja de ser rainha, é feita escrava de Satanás: “Adora-me, comete esse pecado”, diz o demônio, “... e serás um rei”. Puro engano! Puro engano! Infeliz daquele que escorrega na saliva de Satanás; esse viverá na mais fria ilusão.

No versículo 10 Jesus diz ao demônio: “Vai-te, Satanás, por que está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele prestarás culto”.

Num segundo, Jesus enxotou o demônio; porém quarenta dias, na solidão, Jesus gastou em mortificar a sua carne. Grande ensinamento! Quando se sabe dominar os próprios instintos, o demônio não passa de um covarde que foge à primeira jaculatória ou de um pouco de água benta, como escreve Santa Teresa de Jesus: “De nenhuma coisa fogem tanto os demônios para não voltar, como da água benta”.

Jesus respondeu energicamente a Satanás: “Vai-te, Satanás”. Faça você também o mesmo, não dialogue com a serpente infernal, porque acabará caindo. Faça o sinal da cruz, chame por Jesus e grite com o coração: “Eu adoro a Deus! Só n’Ele e na sua vontade está a minha paz. Retira-te, Satanás!”

São Josemaria Escrivá diz: “Aprendamos desta atitude de Jesus: durante a Sua vida na Terra, não quis sequer a glória que Lhe pertencia, pois tendo direito a ser tratado como Deus, assumiu a forma de servo, de escravo. O cristão sabe, portanto, que toda a glória é para Deus e que não pode servir-se da sublimidade e grandeza do Evangelho como instrumento de interesses e de  ambições humanas”. Você enxota a Satanás ou gosta de conversar com ele? Cuidado! Ele te seduzirá com as suas falsas promessas e a ruína será total.

 

Em Mt 4, 11 diz: “Com isso, o diabo o deixou. E os anjos de Deus se aproximaram e puseram-se a servi-lo”.

 

Também nós somos ajudados pelos anjos, que são mensageiros de Deus. No livro do Ex 23, 20 diz: “Eu mandarei um anjo diante de ti para que te defenda no caminho e te faça chegar ao lugar que te dispus”. Isto torna-se realidade na vida de cada homem.

A missão dos anjos é auxiliar os homens contra as tentações e perigos, e trazer ao coração dos mesmos boas inspirações. São os anjos nossos intercessores, os nossos custódios, e prestam-nos o seu auxílio quando os invocamos. Também pode prestar-nos ajudas materiais, se são convenientes para o nosso fim sobrenatural ou para o dos outros. Especialmente podem colaborar conosco no apostolado, na luta contra as tentações e contra o demônio e na oração. São João da Cruz escreve: “Além de levarem a Deus as nossas notícias, trazem os auxílios de Deus às nossas almas e apresentam-nos como bons pastores, com comunicações doces e inspirações divinas. Os anjos defendem-nos dos lobos, que são os demônios e amparam-nos”  Você confia no seu anjo da guarda? Você pede que ele o proteja? Ou você nem sabe que possui um anjo que te protege?

A vitória é conseqüência da perseverança na luta. Ninguém é coroado sem ter vencido. Em Ap 2,10 diz: “Sê fiel até à morte e dar-te-ei da coroa da vida”. Os anjos que servem a Jesus depois de ter resistido às sucessivas tentações, mostram-nos a alegria interior que Deus dá ao que se opõe com esforço à tentação diabólica. Nunca estamos sós na tentação ou na dificuldade, o nosso anjo nos ajuda; estará ao nosso lado até o momento em que abandonamos este mundo, e depois acompanhar-nos-á no juízo.

O Cônego Duarte Leopoldo escreve: “Esta refeição de Jesus é a imagem do festim que Deus serve à alma vitoriosa. O momento que se segue à vitória é o mais delicioso de todos os momentos”.

Rezemos com atenção, devoção e respeito, essa oração composta por Santo Afonso Maria de Ligório: “Ò meu amabilíssimo Jesus, vejo que no passado caí e recaí tão miseravelmente, porque me descuidei de imitar os vossos diversos exemplos. Arrependo-me de todo o coração; peço-Vos perdão e prometo que para o futuro serei mais cuidadoso. Mas fortalecei a minha fraqueza. Eu vo-lo peço pela mortificação que praticastes, abstendo-vos por quarenta dias de toda a alimentação, e pela humildade que mostrastes, permitindo ao demônio que Vos tentasse como a qualquer outro filho de Adão”.

             

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 06 de fevereiro de 2008

 

Bibliografia

 

Bíblia Sagrada

Catena Aurea

Adolfo Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística

Dom Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos Evangelhos

Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos

Pe. Francisco Fernándes-Carvajal, Falar com Deus

Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina

Santo Afonso Maria de Ligório, Meditações

 

 

Vide também:

Tentado por Satanás

Esteve no deserto quarenta dias

Os anjos o serviam

 

 

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Depois de autorizado, é preciso citar:

Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Tentado pelo diabo”.

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